sexta-feira, 22 de outubro de 2010

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

1. O QUE É A FILOSOFIA?

1.1. Etimologia e conceito do termo ‘Filosofia’

A palavra Filosofia vem do grego: Fileo( Amigo/ Amor)Fileo + Sofia (Saber) .

Então Filosofia quer dizer: Amigo da Sabedoria ou Amor ao Saber. O homem é naturalmente filósofo, isto é, amigo do saber. De facto, ávido de saber, ele não se contenta em viver somente o presente e aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata, o seu olhar penetrante quer saber e conhecer o porquê das coisas e da própria vida. Portanto, enquanto umas pessoas levantam as questões duma maneira descontínua, outros dedicam-se às pesquisas todo o seu tempo e com todas as suas energias e propõe-se a obter a solução através duma análise profunda e sistemática, a estas pessoas considera-se filósofos.



Filósofo é:

Aquele que ama o saber;

Aquele que indaga (investiga) profundamente as verdades das coisas, lendo, meditando e conversando;

Aquele que diz o que pensa profundamente;

Aquele que tem uma idade que possibilita usar a razão, e tenha uma razoável experiência de vida pessoal e com os outros.

A Filosofia é um conhecimento, uma forma de saber, e como tal, tem sua esfera particular de competência e sob esta esfera busca informações válidas, precisas e ordenadas. O campo de pesquisa da Filosofia é diferente do das ciências empíricas como a Biologia (seres vivos), Botânica (plantas), Geografia (terra), História (factos no tempo), mas é diferente para a Filosofia (tudo), pois ela engloba os campos todos, ela é um método de aprendizagem que ensina a aprender outras ciências, ajuda a resolver problemas, levantar problemas a quem não os tenha ou ainda não deu conta deles. Ao longo dos anos, muitos filósofos tentaram definir o campo de acção da Filosofia; a seguir estão algumas ideias:

Aristóteles (384- 322 a.C.): diz que a Filosofia estuda “ as causas últimas de todas as coisas”.

Cícero (106- 43 a.C.): define a Filosofia como “ o estudo das causas humanas e divinas das coisas”.

Descartes (1596- 1650): afirma que a Filosofia “ ensina o bem racional”.

Hegel (1770- ?): concebe a Filosofia como “o saber absoluto”.

Sócrates (469- 400): entende que “a Filosofia é uma pedagogia”, isto é matéria que conduz ao outro saber, o caminho que leva ao conhecimento, é uma ciência que ensina a aprender outras ciências, porque abre horizontes a uma outra vida ou ciência.



1.2. Origem histórica da Filosofia (do Mito à Razão)

O nascimento da Filosofia não foi numa data taxativa, mas sim foi um processo. A Filosofia nasceu na Grécia, mais propriamente no espaço da cultura directa. O nascimento da Filosofia foi um processo de transformação lenta, mas decisiva, de libertação da consciência mítica e religiosa. Com efeito, a Filosofia apareceu quando o homem foi capaz de explicar a origem das coisas, a base da razão.

Em costume, diz-se que o nascimento da Filosofia verificou-se por volta dos séculos VII – VI a.C., com os filósofos Jónios (Tales, Anaximandro e Anaxímenes), neles verificou-se a existência de uma explicação científica e racional da natureza. Com efeito, examinando os poemas de Homero (Ilíada e Odisseia) e sobretudo os de Hesíodo (Os trabalhos e os dias; e a Teogonia), também aí pode-se constatar uma vontade embrionária da racionalização e de sistematização.



1.3. Campo de estudo da Filosofia

A Filosofia enfrenta as questões mais fortes da humanidade, como por exemplo: o valor da vida, o conhecimento humano, a natureza do mal, a liberdade, a origem e valor da lei moral, entre outras questões.

Enquanto as ciências estudam esta ou aquela dimensão da realidade, a Filosofia tem como objecto de estudo o Todo (a Totalidade, o Universo tomado globalmente).

Porque todas as coisas além de poderem ser examinadas ao nível científico, podem sê- lo também ao nível filosófico. Com efeito, os cientistas se interrogam sobre a constituição da matéria, questionam- se sobre o que é a vida, como estão estruturados os animais e os homens, mas não chegam a enfrentar certos problemas também ao homem, aos animais ou às plantas referidos. Por exemplo: o que é o existir?



1.4. Funções da Filosofia

a) Filosofia como ginástica do Espírito: a Filosofia é uma prática da felicidade, um contínuo esforço e exercício por manter o espírito são. Para Epicuro, “aprender a sabedoria é aprender a viver feliz”. Entende- se também a afirmação de Sócrates quando diz “só sei que nada sei”. De facto, preocupado com os problemas da Polis (Cidade), procura ironicamente dismistificar o falso saber dos sofistas e demais demagogos. Com Pitágoras podemos entender que “o saber não é monopólio de ninguém” , para ele nenhum homem se podia sentir e julgar possuidor do saber, mas sim amigo do saber.



Aproximação etimológica: o filósofo sendo a pessoa que procura a verdade, tem acompanhado o desenrolar do saber humano desde os tempos remotos através da história, até aos nossos dias. Porquê procura saber a história? – porque tudo o que acontece no Universo é registado pela história.

Aproximação histórica: a Filosofia é uma actividade humana parecida com, também, as outras actividades humanas, mas a Filosofia caracteriza-se essencialmente por ser uma reflexão multissecular sobre os mais decididos problemas do homem.

Aproximação existencial: a Filosofia dá normas básicas para a pessoa poder orientar-se. De facto, cada filósofo tem princípios que o orientam, por isso cada filósofo tem sua posição filosófica que o diferencia dos pensamentos dos outros. Porém, há em todos os filósofos que existiram e que existem, algo em comum, é o facto de que: a Filosofia capacita para um conhecer mais amplo e exigente (crítico) do que todas as formas do saber conhecidos. Daí conclui-se que: o saber filosófico é criativo, isto é, exige e resulta em transformação da visão e percepção de tudo quanto acontece no mundo pensado.

b) Filosofia como atitude humana perante a realidade: além da Filosofia, existem outras formas (atitudes) de existência humana, a saber: Religiosa, Científica, Estética, Política e Ideológica. Porém, a Filosofia não deve ser confundida com estas formas de existência humana. A Filosofia é uma atitude perante a realidade (= Realidade: é tudo o que existe para além do ser humano; é uma coisa). Portanto, a Filosofia é uma maneira de estar no mundo e cada pessoa tem a sua forma de viver comum filosófica do homem, é a forma Consciente. Essa atitude eleva a mente para as mais sublimes questões.

A Filosofia procura oferecer ao homem, um viver de acordo com o modo de existência humana, pois ela supõe uma atitude existencial. Essa atitude existencial é uma forma constante do homem viver a sua vida no mundo e na sociedade, e ela pode variar: a atitude de um justo é diferente da de um injusto. A atitude existencial filosófica exprime a totalidade do ser humano, como: posição constante perante a realidade; como forma habitual de reagir e de comportar-se; de ver as coisas e relacionar-se com elas – isto é que caracteriza a atitude filosófica, porque tudo o que pertence ao homem pertence a Filosofia. “Homo sum et nihil humanum a me alieum puto” (Sou homem e a nada de humano me coloco alheio)- por isso toda a atitude filosófica é e será a atitude humana, na qual o homem está todo envolvido com as suas dimensões e na qual o homem se compromete com todo o seu ser. Como atitude humana específica, a Filosofia caracteriza-se pelas seguintes marcas: Vigilância, Lucidez, Coragem, Autonomia e Liberdade (no pensar e no agir).

c) A Filosofia corresponde o sentindo: a Filosofia permite-nos compreender as diferentes práticas humanas e captar o seu sentido, a sua razão de ser, a sua validade para o homem enquanto ser que tem uma natureza própria. Trata-se com o efeito de começar a trilhar a busca do verdadeiro sentido das coisas que fazemos e ouvimos, porque as aparência iludem. Então estudar a Filosofia significa começar a analisar o que dissemos, novidades e informações antes de nos convencermos como verídicas.

d) A Filosofia orienta- nos para fins essenciais: a Filosofia pode orientar o homem e suas práticas no sentido dos fins últimos, das causas essenciais que deve pretender com a vida humana. Ela pode iluminar os caminhos por onde a solução de tais problemas se revela impossível, criticar as vias erradas em que os homens se obstinam.

e) A Filosofia é uma forma de saber: a Filosofia como ciência que é, tem uma linguagem própria, um estilo peculiar de pensamento e conteúdos específicos.

Linguagem da Filosofia: essa linguagem, de princípio, pode trazer certas dificuldades de compreensão. A linguagem filosófica é fundamentalmente abstracta, e isto acontece com muitas outras ciências. Por exp. – na Matemática há linguagem Simbólica: ( 2 + 2 = 4). Mas a linguagem Comum também fala Filosofia, mas para ouvirmos esta fala é preciso um esforço de atenção às palavras, para captar a sua capacidade de exprimir ou significar a realidade. Para a Filosofia, a Palavra, tem antes de tudo, o lugar privilegiado onde a realidade se mostra do homem. O que identifica alguém como filósofo é a atitude filosófica. O importante na linguagem filosófica é: atenção à realidade e atenção à Palavra.

Estilo da Filosofia: a Filosofia tem e é uma forma de raciocínio que não coincide com o das outras ciências. Portanto o estilo próprio da Filosofia é a Reflexo ( Reflectir significa cair na conta de algo; e só cai na conta de algo ou toma consciência de algo quem já esteve em conta esse algo num momento anterior, mas não reflectiu o que isso era realmente). Por isso, Reflectir (voltar sobre), ao pé da letra, significa voltar a pensar o que já se pensou, ou já se viu.

De facto, os grandes problemas do homem são vistos pela Filosofia dentro das inquietações de querer saber: Quem sou? Donde vim? Para onde vou?.O filósofo procura descobrir os problemas que existem, mormente os que agitam a maioria. Dizia La Croix “o filósofo é um homem, como os outros, que pensa, participa primeiro nos trabalhos e na dor dos homens. E filosofar será voltar seguidamente sobre esse pensamento imediato e expontâneo, reflectir sobre ele para lhe descobrir ou lhe dar o estilo”.



O que é então filosofar?

Em linhas gerais, filosofar é:

Um aprender a olhar e a ver, isto é, reordenar o nosso olhar e procurar novas facetas da realidade, alargando os nossos horizontes;

Uma libertação do pseudo- saber (saber anterior), pseudo- mundo (mundo anterior) em que nos encontramos mergulhados e a quem nos acomodamos, acabando por renunciar a qualquer gesto que nos leve para além dessa mediocridade onde nos sentimos em segurança (não é isso que fazemos quando somos interpelados e nos querem arrancar as nossas certezas e convicções?);

Um exercício de dúvida e arte de interrogação que graças ao juízo pessoal e independente (pensar autónomo), procura vencer o peso das tradições e doutrinas passivamente recebidas e aceites - questionar para melhor entender – é que são um obstáculo a que o homem se assuma como tal e se invente.

Uma busca de orientação para a existência, isto é, tentativa de definição de um projecto para a nossa vida, baseando na razão.

Uma busca de construção de si; trata-se de uma conjugação de conhecimentos e de existência ética, que nos permite definir o que queremos ser.



O que é que se exige ao filósofo?



Pode estar adormecido ou inconsciente das realidades que o rodeiam, iludido acerca do seu destino e do sentido que tem a sua vida, viver absolvido da questão da sobrevivência, dominados pelas necessidades materiais (reais ou supérfluas) e actuar fundamentalmente em função das pressões de engrenagem social.

Pode auto- propor-se uma atitude mais activa e livre não se contentando com a satisfação dos interesses e objectivos mais imediatos. Escolher e investigar qual é a verdadeira natureza das coisas, descobrir novos interesses e objectivos pelos quais vale a pena viver.

É esta atitude empenhada e comprometida com a vida: insatisfação e vontade de ir sempre mais além; duvidar e examinar para melhor agir.





1.5. Características da Filosofia

a) Historicidade: como todas outras actividades humanas, a Filosofia traz a marca da época do autor e da sua escola filosófica e revela a apropriação conceptual que o filósofo fez da sua realidade. Ainda que os filósofos partilhem os problemas e as interrogações que são comuns a todos os outros seres humanos, cada filosofia nascida no seu tempo coloca e aborda a sua problemática de uma forma que lhe é própria. As questões que os filósofos colocam, surgem no contexto de uma determinada época histórica. O próprio conceito de Filosofia foi entendido de maneira diversa ao longo da sua história, em função da atitude que os autores assumiam perante a vida.

A palavra Filosofia, surgiu pela primeira vez na Grécia, no séc. VI a.C. e terá sido Pitágoras, o primeiro pensador a usar o termo Filósofo. Etimologicamente o termo Filosofia significa: Amor à Sabedoria (Sophia); a palavra grega ‘Sophia’( significa simultaneamente: Arte ou poder de bem viver e bem saber; Conhecimento das verdades essenciais.

Por modéstia, Pitágoras pretendeu dizer que não era possuidor mas sim amigo da sabedoria (‘Philo’da ‘Siphia’): “A Filosofia não é um ter, mas uma procura”.

Platão, retomou e aprofundou o sentido etimológico da palavra Filosofia, concebendo-a como uma busca de conhecimento, uma forma de libertação e de autonomia.

A Escola Sofista, entende a ‘Sophia’ como um saber fazer, uma competência essencial para o exercício da actividade política. A Sabedoria era entendida como técnica discursiva dirigida para a conquista do poder político.



Na Idade Média, a Filosofia era definida como sendo Serva da Teologia, pressupunha sempre a subordinação da razão e do conhecimento da fé religiosa, havendo, portanto, duas posições diferentes:

Ou se preocupava em explicar os mistérios da fé partindo-se da sua aceitação incondicional tendo a razão apenas a função de tornar mais compreensíveis as verdades da fé que já se tinha aderido (‘Compreendo porque acredito’).

Ou a razão tinha a função de explicar, justificar e convencer tendo em vista a adesão às verdades da fé (‘Porque compreendo, logo acredito’).



Na Idade Moderna, a Filosofia surge apenas como uma reflexão sobre o conhecimento e a ciência (= como uma Teoria de Conhecimento), avaliando o seu valor e limites, os métodos, os resultados e consequências.

Na Idade Contemporânea, assenta- se a pluralidade das significações da palavra Filosofia, que reflectindo a complexidade do nosso mundo quer em termos sociais, quer em termos científicos, passa a englobar todas as noções anteriormente assumidas, acrescentando algumas novas perspectivas tal como é o caso da corrente designada por ‘Filosofia Analítica’, que concebe a Filosofia como uma análise crítica da linguagem.

b) Universalidade: se a Filosofia se caracteriza por uma historicidade paradoxalmente a reflexão distancia-nos criticamente do concreto e do vivido através desta distinção ultrapassa e supera o circunstancial e o contingente e alcança a Universalidade e a Atemporalidade, permitindo-nos estabelecer pontos de diálogo entre os pensadores de todos os tempos e lugares, pois não só muitos dos problemas a que cada filosofia tenta dar respostas, são problemas de sempre, como a sua compreensão revela novas perspectivas e aspectos que alargam a nossa compreensão do mundo.

c) Autonomia: cada filósofo e cada um de nós constrói a sua compreensão do mundo a partir de uma tradição cultural que naturalmente o influencia, mas cada Filosofia ou cada filósofo procura estruturar da maneira pessoal as questões que se colocam a todos os seres humanos. Em Filosofia não se aceita de forma passiva e acrítica qualquer fórmula ou verdade estabelecida. Compete a cada um: questionar, examinar por si mesmo, descobrir e decidir; por isso só aprende verdadeiramente Filosofia, quem exercita a razão, quem se põe a pensar, quem assume o desafio de filosofar. Isso não significa que se possa prescindir, isto é, escusar o que os outros filósofos pensaram ou pensam, pelo contrário, deve-se ter pontos de partida ou pretextos para o nosso próprio pensar. Kant, fala da Filosofia como um processo criador, salientando que ela não se pode resumir a um conjunto de teses que se aprendem, mas também não pode dispensar o seu conhecimento. E diz que: aquele que quiser aprender a filosofar deve encarar todos os sistemas da Filosofia apenas como história do uso da razão e como objecto de exercício do seu próprio talento filosófico. O verdadeiro filósofo tem, portanto, como pensador a si próprio, de fazer um uso livre e pessoal, não um uso imitador e servil da sua razão.

d) Radicalidade: a Filosofia revela uma necessidade de tudo questionar e problematizar, de tudo querer compreender, exige insatisfação e interesse por desafiar os nossos limites; uma preocupação por investigar os problemas até ao fim e até a raiz para encontrar a sua explicação e justificação fundamental.



1.6. A Alegoria da Caverna

A Filosofia pode apresentar-se como uma forma de conhecimento, uma tentativa de encontrar respostas para as perguntas que nos são colocadas pela nossa situação existencial, em suma, uma maneira de responder aos problemas do nosso presente.

Partindo de uma experiência existencial, isto é, de uma situação concreta de vida que envolve conhecimentos científicos, relações entre pessoas, valores, supõe uma atitude exige uma tomada de posição perante as diversas opções possíveis, por isso é preciso problematizar o vivido emocionalmente de modo a transformá-lo em vivido racionalmente.



2. DISCIPLINAS DA FILOSOFIA

A Filosofia é um ramo deveras complexo, não só pela sua originalidade e natureza mas também pela sua vasta e entrelaçada posse de ramos, ramos estes que facilitam para a melhor decifração do labirinto que é parte constitucional integrante da própria Filosofia e do filosofar. As disciplinas da Filosofia são: Antropologia filosófica, Ética, Filosofia da história, Teoria do Conhecimento, Lógica, Estética, Filosofia da Natureza, Metafísica, Ontologia, Filosofia política, Epistemologia, Filosofia da Linguagem e Filosofia da Religião. Mas com o andar do tempo e com o desenvolvimento do espírito filosófico nas pessoas, hodiernamente, a família das disciplinas filosóficas tende a crescer.



2.1. Filosofia da Natureza

Esta disciplina preocupa-se com a interpretação e explicação da Natureza. Para os gregos, o termo Natureza (Physis - ) possui dois grandes significados:

Natureza entendida como um conjunto de seres vivos que povoam o universo, excluindo-se todas as coisas feitas pelo homem.

Natureza entendida como origem das coisas, isto é, uma forma de explicar o conjunto ou as classes das coisas, é quando nos interrogamos da ‘Natureza do homem’ ou sobre ‘a Natureza de uma determinada acção’.

O contraste entre aquilo que é por natureza e aquilo que é por convenção, foi discutido pelos Sofistas para destinguir o que tem um modo de ser que lhe é próprio e aquilo cuja existência é ser, foi determinado pelo homem. Discutiu-se também se as leis, particularmente as da sociedade, derivam de um modo de ser humano ou se não resultado de um pacto social. Nestas discussões o termo ‘Natureza’ tem algo de si e para si, ou melhor, trata-se da essência que os seres possuem.

A Filosofia da Natureza interroga acerca da Natureza das coisas, ou o que são as coisas (= essência), de onde vêm (= origem), e a partir daí explicar os seus movimentos (= causa).



2.2. Antropologia Filosófica

O problema que a Antropologia Filosófica coloca, é o do próprio Homem. O que é o Homem? Qual é a sua origem? Qual é a sua essência e o seu destino?- estas questões constituíram sempre preocupações e assunto para os filósofos.



Na Época Clássica: o Homem foi estudado a partir duma perspectiva Cosmocêntrica, isto é, analisada a sua essência a partir do Universo e da Natureza.

Platão: o Homem é essencialmente Alma (Espiritual, Incorruptível e Imortal). Para ele, a imortalidade da alma não constitui verdadeiramente um problema, a grande preocupação é a de libertar a Alma da prisão do corpo.

Aristóteles: o Homem é essencialmente constituído por Alma e Corpo, como todos os outros seres vivos deste mundo. No Homem a Alma desempenha o papel de Forma em relação ao Corpo. Porém, ele diz não haver condições da alma se escapar da corrupção (= morte).

Plotino: retoma a concepção de Platão: a da dicotomia entre a Alma e o Corpo. Ele diz que a Noesis (conhecimento intelectivo) pertence exclusivamente à Alma, enquanto todas outras operações do conhecimento são realizadas pelo Corpo, informado pela Alma.



 Na Idade Média: conhecida como Idade da Filosofia Cristã, o Homem é visto como criatura de Deus, numa perspectiva Teocêntrica. O Homem é composto por duas partes: o Corpo que é a parte material, natural e mundana; e a Alma que é a parte espiritual, imaterial e supra-sensível. Os filósofos cristãos abrem a sua reflexão olhando para o fundo da História da Salvação entre Deus e a Humanidade.

 S. Agostinho: estudou o Homem com uma paixão extraordinária , na sua reflexão, ganha relevo as noções e problemas que o pensamento grego não havia ainda aprofundado, como: o Mal, o Pecado, as Pessoas, a Liberdade e a Auto- transcendência. Quanto ao problema da origem da Alma, S. Agostinho enfrenta a seguinte questão: Por quem ela foi produzida? Por Deus ou pelos Pais?- discutindo duas soluções opostas: o Criacionismo (a alma de cada pessoa é criada directamente de Deus) e o Traducionismo ( a alma é transmitida do pai para o filho, o a chama de um archote para o outro). A Antropologia agostiniana, se inspira em Platão: dicotomia entre a Alma e o Corpo. A redução do homem essencialmente à Alma, a completa autonomia do conhecimento intelectivo com respeito a qualquer contribuição do Corpo.



 S .Tomás de Aquino: faz um uso rigoroso e sistemático da análise filosófica dos outros. Ele elabora uma nova antropologia filosófica que possui os seguintes pontos característicos: o Homem é composto essencialmente de Alma e Corpo; a Alma não subjaze o Corpo, mas tem o seu próprio acto de ser e dele faz participar o Corpo. Ele diz haver uma intimidade profunda e substancial, entre a alma e o corpo, porque é único o seu acto de ser. S. Tomás sustenta que a morte do corpo não pode implicar na morte da alma, pois esta é de direito imortal.



 Na Idade Moderna: o Homem aparece pela primeira vez como sujeito de ordem, de princípios e de normas. O sujeito é autónomo e por isso o Homem é analisado a partir de si mesmo, numa perspectiva Antropocêntrica. Portanto, entre os sécs. XVII e XVIII, a Antropologia aparece como uma disciplina da Filosofia, o estudo do Homem é feito a partir da Natureza e não da Metafísica, na sua singularidade. Entre tantos filósofos modernos, destacam-se: Descartes, Spinoza, Hume, Kant, Leibnitz, Comte, Marx, Freud, Pascal, Malebranche, Heidgger, Bloch, Gehln, Hobbes, Locke e Vico.



 Descartes: encontra no Homem o necessário ponto de partida para o recto filosofar.

 Spinoza; (na Ética) diz que, não se propõe outro objectivo que se estabeleça cientificamente qual seja o escopo da vida humana e os meios para o conseguir.

 Hume: no seu Tratado sobre a Natureza Humana ( Treatise on Human Nature), pretende oferecer um quadro definitivo do Homem como Indivíduo.

 Comte e Marx: pretendem apresentar um quadro completo do Homem como Ser Social.

 Freud: estuda o Homem como um complexo de instintos.

 Heidgger e Bloch: estudam o Homem como uma mina de possibilidades.

 Gehln: estuda o Homem como um animal não especializado (inacabado).

 Kant: impõe um novo modo de estudar o Homem onde, a mente humana não pode adquirir um saber absoluto, nem do mundo, nem do Homem, nem de Deus. A mente pode atingir somente um conhecimento de carácter prático e moral. Ele, elaborou uma antropologia de índole prático, mostrando que o Homem é um ser diferente dos outros seres pelo seu valor, pela sua dignidade, na sua condição de pessoa e que a essas características devem corresponder um comportamento adequado.



O campo da Filosofia Antropológica se encerra nas seguintes questões: Que posso fazer? (metafísica), Que devo fazer? (moral); O que posso esperar? (religiosa); Que é o Homem? (antropológica).



2.3. Metafísica: Ontologia e Teodiceia

Desde a sua existência, o homem procurou sempre saber o princípio e o fim das coisas. Depois do pensamento mítico, que foi a primeira tentativa de resposta, surge a Filosofia. A Metafísica é a disciplina da Filosofia que estuda os primeiros princípios e as últimas causas. Ela pode designar-se por Metafísica Geral ou Ontologia quando estuda as formalidades, isto é, a essência das coisas. Designa-se Metafísica Especial ou Teodiceia quando estuda a substância separada e imóvel (= Deus). Esta disciplina não procura estudar realidades particulares, mas sim o Ser enquanto Ser, isto é, aquilo que faz com que as coisas sejam o que são. Com o desenvolvimento das ciências positivas, as questões levadas a cabo pela Metafísica tiveram uma hegemonia, particularmente em duas questões, a luz das ideias de Kant: 1ª A Metafísica é possível como ciência, a 2ª do que ela se ocupa. Defendendo deste modo que, as proposições metafísicas não são nem verdadeiras e nem falsas, pois ela é o “abuso” da linguagem, daí que a negação da Metafísica, implica a negação do próprio saber filosófico.





3. A ÉTICA

Ética, é uma reflexão sobre o conjunto dos costumes e de comportamentos que caracterizam a conduta humana. Portanto, a Ética é de ordem teórica, pois investiga os fundamentos da acção humana sob o ponto de vista da bondade ou maldade, da justiça ou da injustiça, do correcto ou do incorrecto, do obrigatório ou não e do proibido ou não. A Ética tem a Moral como seu principal objecto de estudo.

3.1. O que é a Moral?

Moral, é o conjunto de princípios, de regras, de juízos e de valores que por serem aceites pelos membros duma determinada sociedade, vigoram nesta mesma sociedade, mesmo antes da reflexão sobre os seus significados, sua importância e sua necessidade, porque a Moral faz parte da prática humana.

3.2. Quando é que surge a Ética?

A Ética surge quando a situação tomada por habitual perde a sua naturalidade, quando as normas e as instituições transmitidas de geração em geração, perdem a sua validade e possibilidade de esclarecimento. A Ética aparece para submeter as normas sobre a acção do homem, as concepções sobre valores e as instituições sócios políticas, a uma revisão da qual pode resultar a legitimação da sua manutenção ou argumentação sobre a necessidade da sua adaptação às novas circunstâncias ou ainda à sua rejeição.

Com efeito, o Homem vive hoje numa época caracterizada pela desorientação em relação as normas de convivência social, pela confusão em relação aos valores, pela incapacidade de tomar decisões claras sobre os problemas e desespero em torno das questões essenciais para a vida.

Kant, afirma ser próprio da Filosofia as questões psicológicas; daí surge como pergunta: “ Que devo fazer?”; esta constitui uma pergunta essencial para a Ética, com efeito, ouvimos expressões como essas: Por que razão procedeste assim? Isso não é razão para procederes deste modo? Quem teve razão? ‘Fulano’ perdeu toda a razão que tinha? Atingir a idade da razão? Não é possível, perdeu a razão em consequência do desastre? A pergunta ‘Que devo fazer?’, supõe um agir na dimensão própria do homem, isto é, não impedido de forças externas (coacção física), e nem determinismos internos incontroláveis, algo mais forte do que é ... mas com Razão.



3.3. Actos Humanos

“Os Actos Humanos são aqueles que procedem da vontade deliberada do homem, isto é, aqueles actos praticados pelo homem com o Conhecimento e com livre Vontade” ( S. Tomas de Aquino).

Conhecimento: quando o homem conhece o sujeito que delibera, se pode ou se deve tender ou não por ele.

Vontade: uma vez conhecido o objecto, a Vontade tende para ele porque o deseja, ou afasta dele rejeitando-o.

Só quando se intervêm os dois factos (Conhecimento e Vontade), é que o Homem é senhor dos seus actos, e só nos Actos Humanos cabem a valorização (vontade) moral. Mas nem todos os actos que o homem realiza são totalmente actos humanos, visto que podem ser:

Actos meramente Naturais: aqueles que procedem das potências vegetativas e sensitivas, sobre as quais o homem não tem domínio voluntário algum e são comuns em todos os animais. Por exp.: nutrição, respiração, sentir dor, sentir prazer, circulação de sangue, percepção auditiva e visual, etc.

Actos do Homem: são aqueles que procedem do homem, mais que a falta ou que a advertência (caso dos dementes, das crianças pequenas ou a distracção total), que a voluntariedade(por coacção física), etc., que é uma outra (quem está a dormir).



3.3.1. Divisão dos Actos Humanos

Pela sua relação com a moralidade, os actos humanos podem ser:

Bom (Lícito): se for conforme a lei moral. Por exp.: dar esmola.

Mau (Ilícito): se for contrário a lei moral. Por exp.: mentir.

Indiferente: quando nem é contrário e nem conforme a lei moral. Por exp. andar

Pela relação, em razão das faculdades que aperfeiçoam, podem ser:

Interno: que é realizado mediante as faculdades internas do homem, no seu entendimento, memória ou imaginação. Por exp.: desejo de algum futuro; recordação de uma acção passada.

Externo: quando intervêm também os órgãos e sentidos do corpo. Por exp.: ler.



3.3.2. Elementos do Acto Humano

O Acto Humano, está constituído por dois fundamentais elementos, a saber:

Advertência (ligada à inteligência): o homem percebe a acção que vai realizar ou que já está a realizar. Pode ser Plena ou Semi- plena. No entanto, não basta ter advertência para poder ser moralmente imputado, é ainda necessária a advertência da relação do acto com a moralidade. Por exp.: quem tem a consciência de estar a comer, mas sem reparar que é dia de abstinência, pratica um acto que apesar disso não é imputável.

Todo o acto humano requer necessariamente advertência, de tal modo que um homem que actue tão distraidamente e que não repare minimamente o que faz, não realiza um acto humano. A advertência tem de ser dupla: do acto em si e da moralidade do acto.

Consentimento: é o que leva o homem a querer praticar esse acto previamente, com êxito, procurando com isso, um fim. Trata-se de um acto voluntário consentido, que pode ser directo ou indirecto, consoante a sua realização em pleno ou em semi- pleno consentimento directo ou indirecto.



Pode-se também, verificar o Acto Humano Voluntário Indirecto, que concerne os seguintes elementos:

Que a acção seja boa em si, mesma ou pelo menos indiferente.

Que o efeito imediato, o primeiro que se produz seja o bom efeito, e o mau sejam não mais que a consequência necessária.

Que a pessoa ponha-se o fim bom, isto é, o bom- efeito e não o mau somente permitido.

Que haja motivos proporcionados para permitir o efeito mau. Aqui sublinha-se o aspecto do Mal necessário (por exp.: a amputação da perna para que viva o afectado de certa doença; uma senhora grávida com dificuldades de parto, com duas conclusões: ou morre o filho ou morre ela).



3.4. Os Valores

Designa-se Valor, o ser considerado valioso. Se for uma pessoa, é a que tem muitas habilidades, qualidades, virtudes ou dotes. No sentido abstracto, exprime o valor da coisa como a beleza e a bondade que em si encerra. Rigorosamente, não se define o Valor, apenas se descreve mais ou menos fielmente.

3.4.1. Características dos Valores

Estabilidade: o valor é algo com um carácter estimável, amável e agradável.

Beleza (Estética): o valor é algo com um aspecto belo e apreciável.

Bondade: o valor é algo que em si encerra o bem, por isso o valor é agradável, belo e bom. O valor merece existir, ser procurado, respeitado, assumido e vivido.



Ao longo destas características, pode-se localizar vários Tipos do Valor, a saber:

Valores Morais/ Éticos: matrimónio legal; respeito; pudor (sentimento de vergonha), etc.

Valores Jurídicos: direitos, deveres advocacia, etc.

Valores Religiosos: religião; caridade e esperança.

Valores Económicos: comércio; marketing; dinheiro; etc.

Valores Culturais: iniciação tradicional à vida adulta; hospitalidade; solidariedade; situação de vida; língua; canções e danças.

Valores Sociais: educação, comunicação social; política e justiça.

Valores Estáticos: pintura; esculturas e arquitectura.



Há valores ou bens que podem atrair consigo certos males, quando são inconvenientemente geridos. A televisão, por exemplo, é um valor mas se forem exibidos programas eróticos, violentos, etc., deixa de ser considerando um valor, por causa dos resultados nefastos que irão repercutir.



3.4.2. Avaliação das qualidades dos Valores

Hierarquia dos Valores: há diferenças entre os valores, não só no seu tipo e na sua dimensão, mas também na sua qualidade. A escadaria dos valores conforme os seus graus de ser ou não perfeitos.

Exemplos:

A vida é um valor e o dinheiro também o é, mas são diferentes na qualidade e no grau, e o homem é chamado a saber escolher em muitos casos os que têm mais valor.

O corpo humano e o dinheiro, ambos são valores. O que escolher? Não se deve vender o corpo humano e nem algum dos seus órgãos.

A música e o estudo são valores. O que escolher? De facto, há coisas importantes mas não necessárias e também há coisas necessárias mas não urgentes.



3.4.3. Valores e Contra- Valores

O belo é um valor, mas quando é estragado fica feio.

O agradável quando é transviado torna-se desagradável.

O bem quando extraviado torna-se mal.

A vida é um grande valor, mas quando ultrapassada fica morte.

O amor é um valor, mas quando estragado torna-se ódio.

A disciplina e o respeito, são grandes valores sociais, mas quando estragados, tornam-se uma desordem, quer seja na escola, na família, na comunidade fraterna ou mesmo na Sociedade, em geral.



Os valores são algo delicado, mas ao mesmo tempo singelo, razão pela qual é preciso ter bastante cuidado, para que não hajam promiscuidades neste aspecto. A vida é a base do valor; a pessoa é um valor e tem valor e por isso somos convidados a vermos não simplesmente o corpo, mas principalmente a pessoa.



4. PESSOA; Sujeito Moral.

4.1. Etimologia e conceito do termo ‘Pessoa’

A palavra Pessoa deriva do latim “Persona” (máscara usada pelos actores de teatro nos anfiteatros) com a finalidade de fazer ouvir mais alto a voz – per sonare-, assim Pessoa seria aquela que faz ouvir a sua voz, isto é, ser falante.



4.2. Perspectiva Clássica filosófica

Cícero- Pessoa é um ser de direito e deveres.

Boécio- Pessoa é uma substância individual de natureza racional(“naturae racionalis individua substantia”).

S. Tomás- Pessoa é um subsistente da natureza racional.



Boécio e S. Tomás, sustentam que começa-se por ser indivíduo subsistente, coeso, uno, total e central. Porém, a ideia de Boécio quer destacar os caracteres de relação e de interelação com os constitivos dinâmicos da pessoa humana;



4.3. Perspectiva Moderna Filosófica

Descartes (psicologia) a consciência é o distintivo da pessoa.

Kant (ética) a liberdade é o constitutivo da pessoa.

Buber (social) a pessoa é um ser em relação a ele mesmo e aos outros.



A Pessoa é a unidade essencial humana do corpo e espírito, como ser individual que se realiza possessão consciente, na livre disposição de si mesmo. Pessoa é a unidade essencial pois é um indivíduo, um ser de valor (não só o tem, mas também o é); é de corpo e espírito pois nunca se pode excluir um destes elementos porque deixa de ser pessoa humana.



4.4. Relação corpo –espírito

O Corpo sem o Espírito não tem vida é uma simples carcaça , e o Espírito sem o Corpo não é Pessoa. A Pessoa é um ser que se deve realizar, por isso, todo o homem “luta”, esforça-se, trabalha, estuda para no fim ser “alguém”. A Pessoa é um ser que possui consciência de se mesmo. Isto é, auto- domínio (domínio de nós mesmo), isto é, ser senhor do seu destino (responsabilidade), ser um homem responsável nos seus actos, um ser consciente do seu temperamento , sabendo controlar os seus comportamentos.

Pessoa é um ser que se dispõe livremente, não vive sozinha nem vive somente para si mesmo, mas com os outros e para os outros. É um ser que ama e que quer ser amado; é um ser que monologa e dialoga.



5. CONSCIÊNCIA

5.1. Etimologia e conceito do temo ‘Consciência’

A palavra Consciência deriva do latim Cum (Com) + scientia (Conhecimento/ Entendimento). Consciência significa saber conjuntamente; significa um conhecimento comprovado, ou seja, um conhecimento que acompanha as nossas vivências, isto é, entender juntos e ser livre um para com os outro.



5.2. Sentido moral

A Consciência é vista como o juiz do valor moral das nossas actividades: avaliando os nossos actos, atribuindo-lhes méritos ou deméritos, julgando-os sob ponto de vista do bem ou do mal indicando o dever a seguir. É a faculdade que a pessoa tem no seu âmago (íntimo) de se entender a si mesmo em confrontação com Deus e com próximo.

A Consciência é aquela sensibilidade interior de a pessoa avaliar as coisas, de acordo com a ‘voz própria’ (voz da consciência). Ela é saudável (sadia) quando a pessoa na sua totalidade (emoção, intelecto e vontade) funciona harmoniosamente na profundidade do seu ser.



5.3. Filosoficamente

A Consciência é o ‘lugar’ onde se faz o julgamento dos actos, se são bons ou não. É o ‘lugar’ mais íntimo da pessoa onde ele se encontra a dialogar sobre o bem e o mal. A Consciência é aquele desejo tão íntimo para a inteireza e integridade.

Kant diz que : “a Consciência é o centro, a sede da moral” nela há um princípio moral que tem um imperativo categórico : “faz o bem, evita o mal”.

O Bem, a Verdade e a Rectidão impõe-se obrigatoriamente, razão pela qual quando não os praticamos, temos um julgamento imediato ou tardio (=remorsos, medo, desordem interior e exterior). Portanto a pessoa sofre no seu total, quando surge uma brecha em diversos Eu.- Eu verdadeiro (= que deseja o bem, a verdade e rectidão) e o dito Eu fingido (=que procura uma mera imagem do bem).



5.4. Visão de Conjunto

Abertura para a verdade: não há paz da Consciência se o nosso ser interior não aceita aquela aspiração do intelecto e da razão do ser de alguma coisa única, com a verdade. Esse desejo requerer auto- entendimento e crescimento no saber o bem.

Fidelidade criadora: o juízo criador da consciência e a sua forte tendência para viver na verdade e agir na verdade, depende de:

 Desejo inato para a inteireza e abertura;

 Firmeza e clareza na opção fundamental (desejo natural de fazer o bem);

 Força e energia para conviver na vigilância e na prudência (não se trata das pessoas que nem fazem o bem e nem fazem o mal);

 Mutualidade ou Solidariedade no ambiente (criar um ambiente favorável ao crescimento duma consciência sadia);

 Fidelidade actual (criatividade na procura da verdade) e uma prontidão para a realizar.



5.5. Classificação da Consciência

Consciência antecedente: quando antes de agir, a pessoa faz planos, avalia primeiro aquilo que está; e para fazer.Consciência consequente: quando é fruto da avaliação daquilo que aconteceu ou do que deveria ter acontecido.



5.6. Tipos de consciência

Consciência Recta: a pessoa age conforme a sua autenticidade, coerente consigo mesma no pensamento e no falar. Busca a verdade duma forma sincera, e age conforme a lei moral.

Consciência Errónea: a pessoa age contra a lei moral, a pessoa age no erro. Esta consciência pode ser: Vencível ou Culpável: quando a pessoa tendo a obrigação, a necessidade e oportunidade de saber , não o soube e cai no erro, isto é, não preveniu o erro.

Invencível ou Não culpável: (esta não é a 100% uma consciência errónea). Considerando de erro por ignorância, quando a pessoa não teve a oportunidade de saber se é ou não erro, não lhe foi possível superar.

Consciência Certa: é comportar-se ou agir com a certeza moral, sem ter medo. Agir sabendo que o que faz ou diz é moralmente certo.

Consciência Laxa: é quando a pessoa vive numa vida de ‘deixa andar’, se é bem ou mal, não interessa, todo mundo vive assim. Não faz mal. O bem e o mal é a mesma coisa, por isso tanto faz (laxismo).

Consciência Duvidosa: é agir ou falar com receio, não saber se o que faz ou diz é moralmente certo. Neste tipo de consciência, quando a pessoa é chamada a tomar uma decisão e tem de agir de uma ou de outra maneira entre dois males, a lei moral aconselha por optar pelo mal menor e o mais provável que seja certo.

Consciência Escrupulosa: a pessoa questiona-se e duvida de tudo o que faz, sempre com um olhar negativo. “Será ou não será pecado?” . é uma consciência não saudável, daí que as pessoas com este tipo de consciência pedem desculpas tantas vezes sobre o mesmo erro. É necessário que as religiões tomem cuidado no âmbito da educação, pois seria bom formar a consciência dos fiéis para que seja viva, livre e saudável. Deve-se cuidar para não deformar a consciência com a tonalidade exagerada de: tudo é mal, tudo é pecado.

Consciência de Classes (de Complexos): está baseada no status social; por exemplo: ‘Eu sou director e só devo conviver com meus colegas directores’; ‘Eu sou da cidade e só devo conviver com os da cidade e não com os do campo’- o perigo aqui, tem sido o do complexo de superioridade para uns e o de inferioridade para outros. Tanto um como outro destes complexos são negativos, porque o complexo de superioridade faz sofrer a si mesmo, enchendo- se de orgulho e faz sofrer aos outros espezinhando-os, e o complexo de inferioridade faz sofrer a si mesmo sentindo-se pequeno, humilhado, inferior e com medo dos outros.



5.7. Necessidade de Formação da Consciência

Formar a Consciência é uma necessidade vital, esta requer habituá-la a aplicar correctamente a conduta da nossa própria vida, é tarefa pessoal.

Ajudar os filhos na educação moral e na formação de uma consciência saudável, é tarefa dos pais.

Criar condições para que haja uma boa educação que abrange a dimensão humana sobre os valores universalmente aceites, é tarefa das escolas e do Estado.

Promover palestras criticando o ensino que não ajude o crescimento dos indivíduos para a responsabilidade, é tarefa da sociedade.

Formar não só espiritualmente mas também humanamente, é tarefa das instituições religiosas.

O facto de muitos jovens divertirem-se até altas horas da noite, não significa civilização. Não se deve considerar como liberdade e não é um valor, tanto para a própria pessoa como para a sociedade, porque isso gera vícios e criminalidade.

A formação da Consciência exige o esforço por viver coerente consigo mesmo e com os outros. É possível formar a Consciência nas boas maneiras de pensar, de agir, de falar, de se comportar, de viver e de ser.



5.8. Erros possíveis na Formação da Consciência

a)Enfatizar o intelecto humano: (Razão), como algo que dá ao homem directrizes para as suas decisões. O chamado ‘Habito Natural’ (= princípios supremos implantados em nós, como: “faz o bem e evite o mal”; “Direito à Vida”; “Preservação da Vida própria”; “Direito à informação e Educação”; “Tomar decisões livremente e responsavelmente”- que estão fundamentalmente ligados a Lei Moral).

b)Ênfase na disposição inata: trata-se do deseja para o amor e para o bem, trata-se do amor ardente que impele o ser mais íntimo para o bem.

c)Reduzismo Psicológico- social: Aspecto Sociológico: trata-se duma formação ou educação que dá maior atenção a consciência pessoal, mas procura treinar para uma conduta socialmente aceitável. Prepara-se o indivíduo tendo em vista o bem da sociedade, lealdade prática, o ensino é praticamente de nível lógico.

Aspecto Psicológico: a formação do indivíduo enfatiza o super- ego (dimensão social- Freud), através da qual a pessoa fica dependente dos pais e do ambiente. Esta formação não aceita a Consciência individual e sublinha o que é aceitável para o ambiente da vida social com medo das autoridades.



6. ÉTICA FUNDAMENTAL (Ética Individual e Social)

Os elementos da Ética Fundamental são a Ética Individual ( constituída por: Amor, Ódio, Indiferença, Paixões, Emoções e Sentimentos ) e a Ética Social ( constituída por: Liberdade, Responsabilidade, Mérito, Virtude e Sanção [da Consciência, da opinião pública, civil, natural e sobre- natural] ).



6.1. Conceitos

Amor: autêntica justiça só pode realizar-se de facto se existe verdadeiro Amor ou a Solidariedade entre os irmãos. Só este tipo ou espírito de Solidariedade fraterna pode superar todas as discriminações de carácter ético, cultural, religioso e político; ao mesmo tempo tornará mais eficaz o respeito pelos direitos humanos para além do seu reconhecimento formal. Em particular encontrará impulso a formação humana e social das classes mais desfavorecidas. Será, enfim, o remédio mais eficaz contra o individualismo e mais eficaz garantia da paz social.



Liberdade (na Ética social): é a ausência de obstáculos sociais e instituições em ordem ao pleno desenvolvimento das pessoas e das comunidades menores. De um ponto de vista positivo, é a disponibilidade de meios naturais e morais ( Educação e Cultura) para realizar este desenvolvimento autónomo dentro de um contexto social de paz e segurança. A Liberdade exige auto- determinação política dos cidadãos, isto é, direito a constituir e a designar livremente os governantes, como também a resistir com meios justos ao abuso de poder. A nível institucional, exige estruturas que permitam aos cidadãos a participar responsavelmente sem discriminação na organização política fundamental da sociedade, na acção do Governo e na eleição dos deputados. Consequentemente, exige a recusa das formas políticas ditatoriais ou totalitárias enquanto incompatíveis com a debilidade humana. Tudo isso comporta uma constante e intensa formação de todos os cidadãos.



Responsabilidade: este termo é bastante recente na Filosofia, datando apenas de 1787, introduzido na Alemanha. Etimologicamente, o termo deriva do Latim “Spondere”- que significa: Comprometer perante alguém, em retorno, “Re”.



Natureza da Responsabilidade: a Responsabilidade pode definir-se como sendo a dimensão relacional da obrigação. Ter responsabilidade, ser responsável é, portanto, estar obrigado, mas não a isto ou aquilo determinadamente, ter esta ou aquela obrigação, tal seria a dimensão ‘objectiva’ da obrigação. A responsabilidade consiste formalmente à obrigação, aquela perante quem se é responsável, e se tem de prestar- contas, daí que em primeira instância, aquele com quem o sujeito se comprometeu, por qualquer título (Por exp.: - Por contrato). A Responsabilidade é a capacidade de responder às exigências da vida, de dar resposta adequada às situações que se nos apresenta.

Elementos constituintes da Responsabilidade: o Auto- respeito (a pessoa age sabendo que é ela mesma a autora dos seus actos, quer dizer, que a acção é uma iniciativa livre, própria e consciente), a Responsabilidade como diálogo Vertical e Horizontal (dando uma abertura a dimensão divina e comprometendo-se deste modo com os homens[comunidade]) e a Responsabilidade como o Dever, Função à Realidade (a Responsabilidade tem origem no dever e refere-se a sua realização, portanto, esta compreende uma estrutura objectiva que é o conjunto das realidades ,materiais e espirituais entendida e pressuposta tanto da parte de quem fala como da parte de quem responde. A ausência destas qualidades implica necessariamente a falta de responsabilidade).

Modificadores da Responsabilidade: (Voluntariedade, Conhecimento e Consentimento).

A Voluntariedade é plena ou perfeita se o agente tiver conhecimento pleno e consentimento pleno, isto é, a voluntariedade torna-se imperfeita se qualquer coisa faltar no conhecimento e no consentimento, ou em ambos.

O Conhecimento Referido enfraquece-se quando se tornam presentes os seguintes elementos: Ignorância (é a falta de conhecimento que alguém devia ter; ou seja, é a falta do saber); Erro ( moralmente falando, é o enfraquecimento do Conhecimento. O Erro tem sua origem nas opiniões erradas, preconceitos, convicções erradas, e tudo isso pode ter origem na educação deficiente, más companhias, maus filmes e livros, etc. Trata-se de uma influência negativa, que extravia e deve ser vencida através de investigações e experiência).

O Enfraquecimento do Consentimento livre requerido

Paixões ou Concupiscência = é o movimento de apetite sensível produzido pelo bem ou mal como é compreendido pela imaginação. Existem dois tipos de Paixões, a saber: Concupiscível [amor, ódio, desejo e alegria]; Irascível [cólera, zanga, coragem, medo, esperança e desespero]; essas Paixões classificam-se em: Antecedentes (encontram-se antes da acção e induzem a pessoa a agir se pensar) e Consequentes (seguem a determinação livre da vontade do agente e são livremente aceites e consentidas ou livremente despertadas ou alimentadas).

Medo e Pressão Social = é o recuo da mente por causa de um perigo iminente. Uma necessidade intuitiva, por exemplo: Segurança, Concorrência, Estima, Abrigo, etc., necessidades que raramente surgem no conhecimento, levam pressão sobre pessoas e fazem- nas conformar com as opiniões e comportamentos predominantes, mas o Medo não cancela a capacidade de escolher.

Violência = é uma influência compulsiva que pesa sobre alguém, contra a sua vontade, pelo agente exterior. O agente está exterior à vontade e não necessariamente extrínseco ao corpo ou a realidade psíquica da pessoa. Porque a Violência, pode ser provocada pelas condições patológicas, enquanto a resistência externa da vontade é necessária contra- violência, a resistência interna nem sempre é necessária, com efeito, resiste-se externamente se houver a esperança de vencer o agente.

Disposições e Hábitos = ao seguir frequentemente uma inclinação que lhe pertença (da sua Natureza) uma pessoa adquire energia suficiente para desempenhar a acção com facilidade. A inclinação torna-se forte e assim finalmente cresce para tornar-se Hábito ou Disposição, que é a facilidade e prontidão de agir numa determinada maneira adquirida através de actos repetidos. O Hábito se destingue das diferentes disposições, pois é a qualidade estável que dispões o sujeito, é uma maneira de ser plenamente que qualifica o sujeito, dispondo-o para o mal e para o bem, segundo a sua natureza, pois o Hábito pode ser bom ou mau. O homem não está sem responsabilidade para o desenvolvimento e retenção dos seus bons ou maus hábitos. De facto, o hábito, enfraquece o intelecto e a Vontade, na situação concreta, como acontece com a paixão. Por isso existem Hábitos Positivos (Virtude) e Hábitos Negativos (Vícios).



7. RELATIVIDADE DO CONHECIMENTO

7.1. Fenomenologia do Acto de Conhecer

Conhecer: é a relação entre o sujeito e o objecto. É ir ao encontro do outro. É um diálogo entre o Eu e o objecto, ou alguma coisa que não seja o Eu. Para haver Conhecimento, tem que haver o sujeito e o objecto. No conhecimento humano, há aquele que conhece e o outro que é conhecido, pois o homem é essencialmente alguém virado para fora de si, isto é, ele não se realiza, mas realiza mas realiza alguma coisa. O homem só pode conhecer-se por meio da Consciência.



7.2. Dialéctica do Conhecimento (Tese + Antítese)

- A relação do Conhecimento contém três elementos: dois termos: ser conhecido e a relação conhecida; e um outro terceiro elemento: Adequação, que é a união entre o sujeito e o objecto.

- No acto do conhecimento, os dois termos permanecem separados fisicamente, formando duas coisas reais, no conhecimento diferente.



7.3. Correlação no acto do conhecimento

O sujeito como sujeito que conhece, só é sujeito para o objecto, e o objecto só é determinado objecto em relação ao objecto (a relação entre os dois elementos, sujeito e objecto, é ao mesmo tempo uma correlação). O sujeito só é sujeito para o objecto e o objecto só é objecto para o sujeito, ambos são o que são enquanto o são para o outro – Alteridade (acto de relacionar-se com outros outros para conhecer uma coisa que está fora de si), aqui ocorre a Irreversivilidade, isto é, cada elemento tem a sua função, o Sujeito tem a função de conhecer e o Objecto tem a função de ser conhecido. Porém, quando o objecto tem a capacidade de conhecer, esse torna-se sujeito, e nesse caso as circunstâncias alteram-se. Por exp.: entre duas pessoas, ambas desempenhas as duas funções. O = S; S = O.



7.4. Conhecer como uma actividade não transformadora

Todo o acto de conhecer exige uma actividade da parte do sujeito, isto é, para haver acto de conhecimento exige, que o sujeito accione sobre o objecto.

No acto do conhecer, acontece nada no objecto, a acção começa e termina no sujeito, pois é ele que toma a consciência do acto. Por exp.; uma máquina fotográfica tira imagem sem fazer sofrer o objecto, nesse caso, a máquina fotográfica toma a imagem do objecto. Assim se realiza o acto do conhecer, o sujeito é quem sofre modificações e não o objecto. E quando conhecêssemos, há uma sensação de posse da coisa intencional, posse da imagem do objecto.



7.5. Funções do Sujeito e do Objecto

Funções do Sujeito:

O sujeito só capta as imagens do objecto, sem sair de fora de si, só quando se sai para fora de si é que se chega a conhecer, isto é, para conhecer deve-se ultrapassar a subjectividade, por isso, podemos dizer que conhecer é um acto transcendente. Por outro lado, o sujeito vai ser marcado pelo objecto, isto é, dá-se uma transferência para o sujeito da representação do objecto.



O sujeito não é totalmente passivo, porque ele é quem produz a imagem que fica gravada, produzir imagem, quer dizer dar significação ao objecto. O que é a ‘Imagem’?- é o produto adquirido na relação entre o Sujeito e o Objecto.





O sujeito altera-se. Há uma alteração da parte do sujeito, e se ele é enriquecido é porque tem a capacidade de aumentar a sua perfeição a medida que se relaciona com os outros. O sujeito é algo aberto ao objecto. Esta é a característica principal do homem. O sujeito sem a intervenção dos outros não se aperfeiçoa, de facto, para ser Eu, precisa que haja outros, é o outro que lhe dá a capacidade de ser Eu.









Funções do Objecto:

ab- jectum = significa: algo que está em frente de mim. Eu nunca posso dominar complemente o Objecto, isto é, nunca posso ter o complemente, porque é algo transcendente.



O objecto é algo determinante e sempre determinante do sujeito, porque fornece a sua marca dentro do sujeito, mas o objecto não se altera, isto é, acontece nada de novo.



O objecto é sempre independente do sujeito, enquanto coisa em si.



7.6. Possibilidade de Conhecimento



Crise da Filosofia grega:

O pensamento de Platão e Aristóteles, não encontrou, na Grécia, seguidores capazes de enfrentar, aprofundar e desenvolver. Após a morte deste último, surgiram ainda alguns ‘pensadores originais’ e sem dúvida, influentes na Filosofia futura, mas que não o grau de profundidade característico dos seus predecessores, além disso, restringe o domínio da sua reflexão ao campo da vida prática, aos problemas que dizem respeito ao bem-estar e a felicidade do homem. Este modo de pensar, que coloca por cima não possibilidade de a mente humana compreender e chegar às coisas na sua profundidade, reflectem de certo modo a crise política e social, que então se verifica na Grécia:



As cidades gregas perdem a independência, passando do domínio dos reis da Macedónia para os reis de Pérgamo; da Síria ou do Egipto até serem incluídas no Império Romano. A força aglutinadora de um patriotismo baseado na liberdade e no progresso da cidade, constante na mentalidade do homem grego, sofre duro golpe, o que favorece a eclosão das ideias que visam, sobretudo, questões relacionadas com a condição humana.



Compreende-se que o preocupante objectivo dos filósofos, consistia em ajudar o homem a viver em paz quando há guerra, a encontrar a felicidade no meio da desventura própria do tempo.



Afastando-se das teses metafísicas de Platão e Aristóteles, os pensadores desta época, valorizam o conhecimento sensível, conferindo unicamente realidade aos seres corporais.



Assiste-se simultaneamente a um desinteresse pela doutrina que tenda a unir o homem no ideal colectivo para se pensar de modo quase que egoísta no bem-estar pessoal. Cada um de forma individual trata de encontrar um meio de vida que lhe traga a felicidade desinteressando-se de tudo o resto.



É também patente a ausência de fé nos deuses até então aceites e respeitados, se a eles se referem, é para lhes dar a qualidade de serem superiores, identificando-os como seres materiais, ou quando muito para lhes considerar semelhantes ao homem.



b) Correntes filosóficas ligadas a questão do Conhecimento



ESTOICISMO (ligada à época conturbada): o seu primeiro representante é Zenão de Cício (336- 264 a.C.), o mais célebre membro desta escola, fora Diógenes, do qual se conta que vivia numa pipa (espécie duma panela), mendigava de pés descalços e vagueava sempre acompanhado de uma lanterna para, segundo dizia, tentar descobrir um Homem, verdadeiramente digno deste nome (Homem - Homem), isto é, um honesto da sua própria palavra. Os seguidores desta corrente foram: Séneca, Epitecto e Marco Aurélio.

Doutrina: os estóicos adoptam como doutrina uma concepção física que mais do que uma explicação do Cosmos, servirá de pressupostos para a sua ética. Sustentam que: o Mundo é semelhante a um imenso ser vivo, cujos órgãos são os diferentes seres. Deus é a alma deste enorme ser vivo, e é concebido sob a forma de fogo. Deus é a razão imanente ao universo que é animado e condicionado pela presença divina. Como o homem não passa de um mero órgão do ser vivo, que é o mundo, tem de se submeter a um destino fatal e necessário. Ainda pode-se constatar um panteísmo estóico, pois que a natureza se confunde com a própria divindade, leva o homem a orientar-se na convicção de que tudo quanto acontece é inevitável.

Felicidade: para os estóicos, ser feliz é querer exactamente aquilo que existe e acontece, ou seja, desejar somente àquilo que se não pode fugir. É saber aceitar com indiferença e imparcialidade, é manter a serenidade nas mais duras provas que o destino reserva ao homem. Marco Aurélio, diz que: «Com tudo o que acontece, submete-te de bom grado por muito duro que isso te pareça, como uma coisa que tem como resultado o bem-estar do mundo».

Moral: os seguidores desta corrente consideravam o seguinte: o supremo bem da Moral, consiste em viver em conformidade ‘com tudo o que acontece’, isto é, viver de acordo com as leis inexoráveis da Natureza. O que provém da natureza não depende do homem e por ele não pode ser alterado ou contrariado. No entanto, existe um domínio, em que o ser humano pode exercer livremente a sua vontade, é o domínio do Espírito e da sua intimidade – o ser humano é livre de se deixar perturbar ou não por tudo quanto lhe cerca, a virtude é a rectidão no querer o bem que se atinge com um grande esforço de auto- domínio face a adversidade e ao sofrimento.

O ideal do sábio estóico é o “Sofre e abstém-te”; segundo Epitecto, que permite alcançara indiferença purificadora, a verdadeira paz interior, a apatia libertadora e a imperturbabilidade absoluta.



EPICURISMO (ligada à época conturbada): o seu fundador foi Epicuro, nascido em Samos no século IV a.C., filho de um mestre em gramática e de uma mágica adivinhadora. Conhecedor da maior parte dos filósofos anteriores, interessa-se especialmente pelo pensamento e sistema de Demócrito, que o inspira na constituição da sua teoria física. De entre os seus discípulos, salienta-se: Lucrécio, contemporâneo de Cícero.

Doutrina: o epicurismo não foge a tendência dominante da filosofia da época, que apontava o homem como o modo de vida capaz de libertar da vida e encaminhar no difícil percurso em busca da felicidade plena.



Felicidade: como conseguí-la?: para os epicuristas, o bem supremo identifica-se com o prazer. «Eu não percebo em que pode consistir a felicidade, eu não compreendo o verdadeiro bem, se separa os prazeres que o gosto produz; se separar os que o canto produz ao ouvido; se separar as impressões agradáveis que a beleza das formas produz à vista, se esquecer todas as sensações que nos vêm pelos órgãos do corpo. Não se pode dizer que os prazeres da a sejam os únicos bens desejados, porque sempre vi a alma feliz, na perspectiva das coisas que acabo de enunciar e na esperança de os fruir sem dor. Sempre que perguntei aos sábios, o que lhes ficaria dos bens se os prazeres dos sentidos fossem eliminados, nunca obtive da sua parte, senão vãs palavras».

–Epicuro (Tusculanos).



Parece poder-se concluir-se que as palavras de Epicuro, assentam que para ser feliz é necessário experimentar o prazer (satisfação de tendências) e que este só pode ser proporcionado pelos órgãos do corpo. Todavia é sabido que quando fruídos em excesso os prazeres sensíveis, são fonte de desgosto, doença e sofrimento, enfim, originam o desprazer.



Como ultrapassar esta contradição? – Epicuro, destingue dois tipos de prazeres:

O prazer em movimento (experimenta-se no acto da satisfação de uma necessidade resultante de um desequilíbrio orgânico. Neste caso: beber quando se tem sede ou comer quando se tem fome são fontes de prazer.) o prazer em repouso (consiste no estado em que se vive quando não há nenhuma necessidade a satisfazer, isto é, quando o organismo está em desequilíbrio. É só neste prazer que se constitui o verdadeiro bem na medida em que só ele é duradoiro, estável e permite a ausência total da dor).



O ideal epicurista: consiste em fugir dos prazeres violentos e tumultuosos e procurar prazeres mais subtis e espirituais. Um pouco de pão para comer, um pouco de água para beber, um pouco de palha para dormir e um pouco de amizade deve bastar. O sábio epicurista torna-se assim um homem sereno que usa de moderação nos seus actos. Assim cultivando a prudência, a justiça, a temperança e a amizade, atingirá a Ataraxia, ou seja, o estado purificado, imbuído de paz absoluta e equilíbrio perfeito. O homem que se encaminha por esta via não tem pois que recear a vida.



A alma: para os epicuristas, ela é de natureza material, pelo que morre com o corpo. Há que aproveitar esta vida, já que a morte não acarreta consigo a ideia preocupante do destino da alma. Eles defendem o seu ponto de vista, quanto a alma, argumentando que, enquanto vivemos, a morte está ausente e quando a morte chega já nós cá não estamos. Assim, o homem e a morte nunca se encontram. O epicurista não encontra na religião , a paz e a tranquilidade de que o homem carece, só a ciência é capaz de dissipar-lhe a angústia e de o libertar da inquietação, se esta fornecer explicações de tudo o que acontece no mundo. Não são factores sobrenaturais, mas causas da natureza material que ocasionam os fenómenos. Assim, a peste não se deve a um castigo divino mas a acção dos vermes que espalhados na atmosfera são capazes de destruir o corpo humano. Como o importante é a tranquilidade do homem há que convencê-lo sobre a origem dos fenómenos sempre alheios à intencionalidade divina. Daí que Epicuro, apresenta muitas várias explicações do mesmo fenómeno. Eles negam a existência de um Deus criador e controlador dos destinos do mundo.



CEPTICISMO/PIRRONISMO: (ligado directamente ao problema do Conhecimento), entre os cépticos que mais se destacaram contra o dogmatismo estóico e epicurista caracterizado pela crença absoluta pelo valor da Ciência, encontra-se: Pirro (365- 275 a.C.)- pai do Cepticismo universal ou radical.

Tese principal: consiste na defesa da impossibilidade de atingir uma certeza infalivelmente verdadeira. Segundo os pirrónicos, contentemente se encontram no dia- a- dia situações cuja consequência obrigatória é a Dúvida. E Diógenes de Laécio, cita alguns motivos que na opinião dos pirrónicos, os impele à duvidar:

a)Diz respeito: aos diferentes modos como os seres vivos consideram a dor, o bem e o mal.

b) Diz respeito: as formas de natureza humana e a adversidade de temperamentos. Um encontra o seu prazer na medicina, outro na agricultura, um outro terceiro no comércio. O que aborrece a uns serve aos outros, assim, é preciso duvidar.

c) Diz respeito às diferenças de sensações. A maçã é amarela para a vista, doce para o gosto, mas com um perfume muito vivo para o olfacto. A mesma coisa é vista de forma diferente segundo o espelho em que é olhada, resulta daí que ela não tem mais uma forma do que a outra.

d) Diz respeito à perpétua mudança das afeições de que são exemplos: a Saúde- a Doença; a Alegria- a Tristeza; a Juventude- a Velhice; a Coragem- o Medo: as coisas parecem-nos diferentes consoante a disposição em que estamos e no momento em que as percebemos.

Diz respeito às instituições, às leis, fábulas, tratados e dogmas. Porque o que parece justo para uns, é injusto para outros, nem todos os povos crêem nos mesmos deuses, uns acreditam na providência, outros não. Assim, á preciso duvidara até da própria verdade.



Para os cépticos, as sensações ou ideias não são verdadeiras e nem falsas, pelo que é impossível chegara verdade. Qual é a atitude a tomar? – não há outra alternativa senão suspender o juízo, isto é, abster-se de fazer qualquer afirmação acerca da realidade. Os juízos temerários e definitivos, sobre a bondade ou a maldade das coisas, a coragem ou a cobardia, são as fontes dos problemas do homem, pelo que, só uma passividade tranquila, uma indiferença voluntária e sistemática proporcionarão a paz do espírito que o homem anseia.



O ideal do sábio céptico: é atingir a ataraxia (paz de espírito) , resultante da suspensão total de qualquer juízo. Abster-se de julgar, para não mentir sobre uma realidade. Mas o cepticismo auto- destrói, porque segundo eles porque segundo eles nada se pode negar e nem aceitar, apenas duvidar. Agora, porquê não duvidar da Filosofia Céptica?



DOGMATISMO: [Doutrina geral]- Dogma, do grego “Dekein”() = Ensinar, Ter opinião. O Dogma, é uma atitude filosófica que aceita que o entendimento humano pode chegar a verdade com toda a certeza.

[Sentido Pejorativo]- Dogma é ter opiniões sem as fundamentar ou ter opiniões apoiando-se na autoridade de alguém. Para os dogmáticos, as coisas não se discutem, não há autocracia das ideias. O dogmático aceita que os objectos não são dados directamente, sem ser preciso reflectir, portanto, passa por cima dos objectos e não analisa as dificuldades do sujeito.



[Dogma hoje]- Ingenuidade do Conhecimento (trata-se da forma de viver simples com as coisas, sem se preocupar por aprofundá-las); Confiança na Razão (é quando se acredita que a razão pode chegar ao conhecimento); Pejorativo (é a submissão a determinados princípios sem um exame crítico das afirmações).



[Argumentos]- a humanidade em geral acredita que o conhecimento é possível, por outro lado dizem que o homem nunca desanimou de procurar a verdade. Ora se assim faltasse, seria absurda, se a razão humana não tivesse os meios para alcançar a verdade; pois que a verdade segura o homem em sua vida.



[Modalidades]- a) Dogmatismo por defeito: o realismo ingénuo é a total falta de dúvida, aceitam-se as aparências. Esta atitude pode depois tornar-se num acriticismo ou seja, a pessoa que não aceita a crítica e nem se submete a criticar, paralelo a isto encontramos o autoritarismo. B) Dogmatismo por excesso: é a atitude exagerada, mas confiada na função da razão, da mente. Descartes, aceita que a partir da dúvida metódica existe capacidade para chegar à verdade. Balmes, afirma que existem princípios fundamentais que não podem ser discutidos e que servem de fundamento para alcançar a verdade (exp.: consciência). Tongiori e Palmieri, desenvolveram a teoria e afirmaram três verdades fundamentais indiscutíveis:

- Um primeiro Princípio(Princípio de não Contradição: pois que sem aceitar este princípio, não é possível conhecer.

- Um primeiro Acto (Existência do ‘Eu’).

- Uma primeira Condição: aceitar que a razão tem a capacidade de conhecer a verdade.



[Apreciação crítica]- o principal ou vantagem do dogmatismo foi de fazer suscitar o espírito crítico (Criticismo), fez com que se fizesse uma análise profunda das coisas. Como é o caso da “Exagese” = leitura crítica de qualquer livro, para tirar a análise profunda do autor. E do “Criticismo de Kant” = é uma análise profunda da razão, não se deve aceitar uma coisa sem uma análise crítica profunda da tal coisa.



7.7. Criticismo Kantiano



Dentro da Teoria do Conhecimento, Kant começa por criticar as teorias filosóficas mais importantes da Idade Moderna (Racionalismo e Empirismo), segundo ele, com uma destas teorias pode-se negligenciar uma parte da estrutura do pensamento humano, valorizando apenas a sensibilidade e a racionalidade. Assim, Kant, ultrapassa criticamente as duas teorias fazendo uma viragem na Teoria do Conhecimento, designando por revolução copérnica (fazendo memória a Copérico que estabeleceu a hipótese heliocêntrica contrapondo-se ao geocentrismo). Porque nesta altura, o conhecimento era explicado como sendo o Sujeito quem devia ‘buscar’ o Objecto, isto é, o conhecimento consistia na apreensão do Objecto pela iniciativa do Sujeito cognoscente; o que não foi muito plausível pois não explicava a existência de seres não cognoscíveis pela mente humana. – e contra isso aparece Immanuel Kant com a sua revolução copérnica. No conhecimento os objectos adaptam-se à natureza do intelecto humano, pois não é possível conhecer os seres que não se adaptam à natureza do intelecto humano.





8. A FILOSOFIA POLÍTICA

[ Convivência Política entre os Homens ]



O termo Política, na sua origem etimológica, vem do grego “Polis” (), que quer dizer Cidade. Na antiga- Grécia, este termo traduzia-se por República, para designar: a organização, o regime, a constituição de uma cidade soberana, de uma comunidade ou Estado com individualidades e autonomia própria.



Política, pode também significar:

Conjunto das acções levadas a cabo por indivíduos, grupos ou governantes com vista a resolver os problemas com que se depara uma colectividade humana. São práticas ligadas ao bem- comum, à ordem pública, à justiça, à harmonia e ao equilíbrio social.

O governo dos homens e a administração das coisas, e em particular, a organização e direcção do Estado.

Um esforço por organizar a vida dos cidadãos de modo a criar um certo ritmo e harmonia.



O problema político relativo à origem do Estado, a sua organização, a sua forma, a sua função e o seu fim específico, a sua natureza de acção política e suas relações com a acção normal, a relação entre Estado- Indivíduos, entre Estado- Igreja e Estado- Partidos, são temas fortes na Filosofia Política. A questão fundamental da Filosofia Política é o da forma de organização social, ela analisa, por um lado, as comunidades e as instituições, mas ocupa-se por outro da fundamentação das orientações do estado e da Sociedade, buscando novos modelos da ordem social.

Mais do que um panorama histórico de outras doutrinas políticas, mais do que um estudo sociológico de diferentes regimes, interessa deixar aqui os aspectos supramencionados:



i)Política como Arte: a Política é um fazer e é, sobretudo, um agir. Dispondo os meios em relação aos fins e pensando os fins em relação aos meios, a Política revela-se como Arte, daquilo que aqui e agora é possível realizar. A decisão política, mesmo depois de muitos estudos elaborados, envolve sempre um coeficiente de indeterminação que não é possível eliminar e subestimar. É então que a dimensão arte deve intervir. A Arte, a Política revela da intuição criadora, do juízo teórico-prático, da percepção das mediações necessárias entre aquele que governa e a comunidade que é governada, entre os diferentes corpos que constituem o universo social e estatal e as aspirações que polarizam a vida dos homens.



ii) Política como Ciência: A Política encontra-se neste aspecto, ligado à história, economia, geologia, geografia, etc., e a psicologia individual e social. Incube-lhe estabelecer por via indutiva e ou dedutiva, as leis que presidem a orientação dos organismos sociais mais amplos. A política pode e deve ser tomada como disciplinas das disciplinas, o seu ‘objecto material’ é exactamente vasto e móvel. O se ‘objecto formal’ é que, no entanto, especifica como Ciência. Consiste ele não apenas no método de abordagem, mas no ponto de focagem do corpo larguíssimo de relações entre o governante e os governados, as partes e o todo.



iii)Política como Ideologia: a Política tem habitualmente necessidade de recorrer a uma ideologia, independentemente de visar em determinado regime ou ao procurar manter-se no regime instaurado. Liberal ou totalitário, clássico ou igualitarista, a ideologia procura naturalmente exaltar as próprias virtudes e ocultar os próprios defeitos. Religiosa ou secular, a ideologia revela a necessidade que assiste ao homem, ‘animal político’, de acreditar nalguma coisa para realizar alguma coisa.



Política como Filosofia: a Filosofia- Política, intenta responder a duas questões fundamentais: 1ª Existirá um domínio político próprio, independente, por lado do direito público, e por outro, quer da moral quer da economia? - 2ª Se existe, em que consiste?

A primeira pergunta tende a responder-se pela afirmativa, a esfera móvel do político manifesta a sua autonomia em tantas maneiras que antes se diria uma esfera englobante de outras do que uma realidade delas separada. A segunda pergunta, a resposta é menos jeitosa ou menos bem-feita, ela vê-se entre os diversos pressupostos de mando e de obediência, do privado e do público, do amigo e do inimigo (= dialéctica), sendo então a Política a autoridade social cujo objectivo consiste em garantir pela força, geralmente fundada no direito, a segurança externa e a concordância interna de uma unidade política particular.

v) O devir Político: os pensadores da antiguidade Clássica (Platão, Aristóteles, Zenão e Políbio), sobretudo movendo-se na categoria geral do eterno retorno idêntico e ante os dados que a própria existência histórica lhes oferecia, foram conduzidos a erguer três formas de governo dos Estados, acrescidas de outras tantas formas degradadas que permanentemente se sucedem e repetem: Monarquia que quando se deteora é Tirania; Aristocracia que se degenera em Oligarquia e a Democracia que se afunda em Demagogia. Há na perspectiva destes pensadores clássicos não pouco de verdadeiro.



vi) Haverá um regime político óptimo? Existe a tendência para crer que sim, sendo mais geralmente a resposta de que esse governo é o da própria paixão ou da própria simpatia. Para uns o melhor governo será aquele que encarne um valor tido por supremo: o de Ordem, o da Liberdade, a da Justiça, o da Igualdade, etc. Para outros, o melhor governo será o misto. Assim, segundo Aristóteles, a constituição ideal será a que consegue reunir o tríplice princípio: Monárquico, Aristocrático e Democrático. Segundo Políbio, o regime da República Romana é o melhor pelo facto de sintetizar a sua orgânica, a força democrática na Assembleia Popular. Segundo Teilhard, nos nossos dias o melhor regime será aquele que conseguir encarnar o princípio do indivíduo formulado pelo Liberalismo, o princípio das massas formulado pelo Comunismo e o princípio das elites formulado pelo Fascismo. Porém, cabe a cada filósofo que o óptimo regime político é aquele que, buscando servir “o homem todo e todo o homem” , melhor se adapte, aqui e agora, às realidades de um povo ou de uma comunidade.



vii) Existirá distinção entre Política interna e externa, nacional e internacional? – Essa pergunta tornou-se mais aguda com a disputa recente, surgida na América, entre “Condutistas” (partidários de métodos científicos nas análises das relações entre Povo- Estado) e “Tradicionalistas” (que declaram incompatíveis, por identidade de processos, os dois campos de estudo). Na realidade, quando se tem presente a obra de K. Knorr e J. Rosenau – Contending Approaches to Intenational Politics (1969), excelente panorama crítico das teorias dos anos 60, a separação radical entre eles heterogeneidade total- qualitativa e quantitativa - nem homogeneidade sem distinção. Trata-se antes de um espaço em que as categorias de identidade e diferença, de género e de espécie, são perfeitamente aplicáveis.





8.1. Relação entre “Política” e Filosofia



A característica fundamental do homem é de ser social; daí que as decisões políticas devem ser já por si objecto de um juízo do tipo filosófico. A Filosofia vem iluminar os conceitos inerentes à Política, a saber: Justiça, Bem- comum, Estado, Tolerância, Sociedade, bem como a própria definição de Política.

A Filosofia questiona o grau de liberdade consentâneo com a coesão social, o equilíbrio na divisão dos poderes. A Filosofia deve problematizar a dimensão política nestes sentidos, daí que cabe a Filosofia denunciar a absolutização da Política e a redução deste modo, a sua natureza precária.

A Filosofia desempenha um papel social importante, e justifica o seu cuidado e preocupação pela existência humana concreta, se advertir os homens quanto ao uso da Política para fins pouco claros. Mas a relação Política – Filosofia é por um lado positiva e por outro polémica, ou seja, os filósofos chamam para si o patrono da racionalidade. É a partir daí que Platão declara, na República, que a condição para a racionalidade política consiste no rei tornar-se filósofo ou vice-versa. Levy, por sua vez clama que «o filósofo fala e por isso mesmo perturba a ordem do mundo, incluindo o próprio mundo político», (...) «Quem quiser saber onde nos encaminhamos deverá prestar atenção não aos políticos mas aos filósofos: aquilo que os filósofos anunciam hoje será a crença do amanhã». Assim, se pronuncia por sua vez Bochesnski para superpontuar a superioridade da Filosofia sobre a Política.



8.2. A Filosofia Política na Antiguidade Clássica - (Platão e Aristóteles)



1) A Política de Platão: inimigo da Democracia foi Platão, o maior dos discípulos de Sócrates. Na sua obra, “República”, apresenta um Estado ideal desenvolvido a partir da Constituição Militarista de Esparta. Ele divide o Estado em três classes: Governantes, Exército e Povo (Trabalhadores).

a) O Povo: formado por artesãos, agricultores, comerciantes, profissionais liberais escravos. Não lhes merece o menor respeito. Totalmente excluídos do governo, e devem curvar-se às leis que lhes são impostas. Não lhes cabe buscar consolo na religião dos antepassados, criada pelo Estado, a Religião aparece como poderoso instrumento de domínio bem como a literatura e as artes. Embora duramente reprimido, compete ao Povo suprir o Estado da produção pastoril, agrícola e industrial.



b) O Exército: aos incorporados no Exército são negados qualquer direitos privados. Não podem ser proprietários, não podem constituir família e o Estado controla as horas de lazer. A união sexual tem como finalidade única a procriação, sendo os casais e as datas das conjunções determinadas pelo Estado por critérios políticos e de Eugenia. A educação começa desde a infância, e é em todas as etapas controlada pelo Estado, para os interesses deste e não do indivíduo. Também o Exército permanece excluído do governo, velar pela segurança interna e externa é a sua única função. A admissão da mulher no Exército e na Educação que poderia ser considerada um progresso, visa, contudo, aos exclusivos interesses do Estado.



c) Os Governantes: esta classe é constituída pelos filósofos, recrutados entre os militares depois dos 50 anos. Os únicos detentores da verdade, compete-lhes legislar completamente ao Estado sem vigilância das outras classes. Já que os conteúdos metafísicos aos quais devem adequar às leis lhes são minuciosamente prescritos, que não lhes cabe o nome de filósofos, a eles é atribuído.



Platão localiza na psique três secções correspondentes à divisão do estado: a Razão (cabe a ela descobrir as leis que regem o homem); a Vontade (cabe à ela executar estas leis) e as Paixões (são esperadas que as cumpram). Salienta que a Vontade regida pelas Paixões leva à desmandos semelhantes aos que ocorrem no Estado governado pelo Povo.



2) A Política de Aristóteles: este filósofo e a sua Política foi provavelmente a mente filosófica mais universal entre os gregos e ainda mais, ‘Mestre daqueles que sabem’. O seu pensamento político é muito vasto. Na perspectiva aristotélica, a origem do estado é natural e não convencional. Os homens unem-se para formar a Sociedade, não em virtude de um pacto, mas instintivamente porque doutro modo não poderiam satisfazer a todas as suas necessidades. « É evidente que o Estado é uma criação da natureza e o homem é por natureza um ‘animal político’. Se alguém por natureza e não acidentalmente vive fora do Estado, é superior ou inferior ao homem ( ...) quem não é capaz de viver em sociedade ou não precisa dela por ser auto-suficiente, ou deve ser um animal ou um Deus»- Aristóteles.

O Estado surge não apenas para tornar possível a vida do homem, mas também para ele poder viver feliz. Pois o escopo da vida humana é a felicidade e o escopo do Estado é facilitar a consecução da Felicidade, porque só o estado torna possível e completa a realização de todas as capacidades humanas. Para Aristóteles, a “Polis” (Cidade) é a constituição, e esta por sua vez cria o estado de tal forma que a mudança d Constituição implica a mudança do tipo de Estado.

Aristóteles, define três formas de Constituições Justas (= aquelas que servem ao bem comum e não só ao bem dos governantes): Monarquia (governo de um só que cuida do bem de todos); Aristocracia (governos dos virtuosos que cuidam do bem de todos sem atribuir-se nenhum privilégio) e República (governo popular que cuida o bem de toda a ‘Polis’).

Ele define também três formas Constituições Injustas (= aquelas que servem ao bem dos governantes e não ao bem comum): Tirania (governo de um só que procura o interesse próprio); Oligarquia (governo dos ricos que procuram o bem económico pessoal) e Democracia (governo em que o comando está a cargo da massa popular que quer suprimir todas as diferenças sociais em nome da igualdade).






A Democracia, segundo Aristóteles, é uma demagogia cujo principal erro consiste em considerar que como todos são iguais na liberdade, todos também podem e devem ser iguais em tudo o resto.

A Monarquia e a Aristocracia são aparentemente as melhores formas de governo, mas na realidade considera que como os homens são o que são, a melhor forma de governo seria a Politia (República) por reger-se de uma Constituição que valoriza o seguimento médio, a Politia é um meio caminho entre a Oligarquia e a Democracia, ou seja, uma demagogia “temperada” pela Oligarquia; nela os méritos são maiores que os defeitos.

O fim do Estado é a Moral, por esta razão deve visar o incremento do Bem da Alma e da Virtude. E a Felicidade resulta de boas- acções; e nenhuma boa- acção, nem de um indivíduo e nem de toda a cidade, pode realizar-se sem a Virtude e o Bom Senso.

O ideal supremo do Estado é a auto- determinação, ou seja, viver em paz e fazer coisas belas. Assim, o Estado tem como finalidade a produção de homens de mentalidade aristocrática e com amor aos estudos e às artes. De qualquer modo, a sociedade e o Estado existem para garantir a Felicidade e a Virtude dos cidadãos.









8.3. A Filosofia Política na Idade Média -(S. Agostinho)



A doutrina de S. Agostinho (354- 430) tem muitas vezes influência platónicas da juventude , quase nunca é Política. Mas, a sua obra Dei Civitate (Cidade de Deus),datada dos anos 413- 427, ultrapassa com uma certa celeridade o estilo de um escrito polémico, para tornar-se numa reflexão sobre a história da cidade. Esta obra serviu de base para uma doutrina política que organizará a absorção do direito do estado pelo da Igreja.

A teologia política de S. Agostinho assenta na distinção de duas cidades que partilham entre si a humanidade: «Dois amores construíram duas cidades: o amor próprio, que conduz ao desprezo de Deus, fez a cidade terrena; o amor de Deusa, que leva ao desprezo de nós mesmos, ergueu a cidade celeste» - (Dei Civitate XIV,28), mas esta ideia aqui expressa não própria do S, Agostinho, já havia sido pronunciada por S. Paulo e por Orígenes, mas foi S. Agostinho quem deu-lhe a forma de valor explicativo. Essas duas cidades sempre existiram desde as Origens e sempre permanecerão lado a lado até aos fins dos tempos, uma de Caim (terra com seus poderes políticos, sua moral, sua história e suas exigências) e outra de Abel (simboliza os cristãos participantes do ideal divino).



Por outro lado, o Santo em causa, observa a cidade terrena na qualidade de Sociedade Civil, definindo-a como Cícero: o povo é uma multidão reunida pela aceitação do mesmo direito e a mesma comunidade de interesses, fornecendo um estatuto natural do povo e do Estado, mas relacionado com Deus. Segundo o conteúdo que atribui ao termo “direito”, ele não encontra na terra um Estado autêntico, pois a verdadeira justiça é a divina. Daí que não existe nenhuma cidade terrena perfeita, dado que a que eventualmente correspondesse à tal definição pediria todos os caracteres da cidade de Deus. Porque todo o poder provem de Deus, portanto, o homem não tem autoridade sobre o homem por direito da natureza. E uma vez que Deus é o autor e o regulador de tudo e todos, a história dos impérios e dos regimes deve obedecer ao plano geral da providência.



O acto político, segundo S. Agostinho, é delimitado a partir de dois raciocínios diferentes provenientes do íntimo do homem, a saber: 1º Deus legitima o poder em si mesmo sem garantir o exercício concreto do poder; 2º A economia geral da providência explica cada acto concreto da política, mas sem por isso conferir, a cada um em particular, o carácter de actos moralmente cristãos.



S. Agostinho refuta a relação entre a Igreja (que se preocupa com o mundo espiritual) e o Império (que se preocupa com o mundo material), ele está animado de um indiscutível patriotismo. Ele encontra uma dicotomia entre a Lei natural e a Lei positiva. A Lei Natural reside no coração de cada homem, pois é a lei de Deus; a Lei positiva que é a promulgação exterior da lei interna da alma, daí que o direito positivo deveria ser o desenvolvimento da Lei natural.



8.4. A Filosofia Política na Idade Moderna



Não há um facto histórico tão significativo e que marque taxativamente a Idade Moderna, consequência da Idade Média, Mas sabe-se que tem o seu início entre os séculos XV- XVI, neste período, a atenção dos governantes não está mais voltada ao papa ou à Igreja, mas sim directamente aos seus súbditos para o interesse próprio, surgindo, deste modo, as Senhorias e as Repúblicas. E a Filosofia Moderna abrange o período que vai do início do séc. XVI até aos fins do séc. XVIII, que , para além de abordar os problemas como o da Natureza (Cosmologia), o de Deus (Teodiceia), o do Conhecimento (Gnosiologia), o da Alma (Psicologia), o da Liberdade e da Lei (Moral) e o do Ser (Metafísica), aborda também problemas relativos à Política, Ciência e Pedagogia. Os filósofos políticos mais célebres desta época foram: Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, Baruc Spinoisa, John Locke, Jean- Jacques Rousseau, Charles de Montesquieu e Immanuel Kant.



A principal característica do pensamento neste período foi: O primado da razão humana (a racionalidade tornou-se, com a queda da Dei Civitate, a característica da Filosofia e das perspectivas filosóficas); O progressivo desinteresse pela Metafísica (os problemas ligados ao Ser (Metafísica) dão lugar aos problemas ligados à Política, à Ética e ao Conhecimento (Gnosiologia), destacando-se as formas de convivência humana e a sua liberdade); O pluralismo das perspectivas filosóficas (já não há barreiras do absoluto, desenvolvendo-se, assim, os seus pensamentos de uma maneira mais diversificada).



Nicolau Maquiavel (1469- 1527)- Governar como Arte.

Com as suas obras,(O Príncipe- 1513; Discursos sobre a Primeira década de Titus Livius- 1519), ele torna-se uma figura incontestável da Filosofia Política desta época. Pois ele não descreve um Estado ideal e nem a apresentar o governante como um bondoso administrador da república, mas sim descreve o resultado da experiência das coisas modernas e da contínua lição aprendida nas coisas antigas. Partindo duma perspectiva pessimista das coisas e da natureza humana, propõe um Estado fundado na força, aconselha aos governantes a partirem do pressuposto de que todos os homens são maus e réus, e deste modo, estes governantes devem empregar todos os meios para alcançar o fim de conservar a própria vida e o Estado; pois é o fim o que conta, daí que a força vale mais do que o amor. Na óptica de Maquiavel o governante não deve esquecer da sua reputação, procurando aparentar que age com a melhor das intenções, como se fosse um ‘lobo em pele de ovelha’. Mas deve haver uma forma mista de governo (Príncipe, os Grandes e o Povo) auto- regulando-se através do pacto constitucional, mas sempre governando-se com um certo nível de Arte, porque é exigido.



Thomas Hobbes (1588- 1679)- Estado Natural e Estado Político- Social.

Na sua obra filosófica, (Leviathan- 1651), fazem-se sentir dois caracteres típicos seus (Empirismo e a Política), Hobbes destingue dois Estados da Humanidade: o Natural e o Político Social. No Estado Natural, o homem goza de liberdade total, com todos os direitos e nenhum dever, procurando cada um satisfazer os instintos pessoais, sem considerar ao outro (egoísmo), o que gera uma ‘guerra de todos contra todos’ (bellum omia contra omnis), onde um comporta-se para o outro como um lobo (homo homini lupus est), neste meio não existe a felicidade devido ao clima conturbado aí implantado. Só haverá tranquilidade quando a razão impor limites à liberdade, fazendo o ‘Contrato Social’, no qual há renúncia de alguns direitos colocando-os nas mãos de um homem- o soberano- nascendo deste momo o Estado Político- Social.



John Locke (1632- 1704)- do Estado Natural ao Contrato Social

Em Dois tratados sobre o Governo, Locke expressa a sua doutrina política, distinguindo o Estado Natural do social. Em que o Estado Natural não é aquele em que cada um tem direitos ilimitados sobre tudo, mas sim como um Estado que tem a lei da natureza e que obriga a todos; e, “a razão que é esta lei, ensina a humanidade, quando esta a consulta, que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve causar dano a outrem em sua vida, em sua saúde, em sua liberdade e em sua propriedade. Neste contexto, o direito do homem (à liberdade, à vida, de punir o ofensor, e à propriedade) é limitado à própria pessoa. E não é conveniente que cada pessoa repare por si próprio as ofensas que lhe são cometidas, então que os homens decidam de acordo comum confiar à sua comunidade o poder de estabelecer leis que regulem a punição das ofensas e o uso da força contra as transgressões desta lei, formando-se deste o modo o Estado, através do contrato social que significa a delegação da sua defesa à autoridade, que pode ser boa, se tem em vista o bem de todos e tirânica se for egoísta. O único direito que o cidadão delega ao Estado, é o da defesa dos seus direitos.



Jean- Jacques Rousseau (1712- 1778)- O Contrato Social

Na sua clássica obra Contrato Social, apresenta suas ideias sobre a origem e a constituição do Estado. Na qual afirma que o primeiro estado da humanidade é o da Inocência, onde não há qualquer tipo de abusos. Mas os homens saíram deste Estado, sob o impulso do desejo, da necessidade e do temor, efectuando-se a corrupção dos valores primitivos; e o próprio homem só voltará a ter um Estado mais ou menos parecido a esse caso organize um Estado segundo a natureza, onde a humanidade é dotada de moral, trabalho e educação. A base desta reforma seria o Estado Social, no qual o indivíduo livre se submete a uma disciplina, visando um bem maior para todos e para si mesmo. Feito o tal contrato social, o indivíduo não será apenas um homem, mas sim um cidadão, renunciando os direitos pessoais em favor da comunidade, guiado por uma lei não estranha, mas sim constituída pelo próprio indivíduo, sendo legislador e súbdito ao mesmo tempo. Os governantes não gozam de nenhuma autoridade definitiva sobre o indivíduo, ele permanece o único verdadeiro soberano. O indivíduo só renuncia parte dos seus direitos, daí o facto de o governante poder ser destituído caso não siga a vontade do povo.



Charles de Montesquieu (1689- 1755)- A Separação dos Poderes.

Em Espírito da Leis, datado de 1748, este pensador político, procura descobrir as leis naturais da vida social, determinando os diferentes tipos de associações políticas. Para Montesquieu existem como tipos fundamentais do Estado, a Democracia, a Monarquia e o Absolutismo (= Despotismo), com as leis constitutivas de cada um nos diferentes sectores da vida social. Com o desenvolvimento da sua Teoria de Separação dos Poderes, advoga a separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial. Esta separação tem como fim, o estabelecimento de condições institucionais de liberdade política através de uma equilibrada divisão de funções entre os órgãos do Estado (Governo: poder executivo; Parlamento: poder legislativo; Tribunais: poder judicial.), impedindo que um destes órgãos actuem despoticamente (= absolutamente).

Para fazer um relação entre Igreja- Estado, deve haver necessidade de tolerância. Deus é o princípio supremo, segundo crê Montesquieu, fonte de todas as leis do mundo natural e humano.







8.5. A Filosofia Política na Idade Contemporânea



Com o Iluminismo, começa-se a gerir a Filosofia Política contemporânea, sob o alicerce das revoluções americana e francesa. A Filosofia Política é, neste período, uma forte e estratégica arma para a abolição do absolutismo real, para a proclamação dos Direitos Humanos, para o início do parlamentarismo, para o aparecimento dos partidos políticos, para o aparecimento das Constituições escritas e para a adopção da República como fórum político.



A Revolução Americana: é o primeiro momento do condicionalismo liberal de grande vulto. As primeiras ideias desta revolução surgiram com os europeus que foram radicar-se na América do Norte e que estavam bastante influenciados pelas ideias de Locke e de Hobbes, pelas suas teorias sobre o Estado de natureza e da origem do estado contratual. A situação encontrada fazia acreditar como verdadeira a teoria que advoga que o homem começava por viver num Estado da natureza, mas pelas deficiências da vida colectiva, era racionalmente necessário fazer um acordo para que se institua um poder político.



A defesa da independência e da República: O americano Thomas Paine, com a sua obra Senso Comum- de 1776, atiçou a tudo quanto se dizia até então. Ele promulgou a necessidade da independ6encia e a necessidade da República, o que punha em causa a ligação com a metrópole e a fidelidade ao princípio monárquico. Com Paine, consolida-se a questão dos Direitos Humanos, como sendo direitos naturais, e que o Estado só tem que os reconhecer, sem os poder tirar, porque não foi ele a aprová-los e nem a conferi-los. A soberania pertence ao povo, pois ela é popular, o governo é apenas um agente de confiança do povo, daí que a Monarquia não seja um governo legítimo, uma vez que o poder pertence ao rei e não ao povo. Somente, é a República que é um legítimo governo.



A preparação de um novo modelo constitucional: as constituições dos treze Estados independentes foram por muito tempo criticadas pela Europa, principalmente pela França, onde existia uma Monarquia absoluta. Mas John Adams na sua obra Defesa das Constituições dos EUA, faz a justificação destas constituições e do sistema político americano e defende a ideia da existência de um parlamento constituído por duas câmaras. Defendendo que em todos os países haveria a distinção entre os pobres e os ricos; e se um país fosse governado só pelos ricos ou pelos pobres, facilmente cairia na tirania: só seria bom o governo se tanto os ricos quanto os pobres se pudessem exprimir institucionalmente no parlamento, para tal era necessário era necessário que o parlamento tivesse duas câmaras: a dos representantes do Povo (dos Pobres)e a dos ricos ou da aristocracia, chamando-as por Câmara dos Representantes e Senado, respectivamente.

A Constituição Americana trouxe inúmeras mudanças no sistema político mundial, e pode ser considerada como fonte autónoma de importantes ideias políticas, a saber: foi a primeira constituição republicana da Idade Moderna; foi a primeira constituição escrita; foi a primeira vez que a constituição instituiu um sistema de garantia judicial da constitucionalidade das leis; foi a primeira que comportou um texto escrito contendo a declaração dos direitos; foi a primeira vez que se instituiu um Estado Federal; foi a primeira vez que estabeleceu-se um sistema de governo presidencialista.



A Revolução Francesa: a Constituição americana é aprovada em 1787, e dois anos depois, 1789, dá-se a Revolução Francesa, influenciada pela Americana, porque muitos franceses combateram pela independência dos Estados Unidos contra a Inglaterra, por outro lado, os iluministas franceses influenciaram a Revolução americana, como por exemplo: Rousseau e Montesquieu. Sieyés foi o primeiro a apresentar um conceito de nação na Europa, considerando que a nação é que detém verdadeiramente a soberania, e que a nação é o povo (= O Terceiro Estado). Daí, o conceito de Soberania Nacional, passou a ser a Soberania Popular . O século XIX termina com uma América convertida em República presidencialista e com a Europa dividida entre a Monarquia parlamentar e a República Parlamentar. Mas apesar desta divisão existe uma profunda similaridade política e ideológica entre todos os países europeus: o liberalismo político e económico.





9. A LÓGICA



9.1. Conceito e Objecto da Lógica



De acordo com a sua etimologia, a Lógica é a ciência dos logos (). Mas se consideramos que logos significa Razão, Palavra, Proposição, Oração, Pensamento, Discurso e Linguagem (...) a noção pode tornar-se equívoca.

Enquanto ciência de logos, a Lógica pode, etimologicamente ser definida como: Ciência da razão ou do pensamento. Ou como: Ciência do discurso racional ou Ciência que estuda a dimensão racional do discurso.



«A Lógica é a ferramenta teórica mais importante que possuímos, mas a semelhança do que acontece com qualquer outra ferramenta, devemos saber quando e como usar»

- (J.A. Paulos)



Mesmo sem darmos conta, o nosso pensamento, na sua actividade de conhecimento, não trabalha ao acaso ou segundo a sua fantasia. Ele funciona de determinada maneira de acordo com certas regras e certos princípios na tentativa de atingir um conhecimento verdadeiro. Podemos dizer que: a tarefa da Lógica é o estudo das condições de pensamento válido, isto é, de pensamento que procura alcançar a verdade. Essa tarefa deve regular o perfeito discurso da razão e oferecer o caminho para o correcto exercício da linguagem e do pensamento na procura da verdade.



9.1.1. Linguagem, Pensamento e Discurso



Quando a Filosofia usa o termo Discurso, considera-o como uma operação intelectual que se processa por uma série de operações elementares e sucessivas, encadeando-se numa sequência ordenada de enunciados em que cada um retira o seu valor dos antecedentes, procurando chegar a determinadas conclusões. O discurso é, em primeiro lugar, um acontecimento de linguagem, uma actualização da língua na palavra, materializada no acto da fala e num acto de comunicação linguística. Ou seja, é todo o enunciado superior à frase, considerado do ponto de vista das regras de encadeamento das sequências de frases.

Filosoficamente, só há discurso quando há um conjunto de enunciados articulados entre si de uma forma coerente e lógica. Esta dimensão lógico- linguística do discurso é fundamental, embora o discurso humano seja pluridimensional.



9.2. Dimensões do Discurso Humano



Se o discurso humano pluridimensional, significa que há nele uma grande diversidade de dimensões, umas mais importantes (dimensões: sintáctica, semântica e pragmática) e outras menos importantes (dimensões: linguística, textual, lógico- racional, expressiva ou subjectiva, intersubjectiva ou comunicacional, argumentativa, aponfâtica ou representativa, institucional e ética).



Dimensão Sintáctica: Etimologicamente Sintaxe deriva do grego syn () + taxis () e significa co- ordem, coordenação. Pode-se também definir como sendo a parte da gramática que trata das regras de combinação entre os diferentes elementos da frase. Ou seja, é a relação intralinguística dos signos entre si; ou ainda, estuda as relações internas que os signos mantêm entre si. Por outra seria: o conjunto dos meios que nos permitem organizar os enunciados, afectar a cada palavra uma função e marcar as relações que se estabelecem entre as palavras, onde há como traço característico a ordem das palavras. Deste modo podemos chegar a conclusão de que: uma série de letras ao acaso não é uma palavra; uma série de palavras colocadas ao acaso não é uma frase; uma série de frases dispostas ao acaso não é um texto e nem um discurso; [forma gramatical da linguagem].



Dimensão Semântica: Etimologicamente deriva do grego, Semantiké [Tékhne] (), que literalmente significa: a arte da significação ou ciência do significado. Mas há muitas outras definições do termo Semântica, a saber: Ciência que estuda as significações; Ciência que fala acerca da relação dos signos (palavras ou frases) com o seu significado e com o mundo que a dizem respeitos’. Existe como subdivisão a Semântica Lexical ( estuda as regras de organização da significação das palavras entre si); Semântica da Frase ( estuda o modo como as palavras se combinam para que a frase tenha sentido); Semântica do Discurso (constitui e dá coerência a um texto); [significado das palavras e frases que constituem os enunciados discursivos e a relação que a linguagem estabelece com o mundo, os objectos, colocando o problema de referência] .



Dimensão Pragmática: Etimologicamente deriva do grego, Pragmatiké [Pragma] () que significa Acção. E pode-se definir como sendo: a disciplina que se prende com os signos na relação com os utilizadores; o complemento entre a semântica e a sintaxe; o estudo do uso das proposições; estudo da linguagem procurando ter em conta a adaptação das expressões simbólicas aos contextos referenciais e situacionais da acção e interpessoal. Com a Pragmática, chegamos a compreender que, quando um sujeito falante diz algo, pode-se distinguir facilmente: o que diz (acto locutório); o que faz, dizendo (acto ilocutório); o efeito resultante da acção de dizer (acto perlocutório); [uso feito da linguagem num dado contexto].





9.3. Novos domínios da Lógica



A Lógica é uma disciplina meramente teórica e formal. O seu campo prático de aplicação inclui novas ciências e tecnologias (Cibernética, Informática e a Inteligência Artificial).

Cibernética: este termo vem do grego Kibernétes (), Platão usou-o querendo designar ‘a arte de pilotar navios’. É nesta raiz grega que se filia a palavra latina Gubernare, que significa Governar. Tal como o piloto dirige o navio, assim também o governo é o timoneiro que dirige o Estado. A teoria da Cibernética, vem desde 1948, e deve a sua origem ao matemático Norbert Wiener (1895- 1964), e pode-se definir como a ciência de comunicação e de controlo de homens e de máquinas. É no seio deste movimento de ideias que vimos surgir o primeiro computador da nossa era e será igualmente o fruto do seu trabalho que se desenvolve a posterior robotização.



Informática: este termo foi criado em 1962 por Philippe Dreyfus, e introduzido oficialmente na Academia Francesa de Ciências em 1966. e foi definida como sendo a ciência do tratamento racional, nomeadamente por máquinas automáticas, da informação considerada como suporte dos conhecimentos e das comunicações no seu domínio técnico, económico e social. Mas os estudiosos advogam que a Informática começou a ser um domínio autónomo por volta dos anos 50, (eis os exemplos de alguns marcos importantes da constituição desta autonomia: o Congresso de Paris de 1951; o primeiro computador baseado na tecnologia dos transístores ). Entre os anos 45 e 60 surge a primeira informática, com o aparecimento dos primeiros computadores propriamente ditos; e nos anos 60 até finais de 70, surge a segunda informática, desenvolvendo-se os computadores baseados na técnica de transístores e computadores pessoais. E nos anos 80 surge a terceira informática, com o aperfeiçoamento dos computadores pessoais das redes, e da microinformática. A chamada banalização dos computadores pessoais e transformação da sociedade da informática numa cultura de comunicação.



Inteligência Artificial: é algo muito recente, e surge com o grande desenvolvimento do computador dos anos 50, porque estas máquinas ofereciam enormes possibilidades de armazenamento e processamento de informações a altas velocidades, os investigadores apostaram em construir sistemas que em tudo se assemelham as pontencialidades da inteligência humana. Assim, a Inteligência Artificial se inspira na Inteligência Natural própria dos seres humanos. Então, ao dizermos que os seres humanos são inteligentes, estamos a pensar nas suas habilidades para adquirirem, compreenderem e aplicarem certos conhecimentos, bem como capacidades para exercerem o seu pensamento e raciocínio. Sabemos ainda que a inteligência é mais do que isso, pois ela engloba todo o conhecimento consciente ou inconsciente que o homem foi adquirindo ao longo da sua vida, fruto do estudo, ou em resultado das multifacetadas experiências que realiza, das muitas situações mais ou menos problemáticas que o homem foi e vai enfrentando.





9.4. Validade Formal e Validade Material



É sabido que a Lógica é uma arte e uma ciência reflexiva do discurso. Enquanto as outras ciências como a Biologia, a Física, a Química, a História, etc., se preocupam com a Validade Material dos seus enunciados, a Lógica, por sua vez, apenas considera a Verdade Formal.



Como entender estas validades?

- Consideremos o seguinte enunciado: “ João Manuel Lopes, português, 44 anos, foi o primeiro a pisar o solo lunar, em 1969”. O que é que se pode dizer deste enunciado?

- Sintacticamente, é correcto. Não há qualquer contradição, não há qualquer incorrecção gramatical, mas há falta de coerência.

- Logicamente: é formalmente válido, correcto e legítimo.

- Historicamente: não é válido. Pois como se sabe, o feito referido foi conseguido efectivamente em 1969, mas os protagonistas foram dois cosmonautas dos EUA: Edwin Aldrin e Neil Amstrong. Assim o enunciado anterior é formalmente válido, isto é tem validade formal mas não tem validade material.



Validade Formal: é quando os elementos que constituem (conceitos no juízo e juízo no raciocínio) formam um todo coerente, sem contradição interna e quando os seus elementos não são incompatíveis.

Validade Material: é quando o seu conteúdo ou matéria, está conforme a realidade. No exemplo dado anteriormente, facilmente se pode concluir que não tem validade material porque efectivamente não está de acordo comum com a realidade histórica.



Todo o pensamento verdadeiro implica uma co- presença da Validade Material e Formal, mas é preciso ter atenção, pois: a Lógica ocupa-se apenas da Validade Formal do pensamento, enquanto as outras ciências se preocupam com a validade Material.

Mas uma vez que a Verdade implica simultaneamente a Validade Material e a Validade Formal, as ciências não podem deixar de se servir da Lógica. Só usando a Lógica podem proceder de acordo com as regras formais de pensamento. É por isso que a Lógica deve ser encarada como uma ciência em si mesma e como um instrumento ao serviço das outras ciências.



Lógica Formal (= Pura ou Teórica): destingue o raciocínio verdadeiro do raciocínio falso, independentemente do seu conteúdo, isto é, uma lógica que não se preocupa com a matéria do raciocínio mas sim com a sua forma.

Lógica Material: simplesmente preocupa-se com a matéria do raciocínio.



A lógica formal faz abstracção do conteúdo ou matéria dos raciocínios e das proposições, para considerar apenas a forma. Ela é o estudo das formas do pensamento válido (ou seja, o estudo das condições da verdade formal). A lógica formal regula o acordo do pensamento com ele mesmo, quer dizer, a coerência do pensamento. Estas condições formais são necessárias, mas não são suficientes, para atingir a verdade, tem de ser preenchida. Mas se forem preenchidas nem sempre se atinge a verdade, tal como acontece quando dá-se o raciocínio, formalmente, de forma correcta a partir de um falso testemunho (erro material).

Para fazer a abstracção da matéria da proposição : «todo o ruminante é herbívoro», não se pode ter em conta a significação das palavras “Ruminante” e “Herbívoro”, dizendo apenas: « Todo o A é B». Esta fórmula pode representar o número indefinido da proposição diferindo da matéria, tanto a proposição «Todo o corpo é pesado» como aquele que partimos. Segundo a lógica formal «Se P, então Q», onde P e Q designam proposições, só podemos ter dois tipos de raciocínio correcto: ( P verdadeiro, então Q verdadeiro, P falso então Q falso). Mas se Q é suposto verdadeiro, por exemplo, é impossível concluir validamente o que quer que seja (...).

A Lógica Aplicada ou Metodológica tem em conta a matéria dos dois raciocínios e proposições. Examina as proposições de concordância do pensamento com a realidade (verdade material) tal como as ciências procuram precisamente realizar cada um no seu domínio, esta concordância de pensamento com o real (sem obviamente negligenciar a concordância de pensamento consigo próprio), também a Lógica Aplicada estuda os diferentes métodos utilizados nas ciências especiais: Matemática, Ciências Experimentais, Psicologia, Sociologia, etc.



9.5. Princípios da Razão



Ou isto ou aquilo!!!





«Ou se tem chuva e não se tem sol,

ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça luvas e não se põe anel,

ou se põe anel e não se calça luvas!

Ou sobe nos ares e não fica no chão,

ou fica no chão e não se sobe nos ares!

É uma grande pena que não se possa,

estar ao mesmo tempo nos dois lugares!



Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,

ou compro o doce e não guardo o dinheiro!

Ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo.

E vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,

Se saio correndo ou fico tranquilo!

Mas não consegui entender ainda,

Qual é o melhor: se isto ou aquilo.»



- Cecília Meireles





- Que princípios nos podem garantir a coerência do pensamento???

- Porquê é que na maior parte das situações pensamos de forma coerente e não de forma

absurda??? – A razão é simples: a Lógica assenta- se em três princípios fundamentais, e sem os quais não haveria pensamento possível. A Lógica Clássica, formula-os em termos de ‘coisas’, enquanto a Lógica Moderna e Linguística os exprime em termo de ‘proposições’.



1º) Princípio de Identidade:

Enunciados:

Uma coisa é o que é.

O que é é, e o que não é não é.

A é A (A designa qualquer objecto de pensamento).



Em termos de Proposições:

Uma proposição é equivalente a si mesma.



2º) Princípio de Contradição (ou de não Contradição)e a negação das Proposições:

Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo segundo a mesma perspectiva. Significa que não há contradição quando a realidade que falamos não é julgada, quer num mesmo instante quer num mesmo ponto de vista, mesmo quando se obtém juízos que se opõem. Exp. “Este camaleão é verde” – e cinco minutos mais tarde “Este camaleão é castanho”. Os dois juízos não são contraditórios, visto que não se refere ao animal encarado num mesmo momento (...) e que o camaleão pode mudar de cor através do Mimetismo.



Em termo de proposições:

Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

Uma proposição e a sua negação não podem ser simultaneamente verdadeiras.

Duas proposições contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras



3) Princípio do terceiro excluído ou do meio excluído e negação dos conceitos

Uma coisa deve ser, ou então não ser; não há uma terceira possibilidade.



Em termos de proposições:

Uma proposição é verdadeira ou então é falsa; não há outra possibilidade.



Introduzindo a negação:

Se encararmos uma proposição e a sua negação, uma é verdadeira e a outra é falsa, não há outro tremo.



Em termos de proposições contraditórias:

De duas proposições contraditórias, se uma é verdadeira, a outra é falsa e se uma é falsa a outra é verdadeira, não há meio termo.



9.6. Lógica do Conceito



Considerados os três grandes princípios lógicos, as leis maiores a que obedece todo o pensamento e todo o discurso, dá-se assim o início ao estudo das operações do pensamento e das regras a que estas se conformam.

Tradicionalmente, consideram-se três os grandes e principais domínios da Lógica: Lógica do Conceito; Lógica do Juízo e a Lógica do Raciocínio.

Em rigor, a Lógica, diz, particularmente, respeito ao raciocínio, ou mesmo, ao discurso correcto do pensamento no transito de umas proposições para outras. Mas porque o Raciocínio pressupões os juízos e estes os conceitos, importa dedicar-lhes alguma atenção, antes de se debruçar sobre as inferências lógicas, em geral, e os raciocínios, em particular.



O que é um Conceito?

Uma definição clássica, diz que: Conceito é a representação universal de alguma coisa e ou realidade, um sentido mais lato que não se restringe aos objectos físicos.



Diz-se Representação porque, mediante o Conceito, a razão tem, de alguma forma, presente o que está ausente, o que não é ela.

Diz-se que esta Representação é universal, para distinguir da representação imagética e particular dos objectos, ou realidades singulares. (deste gato, desta mesa, etc.- nós só temos e só podemos ter uma imagem). Através dos nossos olhos, o nosso cérebro faz como que uma fotografia de cada um dos objectos particulares e conserva- as.



O Conceito e o Termo: Conceito ou ideia é a representação intelectual da essência de um objecto, representa aquilo que há de permanente, imutável e comum em todos os objectos de uma espécie. Chama-se conceito porque a sua formação dá-se no espírito: uma espécie de concepção pela união da inteligência com o objecto, cujo fruto é o objecto ou a ideia.

É fácil concluir que uma ideia não é verdadeira, nem falsa, porque nada se afirma e nada se nega. Os Conceitos podem ser possíveis (animal racional) e impossíveis (círculo quadrado), conforme são formados de elementos compatíveis ou incompatíveis entre si.



Relação Termo- Conceito: o Termo é a expressão externa (verbal) de um Conceito ou Ideia. Não se deve, portanto, confundir Termo e Palavra, porque o Termo pode ter várias palavras e até proposições gramaticais ou pode ser constituído por simples gestos.

Exp.: Aristóteles é filósofo da antiguidade que mais contribuiu para o desenvolvimento

da Filosofia.



O Termo é como que a ideia exteriorizada e concretizada, visto que, concebido um conceito, só lhe damos existência depois de encontrarmos o termo que o pode exprimir.



9.6.1. Classificação dos Conceitos



Compreensão(G - P): na conceptualização, a razão ou o intelecto, abstrai das notas particulares de cada objecto concreto e retém tão só as notas constitutivas comuns dos múltiplos objectos a que o conceito se aplica. Às notas comuns e constitutivas dos objectos a que convém o conceito, chama-se Compreensão do Conceito.



Extensão (P - G): o conceito vale e representa todos e cada um dos objectos do seu grau de presença. À totalidade dos elementos a que se aplica, chama-se Extensão do Conceito. O conceito ‘Cavalo’ estende-se a todos e a cada um dos animais ditos ‘Cavalos’ .



Exemplo: Consideremos o conceito Ser humano: a sua Extensão inclui todos os homens e mulheres que existiram, existem e existirão. A sua Compreensão diz respeito àquelas características que fazem dos homens e das mulheres seres humanos. Responder a questão de saber quais são estas características, é difícil. Porém, é mais fácil responder pela negativa. Não é a cor da pele ou dos olhos, a altura, a cultura, a força, a religião, etc. Talvez possamos dizer que são características constitutivas universais do ser humano a Corporiedade (o ter corpo), a Vida, a Sensibilidade e a Razão.



Relação Compreensão- Extensão: há uma relação inversa entre a Compreensão e a Extensão de um Conceito. Quanto maior for a Compreensão de um Conceito, menor é a sua Extensão, e assim reciprocamente. O Conceito ‘Animal’, por ex. É mais extenso do que o Conceito ‘Ser humano’, mas tem no entanto, menos compreensão do que este. É que as notas Corporiedade, Vida, Sensibilidade, etc. que são comuns entre o Ser humano e o Animal, há que acrescentar as notas Responsabilidade, Liberdade, etc. que só convêm ao Ser humano.












Exercício: (Revisão)

1)Ordena segundo a Extensão crescente a seguinte lista de conceitos: Ser humano; Europeu; Português, Branco; Escritor; Miguel Torga; Animal; Racional; Ibérico; Transmontano.

- Miguel Torga; Escritor; Português; Branco; Transmontano; Ibérico, Europeu; Ser humano; Racional; Animal.



2)Ordena segundo a Compreensão crescente a seguinte lista de conceitos: Europa; Terra; Coimbra; Portugal; Península Ibérica; Beira Litoral; Região Centro.

- Terra; Europa; Península Ibérica; Portugal; Região Centro; Coimbra; Beira Litoral.





9.6.2. Regras de Definição dos Conceitos



A análise dos conceitos, sob o ponto de vista da sua Compreensão, é a operação lógica chamada Definição. Logicamente, a Definição consiste em indicar os caracteres que constituem a compreensão de um conceito. Definir é dizer o que um conceito é, é analisar a sua compreensão, isto é, dizer o que a coisa é, e distingui-la do que não é.

Há duas espécies de definição: Normal (que exprime o sentido de uma expressão); e Real ( que exprime a natureza do próprio objecto representado pela palavra.)

Toda a ciência procura usar a definição verdadeira. No entanto, na impossibilidade de usar aquela , as ciências contentam-se frequentemente em optar pela pura definição descritiva.



Há três regras fundamentais de definição essencial:



a) A definição deve ser mais clara que o definido;

a.1.) O termo a definir não deve estar na definição:

Exp.: A pressão atmosférica é a pressão exercida...



a.2.) A definição deve ser feita em termos precisos e distintos:

Exp.: O homem é um animal racional.



a.3.) A definição deve ser mais breve possível:

Exp.: O triângulo é um polígono de três lados .



a.4.) A definição não pode ser negativa:

Exp.: Pobre é um não rico.



b)A definição deve convir a todo o definido e só ao definido, quer dizer, não deve ser muito restrita e nem demasiado ampla;

Exp.: O triângulo é um polígono. (definição muito restrita)

O triângulo é um polígono de 3 lados e 3 ângulos. (definição muito ampla)



c) A definição deve ser recíproca, isto é, sendo o definido o primeiro membro de uma igualdade e a definição o segundo, devem poder trocar de lugar;

Exp.: O homem é animal racional. Pode transformar-se em:

O animal racional é o homem.



9.6.3. Divisão e Classificação dos Conceitos



Divisão é a análise das ideias sob o ponto de vista da sua extensão. Portanto, dividir um conceito significa indicar a quantos seres ou objectos diferentes ele se aplica, ou seja, é fazer a decomposição de um todo nas suas partes. Esta Divisão pode ser dicotómica (consiste em passar de um género à duas espécies, das quais uma tenha o atributo que não existe na outra.) ou politómica.

Classificar é reunir ordenadamente em grupos os vários seres ou objectos que uma ideia abrange, de harmonia com as suas semelhanças e diferenças, atendendo, ao mesmo tempo, à compreensão e à extensão do conceito.



Qualquer classificação deve obedecer aos seguintes princípios:

- Não deve deixar resíduos, isto é, deve ser exaustiva, sem nada ser classificado.

- Deve haver mais semelhanças entre os dois seres reunidos numa mesma classe do que entre dois seres colocados em classes diferentes.

- Deve ser irredutível, isto é, uma classe não deve incluir a outra.



A classificação pode ser Natural (baseia- se em características essenciais, exigindo o estudo completo de todos os caracteres e propriedades do objecto.)ou Artificial (tem um carácter arbitrário ou convencional e funda-se em algumas características ou propriedades do objecto, que sejam mais fáceis de conhecer.). A classificação artificial prepara, por vezes, a natural.



9.7. Lógica do Juízo



O Juízo e a Proposição: a partir dos conceitos podemos formular juízos. Se a primeira operação da mente é a conceptualização, a segunda operação da mente é a formulação de juízos. Segundo Aristóteles, um Juízo é uma frase ou locução com significado, e de forma mais precisa, o Juízo é a operação mental mediante a qual relacionamos dois conceitos, afirmando ou negando a sua vinculação. Um Juízo exprime-se na Proposição, ou seja, a Proposição é um enunciado de um juízo. O Juízo é constituído por ideias ou conceitos, e a Proposição é constituída por termos. Assim, o Termo está para o Conceito e a Proposição está para o Juízo.



Um Juízo é constituído habitualmente por três elementos:

- Sujeito (S): é o conceito sobre o qual se afirma ou nega alguma coisa; é a parte da proposição que representa a coisa de que ou de quem se fala.

- Predicado (P): é aquilo que é afirmado ou negado do sujeito; ou seja, é o que se diz do sujeito.

- Cópula: é o elemento que faz a ligação entre o Sujeito e o Predicado.



Exp.: Beatriz João (S) é(Cópula) bonita (P). O Sujeito e o Predicado constituem a Matéria do Juízo, enquanto que a Cópula constitui a forma do Juízo.



Existem juízos constituídos apenas pelo Sujeito (S) e pelo Predicado (P). Por exemplo: “Alberto viaja.” ; “Rosário estuda”, mas são equivalentes a: “Alberto é viajante” ; “Rosário é estudante”.



Existem juízos constituídos só pelo Predicado (P), sem o Sujeito (S) expresso, ou impessoais: “Chove”, mas a resolução lógica para este caso é : “O tempo está chuvoso”.



9.7.1. Classificação dos Juízos








9.8. As Inferências



Falar de Inferência é referir a terceira operação elementar da mente humana, isto é, Raciocínio.

O Raciocínio consiste na passagem de uma verdade que já a conhecemos para uma verdade que ignoramos. Um Raciocínio é sempre uma passagem de um ao outro juízo, é sempre uma passagem do conhecido ao desconhecido.

Para que haja Raciocínio é necessário que o novo juízo venha depois dos outros mas também que resulte deles. E a este passo chama-se Inferência ou Ilação.

A expressão mental ou oral do Raciocínio é o Argumento. O Argumento é formado por proposições e o Raciocínio por juízos.

Fazer uma inferência ou inferir, é então extrair uma ou várias proposições novas, não conhecidas, portanto de uma ou várias proposições já conhecidas. As proposições de que se parte, chamamos Antecedentes ou Premissas, e as proposições a que chegamos, chama-se Consequentes ou Conclusões .



As Inferências podem ser divididas em:

Simples ou Imediatas: têm lugar a partir de uma única proposição, não havendo necessidade de intervenção de uma terceira.

Complexas ou Mediatas: têm lugar a partir de duas ou mais proposições.



i) Inferências Simples ou Imediatas: consideremos duas situações:



1ª) O quadro lógico da oposição entre proposições:

No quadro da classificação dos juízos, vimos que estes podem ser classificados quanto a quantidade e quanto a qualidade. Se combinarmos a Quantidade (Universais e Particulares) e a Qualidade (Afirmativas e Negativas) das proposições, obteremos 4 classes de proposições cujas relações de oposição são de quatro géneros distintos. Para designar tais proposições, a Lógica Clássica serve-se das quatro primeiras vogais (A,E,I,O):

A= Universal Afirmativa I= Particular Afirmativa

E= Universal Negativa O= Particular Negativa



Uma forma simples de fixarmos, é recordar os termos:

AFIRMO (A e I): Afirmativas; NEGO (E e O): Negativas.



Estas relações de oposição entre as proposições podem ser apresentadas pelo chamado Quadro lógico da Oposição entre proposições, o qual modernamente tem a seguinte forma:














a) Proposições Contraditórias: as que diferem ao mesmo tempo pela qualidade e pela quantidade. Uma nega o que se afirma na outra. São inconciliáveis. Oposição total e completa.

Exp.: Todos os homens são sábios (A) e

Alguns homens não são sábios (O)



Nenhum homem é sábio (E) e

Alguns homens são sábios (I)



a.1) Lei das Contraditórias (A e O; E e I): duas proposições contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras e simultaneamente falsas. Se uma for verdadeira a outra é falsa, e vice-versa.



b) Proposições Contrárias: as duas Universais que diferem pela qualidade.

Exp.: Todos os homens são sábios (A) e

Nenhum homem é sábio (E)



b.1) Lei das Contrárias (A e E): duas proposições contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Podem contudo ser ambas falsas simultaneamente, se a(s) verdadeira(s) for(em) I ou O.



c) Proposições Subcontrárias: as duas particulares que diferem pela qualidade.

Exp.: Alguns homens são sábios (I) e

Alguns homens não são sábios (O)



c.1) Lei das Subcontrárias (I e O): duas proposições Subcontrárias podem ser ambas simultaneamente verdadeiras mas não podem ser simultaneamente falsas. Se uma é falsa a outra obrigatoriamente é verdadeira. Se uma é verdadeira, a outra é indefinida, isto é, pode ser verdadeira ou falsa.





d) Proposições Subalternas: as que diferem em quantidade.

Exp.: Todos os homens são sábios (A) e

Alguns homens são sábios (I)



Nenhum homem é sábio (E) e

Alguns homens não são sábios (O)



d.1) Lei das Subalternas (A e I; E e O): duas proposições subalternas podem ser simultaneamente verdadeiras e simultaneamente falsas, assim como uma pode ser verdadeira e a outra falsa. Isto é, a verdadeira da universal implica a verdadeira da particular que lhe está subordinada, e a falsa da universal não implica a falsidade da particular; a verdade da particular não significa a da universal, a falsidade da particular implica a falsidade da universal.



2ª) A Inferência por Conversão das proposições:

Este é o segundo caso das Inferências Simples ou Imediatas. A Conversão é uma operação lógica que consiste em inverter os termos de uma proposição, ou seja: o Sujeito (S) passa para o lugar do Predicado (P) e o Predicado para o lugar do Sujeito. Na Conversão, a qualidade da proposição não deve mudar, pode mudar é a quantidade. O importante contudo, é que a proposição obtida em resultado da Conversão não pode negar ou afirmar nada mais do que a proposição convertida.



A conversão pode ser feita de quatro modos diferentes:



i) Conversão Simples: consiste na mera troca do Sujeito e do Predicado. O resto não muda. A nova proposição conserva a forma e a quantidade e denomina-se recíproca da proposição originária. Podemos operar uma conversão simples nas universais negativas (E) e nas particulares afirmativas (I).

Exp.: Nenhum homem é sábio (E), converte-se em:

Nenhum sábio é homem



Alguns homens são sábios (I), converte-se em:

Alguns sábios são homens



ii) Conversão por Limitação ou por Acidente: consiste na troca de lugar entre o Sujeito e o Predicado e na mudança de quantidade da proposição: da Universal, passa para Particular.

Exp.: Todos os homens são sábios (A), converte-se em:

Alguns sábios são homens



iii) Conversão por Negação: aplica-se às particulares negativas (O). Para que ela se realize, é necessário transformar a proposição a converter numa afirmação particular equivalente, isto é, tirar a negação da cópula e passá-la para o Predicado e em seguida converter simplesmente a proposição obtida.



Exp.: Alguns homens não são sábios (= Alguns homens são não sábios), converte-se em:

Alguns não sábios são homens



iv) Conversão por Contraposição: aplica-se às proposições universais afirmativas (A) e às particulares negativas (O). Obtêm-se juntando uma negativa ao Predicado e outra ao Sujeito da proposição que pretendemos converter, e fazendo em seguida a conversão simples.

Exp.: Todos os homens são sábios (A), converte-se em:

Todos os não sábios são não homens



Alguns homens não são sábios (O), converte-se em:

Alguns não sábios são não homens





ii) Inferências Complexas ou Mediatas: estas inferências são os raciocínios como já foram analisados anteriormente.



Os raciocínios apresentam-se sob 3 tipos fundamentais:



i) Raciocínios Dedutivos ou Dedução: consiste em inferir com necessidade lógica de duas ou mais proposições (ditas antecedentes)uma outra proposição (dita consequente) que ou está contida naquelas (dedução silogística), ou é sua consequência lógica (dedução matemática.).



A Dedução Silogística, parte do mais geral para o menos geral, isto é, do universal para o particular.

Exp.: Todas as moçambicanas são bonitas.

Margarida é moçambicana;

logo, Margarida é bonita.



Todos os metais são bons condutores.

Ora, o Cobre é um metal;

logo, o Cobre é um bom condutor.



Trata-se de uma inferência puramente formal. Limita-se a apresentar sob a nova forma, verdades já conhecidas. Não produz, portanto, novos conhecimentos. Foi considerada por isso, como ‘estéril’. É no entanto, muito proveitosa para expor e argumentar com rigor e clareza, uma determinada tese. Tem inequívocas vantagens pedagógicas.



A Dedução Matemática, conclui o geral o geral. Recorde-se, mais uma vez, o exemplo da demonstração geométrica. Por exemplo, na demonstração do teorema segundo o qual a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois ângulos rectos, parte-se de um conhecimento geral e conclui-se por um conhecimento igualmente geral. Trata-se de uma Dedução Produtiva, ou Construtiva, e não apenas formal porque as proposições matemáticas ou geométricas consequentes não estão incluídas nas antecedentes, embora estejam implicadas. Há na Dedução Matemática uma descoberta de verdades novas, o que autoriza dizer que ela não é ‘estéril’.











ii) Raciocínio Indutivo ou Indução: era tradicionalmente definido como a operação racional mediante a qual se conclui uma verdade universal ou geral a partir de verdades particulares. Pode-se, no entanto, distinguir dois tipos de Indução:

Indução formal ou Aristotélica; consiste em afirmar ou negar de uma totalidade de seres o que fora afirmado ou negado de todos e de cada um em particular. Esta modalidade de Indução é também designada Completa ou Totalizante, exactamente porque transforma a verdade de todos os casos particulares exaustivamente constatando uma verdade geral.

Exp.: O homem, o cavalo, o macho... vivem durante muito tempo.

Ora, o homem, o cavalo, o macho... não têm fel;

logo, os animais sem fel vivem durante muito tempo.



Uma tal conclusão é inteiramente rigorosa e concludente sob a condição de admitir que todos os casos foram constatados, ou seja, que o homem, o cavalo, o macho... são os únicos sem fel. Por outras palavras, o raciocínio é formalmente válido, se o carácter vida longa pertence a todos os casos observados e se por outro lado os casos observados recobrem a totalidade dos casos possíveis. Assim sendo, trata-se de um raciocínio que: é formalmente correcto, é completo ou totalizante, autoriza uma conclusão universal, mas não acrescenta conhecimentos novos aos já sabidos, tendo no entanto a vantagem da simplificação.



Indução Amplificante ou Baconiana ( Francisco Bacon): consiste em inferir uma verdade geral a partir de verdades particulares dos vários (não todos) os casos contestados. Afirmar, por exemplo: que os metais são bons condutores ou que o calor dilata os corpos, porque das várias constatações particulares, concluímos a verdade daquelas proposições. Mas é sempre admissível que não verificamos todos os casos. Assim sendo, trata-se de um raciocínio que: não goza de correcção formal, é incompleto e não totalizante, autoriza uma conclusão tão só geral (não universal), tendo a vantagem de acrescentar conhecimentos novos, é a forma de raciocínio que subjaz a investigação científica.





iii) Raciocínio por Analogia: é a forma expontânea de raciocínio muito usada por todos nós no quotidiano. Baseando-nos numa comparação de objectos de duas espécies diferentes, inferimos certas semelhanças. Se consideramos as semelhanças entre a anatomia humana e animal, infere-se que determinados produtos testados em cobaias (porquinho-da-índia) animais, provocarão as mesmas reacções nos seres humanos.



O SILOGISMO



O Silogismo é uma forma particular de raciocínio dedutivo, ou Dedução, e uma forma particular de inferência complexa. O Silogismo, é também, um raciocínio formado por três proposições de tal modo dispostas que, expressas duas, chamadas premissas, se segue necessariamente a terceira, denominada conclusão. Pode-se ainda dizer que, Silogismo é um argumento pelo qual, de um antecedente que liga dois termos a um terceiro, se tira um consequente que une estes dois termos entre si, e formado por três termos comparados dois a dois. Normalmente, acha-se que o Silogismo constitui a ‘glória’ de Aristóteles.



Estrutura e matéria do Silogismo:

i) Proposições: em conformidade com as regras do Silogismo correcto, ou legítimo, todo o Silogismo é constituído por três e só três proposições, assim designadas:



a) Premissa Maior- é aquela que tem o termo maior ou o predicado da conclusão;

b) Premissa Menor- é aquela que tem o termo menor ou o sujeito da conclusão;

c) Conclusão- é aquela que articula o termo menor com o termo maior.



ii) Termos: ainda em conformidade com as regras do Silogismo, formalmente correcto, são também três os termos que intervêm no raciocínio silogístico:



a) Termo Maior(P)- é aquele que tem maior extensão e é o predicado da conclusão;

b) Termo Menor(S)- é aquele que tem menor extensão e é o sujeito da conclusão;

c) Termo Médio(M)- é o intermediário entre o termo maior e o termo menor. É aquele que permite a passagem das premissas à conclusão porque possibilita estabelecer uma dada relação entre o termo menor e o termo maior. Este termo figura nas premissas mas nunca ode entrar na conclusão, pois a sua extensão é maior que a do termo menor e menor que a do termo maior.



Recorrendo ao exemplo clássico apresentado por Guilherm d’Occam (1285-1349), temos:

Todo o homem é mortal; M é P

Socrates é homem; S é M

Sócrates é mortal. S é P



Princípios do Silogismo:

O valor e a legitimidade de um silogismo formalmente correcto, assenta em três princípios fundamentais. Os dois primeiros (identidade e discrepância) são os princípios da compreensão, o terceiro é o princípio da extensão.

a) Princípio lógico de Identidade: duas coisas ou duas ideias iguais a uma terceira, são iguais entre si. Assim, se P é M e S é M, necessariamente: S é P



b) Princípio lógico de Discrepância: duas coisas ou duas ideias, uma das quais é idêntica a uma terceira, e a outra não, são distintas entre si. Assim, se P é M e S não é M, necessariamente S não é P.



c) Princípio de Extensão: tido o que se afirma ou nega universalmente de um sujeito ou de uma parte, afirma-se ou nega-se universalmente do que está contido na extensão desta parte ou desse sujeito. Tudo o que for negado ou afirmado do todo, deve ser negado ou afirmado das partes. Assim, se afirmamos que O homem é mortal, João (e cada um dos homens) será também mortal.



Regras do Silogismo:

As regras gerais do Silogismo são oito (8). As quatro (4) primeiras dizem respeito aos termos, e as quatro (4) últimas às proposições:



Regras relativas aos Termos:

1ª. REGRA: o silogismo tem três termos e só três termos (Maior, Menor e Médio). Esta regra não é respeitada quando se utilizam termos equívocos, ou quando há apenas dois ou quatro termos. Consideremos o exemplo:

Se o cão ladra;

Se o cão é uma constelação;

Então, uma constelação ladra.



Ora, este raciocínio não respeita a primeira regra pois o termo Cão sendo equívoco, vale por dois termos, logo este raciocínio tem quatro termos.



2ª. REGRA: nenhum termo pode ter maior extensão na conclusão do que nas premissas.

Todo sábio procura saber;

Ora, todo homem é sábio;

Logo, todo o homem procura saber.



3ª. REGRA: o termo médio nunca pode estar na conclusão.

Todo o homem é mortal;

Sócrates é homem;

Sócrates é mortal.



4ª. REGRA: o termo médio deve ser tomado universalmente numa das premissas pelo menos uma vez.



Regras relativas as Proposições:

5ª. REGRA: nada se pode concluir a partir de duas premissas negativas.



6ª. REGRA: de duas premissas afirmativas não se pode tirar uma conclusão negativa.



7ª. REGRA: de duas premissas particulares nada se pode concluir.



8ª. REGRA: a conclusão segue sempre a parte mais fraca. Os lógicos consideram a proposição particular mais fraca do que a universal e a negativa a mais fraca do que a afirmativa. Sendo assim a consequência resultante é: Se uma das premissas é particular, a conclusão terá de ser particular. E se uma das premissas é negativa, a conclusão terá de ser negativa.



Todas as cobras são répteis;

Alguns animais são cobras;

Logo, alguns animais são répteis.



Figuras do Silogismo:

Os silogismos podem assumir múltiplas formas. Neste caso, as figuras ou esquemas do silogismo são determinadas pela posição que ocupa o termo médio (M) nas premissas. O termo médio (M) que, como já vimos, não pode entrar na conclusão, pode ocupar o lugar de sujeito ou de predicado.



São possíveis quatro (4) figuras do silogismo. No entanto, de acordo com Aristóteles, as figuras são três. A quarta figura terá sido implementada pelo lógico judeu Albalag (século XII). Alguns autores, erradamente atribuem essa figura ao médico Galeno (129-199). Aristóteles, tem razão em omitir a quarta figura uma vez que esta, bem vistas as coisas, é uma forma invertida da 1ª. Figura. Acontece até que, em alguns tratados de lógica, esta figura é omitida (=abstraída).



1ª. Figura: o termo médio (M) é sujeito na premissa maior e predicado na premissa menor.

Toda a mulher é mortal; M é P

Ora, Teresa é mulher; S é M

Logo Teresa é mortal. S é P



2ª. Figura: o termo médio (M) é predicado na premissa maior e predicado na premissa menor.

Nenhum americano é europeu; P é M

Todo o português é europeu; S é M

Nenhum português é americano. S é P



3ª. Figura: o termo médio (M) é sujeito na premissa maior e sujeito na premissa menor.

Todo o filósofo é desportista; M é P

Todo o filósofo é homem; M é S

Todo o homem é desportista. S é P









4ª. Figura: o termo médio (M) é predicado na premissa maior e sujeito na premissa menor.

Nenhum europeu é brasileiro; P é M

Todo o brasileiro é sul-americano; M é S

Nenhum sul-americano é europeu. S é P



Modos do Silogismo

Os silogismos assumem múltiplas formas: 256 no total. Contudo, só um pequeno número goza de legitimidade. Segundo as investigações dos lógicos, só 19 são formas válidas de silogismo. As restantes são incorrectas, uma vez que não respeitam as regras anteriormente mencionadas.



Cada forma particular do silogismo, resulta da combinação de uma figura com um modo. As figuras são quatro (4), como já vimos, e os modos são 64. as hipotéticas 256 formas resultam da combinação das 4 figuras com os 64 modos.



Os modos do silogismo dependem da forma como se combinam a quantidade e a qualidade das três proposições que formam qualquer silogismo. E, como já referimos anteriormente, a combinação da quantidade e da qualidade, permite obter proposições de quatro tipos:

A- Universais afirmativas I- Particulares afirmativas

E- Universais negativas O- Particulares negativas



Para que a memorização dos 19 modos válidos do silogismo fosse fácil, os escolásticos inventaram Mnemónicas. Assim, cada caso legítimo recebia um nome cujas vogais indicam o tipo da proposição da premissa maior, da premissa menor e da conclusão.



Eis duas combinações possíveis e seu significado:

AAA- representa um silogismo em que as duas premissas e a conclusão são proposições universais afirmativas (= BARBARA).

AEE- neste caso, a premissa maior seria universal afirmativa, a premissa menor e a conclusão, universais negativas (= CAMENES).





Eis as 19 formas de silogismos legítimos ou válidos, distribuídos pelas 4 figuras:

1ª. Fig. (suj./ pred.) são aceitáveis apenas 4 modos:

A A A- Toda a virtude é boa. Toda a justiça é virtude. Toda a justiça é boa.

E A E- Nenhum ser racional é animal.Todo o homem é racional. Nenhum homem é animal.

A I I - Todo o homem é mortal. Algum filósofo é homem. Algum filósofo é mortal.

E I O- Nenhum homem é anjo. Algum ser racional é homem. Algum ser racional não é anjo.



2ª. Fig.(pred./ pred.) são admissíveis também apenas 4 modos:

E A E - Nenhuma utopia é realidade. Toda a verdade é realidade. Nenhuma verdade é utopia.

A E E - Todo o homem é racional. Nenhum animal é racional. Nenhum animal é homem.

E I O - Nenhum gato é pessoa. Algum animal é pessoa. Algum animal não é gato.

A O O -Todo o alfaiate é corrupto. Algum médico não é corrupto. Algum médico não é alfaiate.



3ª. Fig. (suj./ suj.)são considerados legítimos os 6 modos:

A A I - A amizade é desejável. A amizade é uma virtude. Alguma virtude é desejável.

E A O – Nenhum roubo é acto bom. Todo o roubo é crime. Algum crime não é acto bom.

I A I - Algum homem é filósofo. Todo o homem é mortal. Algum mortal é filósofo.

A I I - Toda a mulher é rica. Alguma mulher é bonita. Alguma bonita é rica.

O A O- Algum pedreiro não é jeitoso. Todo pedreiro é homem. Algum homem não é jeitoso.

E I O - Nenhum padre é mau. Algum padre é filósofo. Algum filósofo não é mau.



4ª. Fig. (pred./suj.) são legítimos os 5 modos:

A A I – Todo o leão é rei. Todo o rei é mandante. Algum mandante é leão.

A E E - Todo o negro é africano. Nenhum africano é cientista. Nenhum cientista é negro.

I A I - Algum italiano é karateca. Todo karateca é violento. Algum violento é italiano.

E A O – Nenhum africano é rico. Todo o rico é patrão. Algum patrão não é africano.

E I O - Nenhum ladrão é polícia. Algum polícia é astuto. Algum astuto não é ladrão.












Classificação dos Silogismos



a) Silogismos Categóricos Irregulares

i- Etinema: é o silogismo ao qual falta uma das premissas ou a conclusão. Sabemos qual a premissa que falta pelo exame da conclusão, examinando nesta qual dos termos não aparece nos antecedentes. Por exmpls.:

(Eu) Penso;

Logo, existo. [Falta a premissa maior: (Quem pensa existe...)]



Todas as aves têm asas;

O papagaio é uma ave. [Falta a conclusão: (O papagaio tem asas.)]





ii -Epiquerema: é o silogismo em que uma ou duas premissas são acompanhadas das suas provas. É muito usado na barra dos tribunais. Por exp.:

É permitido matar um agressor injusto em legítima defesa;

a razão, a lei, os costumes, asseguram o direito de legítima defesa;

Ora, X era um injusto agressor, quer pelos seus antecedentes, quer pelas circunstâncias;

Portanto, era permitido (ao meu constituinte) matar X.



iii- Polissilogismo: é um conjunto de silogismos agrupados de tal maneira que a conclusão do primeiro serve de premissa (maior ou menor) do seguinte e assim por diante. Se a conclusão passar a ser a premissa maior, o Polissilogismo chama-se progressivo; se a conclusão passar a ser a premissa menor, chama-se regressivo.



Exemplo de Polissilogismo progressivo:



Tudo o que robustece a saúde (A) é útil (B); Todos os A são B.

O desporto (C) robustece a saúde (A); Todos os C são A.

O desporto (C) é útil (B). Todos os C são B.

A natação (D) é um desporto (C); Todos os D são C.

A natação (D) é útil(B). Todos os D são B.

A estafeta(E) é uma prova da natação (D); Todos os E são D.

A estafeta(E) é útil (B) Todos os E são B.





Exemplo que Polissilogismo regressivo:



“Tudo o que se move é um corpo;

Ora, o ar move-se;

Portanto, o ar é um corpo.

Mas todo o corpo é pesado;

Logo, o ar é pesado.

Mas o que é pesado cai no vazio;

Logo, o ar cai no vazio.”





iv – Sorites: é uma espécie de polissilogismo abreviado no qual se subentendem as conclusões intermediárias, sendo a ligação dos extremos obtida através de vários termos médios. O termo Sorites vem do grego, e significa acumulação. Pode também ser progressivo ou regressivo.



No Sorites regressivo (ou aristotélico) o predicado da 1ª. Premissa é o sujeito da 2ª.; o predicado da 2ª. é o sujeito da 3ª. e assim sucessivamente até a conclusão que une o sujeito da 1ª. com o predicado da penúltima. Ex.:



Todo o ruminante é herbívoro; A é B

Todo o herbívoro é mamífero; B é C

Todo o mamífero é vertebrado; C é D

Todo o ruminante é vertebrado. A é D







No Sorites regressivo o sujeito da 1ª. Premissa torna-se predicado da 2ª. ; o sujeito da 2ª. É predicado da 3ª. E assim sucessivamente até à conclusão em que se ligam o sujeito da penúltima com o predicado da 1ª. Ex.:





Todo o mamífero é vertebrado; C é D

Todo o herbívoro é mamífero; B é C

Todo o ruminante é herbívoro; A é B

Todo o ruminante é vertebrado. A é D





b) Silogismos Hipotéticos

os Silogismos Hipotéticos são aqueles em que a premissa maior não afirma nem nega de modo absoluto, mas afirma ou nega sob a condição ou estabelecendo uma alternativa. E pode ser: condicional, disjuntivo e conjuntivo.



i) Silogismo Condicional: é aquele em que a premissa maior é uma proposição condicional dividida em duas partes: condição e condicionamento. Nas suas formas legítimas apresenta-se positivamente ou negativamente.



a) Forma positiva (ou modus ponens) a condição é enunciada na premissa menor e segue-se a afirmação do condicionamento na conclusão. Ex.:

Se Pedro como, engorda; Se A então B

Ora, Pedro como; A

Então, Pedro engorda. B



b) Forma Negativa (ou modus tollens) nega-se o condicionamento na premissa menor e, simultaneamente, nega-se a condição na conclusão. Ex.:

Se Pedro como, engorda; Se A então B

Ora, Pedro não come; não A

Então, Pedro não engorda. não B



ii) Silogismo Disjuntivo: é aquele em que a premissa maior apresenta-se em alternativa; a menor afirma ou nega um dos membros; a conclusão nega ou afirma o outro. Apresenta-se igualmente sob dois modos legítimos:



a) Ponendo- tollens

Ou o prisioneiro escapou pela janela ou escapou pela chaminé;

Como ele escapou pela chaminé,

Então, não escapou pela janela.



b) Tollendo- ponens

Ou o prisioneiro escapou pela janela ou escapou pela chaminé;

Como ele não escapou pela chaminé,

Então, não escapou pela janela.



iii) Silogismo Conjuntivo: é aquele em que a premissa maior diz que dois predicados não podem pertencer simultaneamente a um mesmo sujeito. Apresenta-se também sob dois modos: um legítimo (ponendo-tollens) e outro ilegítimo (Tollendo-ponens).



a) Ponendo-tollens:

Lurdes Mutola não pode ser simultaneamente maputeca e beirense;

Como Lurdes Mutola é maputeca;

Então, não é beirense.



b) Tollendo-ponens:

Lurdes Mutola não pode ser simultaneamente maputeca e beirense.

Como Lurdes Mutola não é beirense;

Então, é maputeca.





c) Dilema

Dilema é um raciocínio hipotético –disjuntivo. Na sua forma corrente é formado por uma proposição disjuntiva e por duas proposições hipotéticas que enunciam que, qualquer que seja a possibilidade escolhida, a consequência é a mesma. Podemos dizer que estamos perante a famosa espada de dois gumes. É muito usado nas situações de discussão uma vez que o adversário é forçado a optar.



Ex.1: Dilema do Solteirão:



Ou caso com uma mulher bonita ou caso com uma mulher feia;

Se ela for bonita, sou atormentado pelo ciúme, portanto, não devo casar-me;

Se ela for feia, a sua companhia é insuportável, portanto não devo casar-me;

Em qualquer caso, não devo casar.



Ex.2: Na história romana, ficou célebre o dilema de Tertuliano a propósito do decreto de Trajano em resposta à Plínio, o Moço, no qual se proibia procurar os cristãos e ao mesmo tempo se ordenava fossem condenados se encontrados:



Ou os cristão são malfeitores ou são inocentes;

Se são malfeitores, o decreto é injusto porque proíbe procurá-los;

Se são inocentes, o decreto é injusto porque ordena que sejam condenados;

Em qualquer caso o decreto é injusto.



Os dilemas revestem muitas vezes formas enganadoras porque a disjunção sobre que se fundam não esgota todas as possibilidades. Por isso há regras fundamentais a respeitar. Apesar das regras, é extremamente difícil encontrar um dilema perfeito. Eis a seguir algumas regras do dilema:



i) A disjunção deve ser completa. (se assim não for, o adversário tem sempre saída!)

ii) A refutação de cada uma das hipóteses deve ser feita validamente para que o opositor não possa negar as consequências.

iii) A conclusão comum deve ser a única que pode ser deduzida, caso contrário o dilema pode ser contestável.





d) Falácias

Todos nós sabemos por experiência própria que, quando raciocinamos, cometemos por vezes alguns erros: às vezes erramos de propósito com a intenção de enganar os outros; outras vezes erramos sem dar conta.



No primeiro caso, como temos a intenção de enganar, diz-se que tal raciocínio é um Sofisma. Podemos definir o Sofisma como um raciocínio erróneo que se apresenta com a aparência de verdadeiro. O nome deriva dos sofistas (séc. V a. C.), filósofos gregos de quem Platão e Aristóteles faziam publicidade negativa, dizendo que eram peritos nestes tipos de argumentos. Embora o exemplo seguinte ilustre isso mesmo, é preciso não esquecer que estes filósofos tiveram, contudo, um papel muito importante na transformação do pensamento grego.



“- Um número pode ser simultaneamente par e ímpar?

- Não, certamente.

- Contudo, 5 é 3 e 2?

- Sim.

- Ora, 3 não é ímpar e 2 par?

- Sim.

- Portanto, 5 é simultaneamente par e ímpar.”



No segundo caso, as regras de inferência correcta são infringidas (= violadas), mas não há intenção de enganar o nosso interlocutor. O erro não é premeditado. Neste caso falamos de Paralogismo.



À primeira vista, no primeiro caso actuamos de má-fé e no segundo caso actuamos de boa-fé, pois erramos inadvertidamente. Mas a distinção entre boa-fé ou má-fé não é critério lógico, mas sim um critério moral. É sempre extremamente complicado saber as intenções dos outros!

Sendo assim, Sofisma e Paralogismo são, do ponto de vista lógico, raciocínios mal conduzidos. A estes raciocínios errados com aparência de verdadeiros, costuma também chamar-se Falácias ou Argumentos falaciosos. O termo Falácia deriva do verbo latino fallere que significa enganar. Uma Falácia, literalmente, será um raciocínio que engana.

Em qualquer Falácia ocorrem dois elementos essenciais: uma verdade aparente (que dá ao argumento uma certa capacidade de convencer e que leva os incautos ao equívoco); um erro oculto(elemento desordenado do raciocínio que leva a que se tirem conclusões falsas, a partir de uma verdade. Esse elemento pode ser a ambiguidade dos conceitos, o salto do particular para o geral, o tomar o relativo como absoluto, o parcial como total, o acidental como essencial, etc.)







Os raciocínios erróneos podem ter duas causas:

a) uns são frutos de má ou incorrecta expressão das ideias – são os sofismas de palavra ou sofismas verbais.

b) Outros são fruto do nosso conhecimento imperfeito das coisas ou do mau uso das ideias sobre as coisas - são os sofismas de ideias ou sofismas mentais ou de conceito.



Esta divisão é clássica, a mais divulgada. Convém, no entanto, que se diga que não há uma classificação das falácias que seja aceite universalmente e por isso foram propostas outras divisões. Que fique, portanto, claro que os exemplos dados a seguir não esgotam a matéria!



Sofismas com Palavras

i) Equívoco ou Falácia da Equivocação: acontece sempre que ao raciocinar se toma a mesma palavra em dois sentidos. Já vimos anteriormente que podemos, erradamente, construir silogismos de quatro termos. Exs.:



- O touro muge; - O que se levanta está sentado;

o touro é uma constelação; O que se levanta está de pé;

uma constelação muge. Logo, o que está sentado está de pé.



- Ela não é uma mulher rica, é uma rica mulher!



ii) Falácia da Composição: consiste em juntar palavras que devem ser tomadas separadamente. Toma-se como um todo indistinto e indiviso o que na realidade é distinto e é dividido. Ex.:



Nem esta nem aquela falta às aulas me reprovam;

Logo, nenhuma falta às aulas me reprovam.



iii) Falácia da Divisão: é o contrário do anterior sofisma. Consiste em separar palavras que devem estar juntas. Toma-se como parte algo que na realidade é indivisível. Ex.:



Cinco (5) é simultaneamente para e ímpar porque é 2 e 3.



iv) Falácia da Metáfora: quando se toma a figura pela realidade, isto é, quando se passa do sentido figurado para o sentido real. Ex.:



Magic Jonhson é tão certeiro como uma máquina; Magic é uma máquina.



v) Anfibologia: quando temos uma frase com duplo sentido, em resultado de uma construção viciosa. A palavra Anfibologia significa, do grego, literalmente, dicção ambígua. Estas frases são famosas deste a antiguidade. Exs.:



Toda a mulher ama um homem; Vende-se ‘pastor alemão’;

Joana ama Pedrito; Come de tudo;

Toda a mulher ama Pedrito. Gosta muito de crianças.





B) Sofismas nas Ideias ou Conceitos

Estes dividem-se em sofismas de indução ilegítima e sofismas de dedução ilegítima, consoante sejam derivados de uma induções incorrecta ou de uma dedução incorrecta. Devemos examiná-los sob o ponto de vista da matéria e da forma.



a) Sofismas de indução ilegítima

i) Falácia de analogia: consiste em concluir de um objecto para outro ignorado as diferenças e considerando apenas as semelhanças. Exs.:



Os insectos não têm ossos; As aves cantam;

A minhoca não tem ossos; Os tenores cantam

A minhoca é um insecto. Os tenores são aves.



ii) Falácia do acidental: consiste em tomar o que é acidental pelo que é essencial e vice-versa. É o exemplo típico da generalização abusiva. Exs.:



Rui Veloso é branco; Este remédio não me fez efeito;

O branco é uma cor; A medicina é uma mentira.

Rui Veloso é uma cor.



iii) Falácia de ignorância da causa: acontece quando tomamos por causa de qualquer coisa um simples antecedente ou qualquer circunstância acidental. Exs.:



Depois do cometa houve uma epidemia; Sem cérebro não podemos pensar;

Portanto, os cometas causam epidemias. Logo, o cérebro é a causa do pensamento



iv) Falácia de enumeração imperfeita: quando atribuímos ao todo aquilo que só é verdade de algumas partes. Exs.:



Este e aquele árbitro são corruptos; todos os árbitros são corruptos.



b) Sofismas de dedução ilegítima:

Podem ser formais (quando o erro afecta a forma do raciocínio)



i) Falácia de Conversão: quando se faz conversão de proposições sem respeitar as regras de conversão. Ex.:



O pobre pede; quem pede é pobre.



ii) Falácia de oposição: o mesmo se passa relativamente à oposição. Quando não se respeitam as regras de oposição, só podemos concluir erradamente. Ex.:



Todo o político é honesto; nenhum político é honesto.







iii) Sofisma do Silogismo: quando não se respeitam as regras do silogismo ou quando se usa um esquema formal não válido. Exs.:



Se todo o português é alegre; As margaridas são flores;

Se todo o espanhol não é alegre; Algumas mulheres são Margaridas;

Então, todo o espanhol é português. Algumas mulheres são flores.



Podem ser materiais (quando o erro resulta da matéria do raciocínio)



i) Petição do Princípio: acontece quando se resolve a questão com a própria questão, ou seja, supor acordado ou provado precisamente o que está em questão. Apresenta-se cmo premissa algo que só se justificaria como conclusão. Exs.:



O remédio cura porque tem virtudes curativas.

O que é a História? É a ciência dos factos históricos.

O teu acto é injusto porque é condenável; o teu acto é condenável porque é injusto.



ii) Círculo Vicioso: guarda alguma semelhança com a petição de princípio. Consiste em partir de uma afirmação, concluir dela diversas conclusões, para terminar afirmando de novo a afirmação inicial como se tivesse sido demonstrada. É provar A por B e B por A. Um exemplo clássico encontrámo-lo em Descartes:



Prova a existência de Deus com base nas ideias claras e distintas; fundamenta as ideias claras e distintas com base na existência de Deus.



iii) Ignorância da questão: consiste em afastar a questão mais rápido possível, para ver se ela esquece ou em provar aquilo que verdadeiramente não está em questão. É muito frequente nos tribunais e até em alguns membros da classe política. Ex.:



No tribunal um advogado está apostado em provar que X é um cidadão respeitável, bom pai, bom marido, etc., para desviar as atenções das acusações que pesam sobre X.



C) Outros casos de argumentação falaciosa

i) Argumento ad hominem: consiste em atacar o adversário, sem, contudo, discutir o que está em causa. Ataca-se o homem e não as suas ideias. É o tipo de argumento que, em vez de apresentar razões adequadas ou pertinentes contra uma determinada opinião, se limita a refutar tal opinião censurando a pessoa que a defende. O ataque pode ser feito em função da idade, da raça, do seu passado político, dos seus hábitos e costumes, da religião que professa, etc. Exs.:



- Este senhor diz que presenciou o crime! Mas que confiança nos pode merecer um bêbado?



- Agradecemos muito os conselhos do presidente do seu partido! Mas ele é ainda muito novo! Que cresça e apareça!





11. A FILOSOFIA AFRICANA



11.1. O Estatuto da Oralidade e a Filosofia em África



Uma das questões mais discutidas entre os pensadores africanos é a questão do Estatuto da Oralidade tradicional africana. A questão é: podem considerar-se filosofo os provérbios, contos tradicionais, dizeres dos sábios africanos, entre outros? Ou melhor, será que os mesmos expressam conteúdos que se podem considerar filosóficos?

Uma outra questão que deriva e depende da resposta a esta pergunta é a seguinte: qual é a função dos filósofos educados profissionalmente perante estes dizeres e provérbios tradicionais?

Entre os filósofos africanos de hoje parece haver duas escolas básicas de pensamento a cerca deste tema: a primeira sustenta que a filosofia africana é um pensamento especulativo que subjaz no provérbios, nas máximas, nos costumes, etc., que os africanos de hoje herdaram dos seus antepassados através da tradição oral. Portanto, a função do filósofo, pelo menos no que refere a filosofia africana, é a de coleccionar, interpretar e difundir os provérbios, contos folclóricos mitos assim como outro material deste tipo. Os representantes mais distintos desta escola é John Mbiti, autor do livro African religions and philosophy (1969).



Um outro aspecto que os filósofos africanos tem debatido é o que parece sustentar que em África, embora exista filosofia, não há filósofos; quer dizer, em África, a filosofia é integralmente colectiva, comunal e não uma actividade individual.

Embora esta leitura possa caracterizar os tempos idos, dificilmente corresponde à situação da África contemporânea. Esta é, pelo menos a visão da segunda escola de pensamento a qual sustenta que, hoje em dia, a filosofia africana, ocupa-se também dos desenvolvimento modernos no conhecimento e na reflexão. Defende que a filosofia africana é o resultado do pensamento abstracto de pensadores africanos individuais, tanto tradicionais como modernos. E, sob este ponto de vista, a filosofia é dada como sendo uma reflexão racional e critica sobre as ideais e os princípios mais fundamentais que subjazem ao pensamento, no que se refere à vida humana e seu ambiente.

Este enfoque da filosofia africana também não considera a interpretação do pensamento comunal tradicional como sendo uma realização adequada à função critica da filosofia. Em contrapartida, acentua a importância do debate e a invitalidade do pluralismo. Paulin Hountondji, um dos propulsores mais activos desta segunda escola, tem insistido neste aspecto da questão, particularmente no seu livro African philosophy, Myth and Reality (1974).

Hountondji dá ênfase especial à importância que tem a escrita na criação de uma tradição filosófica moderna. A filosofia africana, segundo este autor, é um tipo de literatura produzido por africanos e que versa sobre problemas africanos. Ele sublinha o aspecto critico e racional da filosofia.

Um elemento importante para Hountondji tem haver com o facto de ele não conceber as obras etnofilosoficas sobre visões tradicionais africanas como filosófica, a menos que elaboradas por africanos. Assim tanto a obra Bantu philosophy, escrita pelo missionário belga Placide Tempels, como African religions and philosophy , de Mbiti, pertencem ao conjunto de obras etnofilosóficas. No entanto, só esta última, segundo Hountondji, pode considerar-se parte da filosofia africana. Por outro lado, uma obra filosófica de um africano não necessita versar sobre um tema exclusivamente africano para merecer a qualificação de africana. Em filosofia, o problema africano pode muito bem ser universal.

Entretanto, este último argumento de Hountondji foi objecto de certas críticas. Por exemplo, Odera Oruko referiu que desde um escrito se ajuste organicamente a tradição filosófica de um pais ou região ( e aqui o antropológico), o mesmo pode considerar-se parte da tradição filosófica, independentemente da nacionalidade do autor. Do mesmo, que pode ocorrer que a filosofia de um nativo de um determinado pais não tenha nenhuma relação significativa com as tradições filosóficas do seu país. Em resumo, a filosofia africana será produto dos pensadores africanos, sem excluir a participação de pensadores não africanos .

Voltando a Oruka, ele destaca um aspecto da filosofia africana que se reveste de grande importância, nomeadamente, os sábios, alguns dos quais estão destinados a converter-se em filósofos, têm a sua própria racionalidade elaborada para sustentar as suas doutrinas e seus pontos de vista. E tais razões, dada a paciência e a dedicação tal como a de um filosofo investigador de formação profissional, podem ser extraídas dos sábios e redigidas em forma de literatura filosófica. O facto de que em África haja pessoas capazes de reflexão crítica sobre os problemas fundamentais da experiência humana e da existência em geral, mostra que a noção da filosofia africana, como um corpo de pensamento necessariamente colectivo, resulta inadequada.

Como é sabido, estes sábios-filósofos são capazes de submeter a crítica e modificação filosóficas, filosofias folk de suas próprias comunidades. Amiúde (= continuamente), têm também as suas próprias ideias. Os primeiros estudiosos da filosofia africana, parecem ter-se conformado com a informação relativa à visão folk no mundo de diversos povos africanos, e quem lhes dava a informação, era considerada como mera informante. A informação reunida desta maneira foi classificada sem discussão como “filosofia africana”, o que originou a impressão de que esta filosofia é um corpo monolítico de crenças racionalizadas, e nada mais. A filosofia africana construída desta maneira tem enfrentado objecções variadas por se identificar com a filosofia tradicional, e deixa de lado os esforços que na África moderna se realize neste campo, o que tem consequências prejudiciais. Só se tem tomado em consideração um tipo de filosofia tradicional, a chamada comunal ou colectiva. Entretanto, há um nexo íntimo entre os pensamentos dos sábios-filósofos tradicionais e a visão comunal do mundo seu povo. Geralmente, a filosofia comunal proporciona o ponto de partida aos sábios-filósofos.

Na opinião de Kwasi Wiredu, um filósofo queniano, o pensamento africano tradicional contém elementos que são filosóficos, no sentido em que tenta dar resposta a algumas das interrogações fundamentais relacionadas com o homem e o mundo. Na realidade, se em vez de perguntar pela existência de uma filosofia africana, qualquer resposta que não fosse afirmativa teria demonstrado extraordinária ignorância ou falta de capacidade de reflexão, ou ambas as coisas.



Outra pergunta, menos directa mas urgente, é a seguinte: podemos falar de filosofia africana como algo pertinente para o mundo contemporâneo?



Ao tentar responder a esta pergunta, depara-se com a seguinte comparação semática: em toda a sociedade em que haja uma tradição desenvolvida de filosofia escrita, toda a referência de filosofia desta sociedade é considerada normalmente como numa simples referência a essa tradição. Assim, “filosofia britânica” significa a tradição britânica de filosofia escrita, não o conjunto de atitudes e preconceitos que uma pessoa média nascida na Grã Bretanha adquire através da sua educação informal e cuja visão é ortorgada por um “selo” que poderíamos chamar britânico, à diferença, por exemplo, do francês. Há numa utilização comparável da expressão “filosofia africana”? A resposta é que as condições desta utilização estão criando lentamente, embora não tenha alcançado o seu pleno florescimento em toda África. Na maior parte da África subsahariana, só agora é que está ganhando corpo uma tradição de filosofia escrita. É justamente esta a concepção de filosofia africana que Hountondji defende.



11.2. Filosofia Moral Africana



Parece um facto entre os seres humanos o progresso técnico geralmente a vantagem o programa moral. Uma ideia recorrente é a de que o pensamento filosófico duma sociedade tradicional pode dar lições de índole moral a sociedade mais industrializada. Em estreita relação com isto encontramos outra consideração, que se refere a orientação colectiva do pensamento tradicional.

É bastante claro que um dos aspectos mais duros da vida nos países industrializados é o que se liga intimamente com o seu bem conhecido individualismo. É razoável esperar que um exame crítico do individualismo no contexto de um estudo acerca da filosofia colectivamente orientada poderia criar instituições e lições úteis para os povos comprometidos na busca da industrialização, como sucede em África, inclusive para os já muito avançados neste processo. Não é exagerado dizer que tanto o comunalismo como o individualismo podem ter virtudes e defeitos. Mas é provável se cada um destes modos de vida e de pensamento se estuda exclusivamente a partir do outro, a sua apreciação objectiva se veja seriamente obstaculizada. Assim do estudo da filosofia africana tradicional, em simultâneo com os sistemas de filosofia moderna, é provável que resulte numa benéfica profundeza de perspectiva

Há que observar que o problema analisado nesta secção praticamente não se verifica nas regiões árabes da África, onde existe uma tradição sólida da filosofia escrita, isto é, a filosofia islâmica. Apenas resta alguma dúvida do significa a expressão “ filosofia islâmica”. Na verdade, existe um problema acerca da fusão da tradição islâmica com os desenvolvimentos modernos do pensamento filosófico, problema que foi analisado pelo professor Wahba na conferência de Nairobe, na sua apresentação intitulada Ensinamentos da filosofia e investigação filosófica no Egipto e África do norte. Porém, este é outro problema. A Etiópia constitui um caso especial. Há, neste país, uma certa tradição de filosofia escrita cujo conhecimento está aprofundado hoje em dia, graças a obra do professor Sumner, da Universidade de Addis Abeba.









11.3. As principais Correntes da Filosofia Africana



A investigação filosófica em África tem quatro orientações:

Etnofilosofia;

Filosofia cultural africana;

Filosofia política africana.



Em nenhuma parte do mundo, muito menos em África, as divisões rígidas são justa conta da riqueza, da variedade e da unidade das realidades. É impossível distingir com clareza, por exemplo, o que é puramente filosófico no sentido clássico e o que pertence mais propriamente à etnologia ou antropologia puras, aos estudos da religião, à estética, aos estudos artísticos. O mundo mítico da África tradicional caracterizou-se pela sua perspectiva unitária de todas as coisas. Analogicamente, na maior parte dos escritos culturais e mais ou menos existencialista, resulta amiúde difícil, senão impossível, distinguir claramente entre filosofia política e filosofia cultural. Uma quantidade importante de obras filosóficas etíopes tem muito marcada a importância do cristianismo etíope, em geral, e do maniqueísmo etíope em particular.



a) Etnofilosofia: Com base numa quantidade mais ou menos fiável de informação relativa às tradições, rituais, sistemas de crenças, mitos e linguagem africana, as investigações recentes tem tentado construir uma visão do mundo. Alguns concetraram a sua atenção em aspectos individuais desta visão do mundo: o conceito do homem, a moralidade, a vida depois da morte, Deus, etc. outros limitaram-se a investigar a visão do mundo ou a um aspecto dela numa tribo e num grupo étnico particular. E outros ainda tentaram realizar uma síntese que assinala superficialmente as linhas comuns dum amplo espectro de filosofias africanas. Bantu philosophy, de Placide Templs, African Religions and Philosophy, de John Mbiti, African Traditional Religion, de D. G. Parrinder, Africans Systems of thought, de M. Fortes, etc. são alguns intentos nessa direcção.

O enfoque do linguista é ligeiramente distinto. Pela natureza das coisas, esta investigação vê-se limitada a um dado grupo. Uma análise cuidadosa e bem informada do vocabulário e da gramática de uma determinada língua pode levar a uma compreensão do marco conceptual e do modelo de pensamento lógico de um povo. Um exemplo típico deste enfoque é o de Alexis Kagame em La Philosophy Bantu Comparée.

Por seu turno, Cheik Anta Diop, estabelece a origem predominantemente egípcia da cultura africana, e contrariamente a cultura africana (negra) da maior parte da cultura egípcia. Ele argumenta que a civilização universal foi essencialmente uma civilização africana negra. Não só descobre muitas semelhanças entre o Antigo Egipto e as culturas africanas negras, como também encontra, pontos comuns entre as línguas faraónicas antigas e as línguas africanas modernas. Sustenta ainda que as civilizações europeias (grega e romana) derivam do Antigo Egipto.

A crítica que se lançou contra a Etnofilosofia, é muito conhecida a partir das obras de Paulin Hountondji. A objecção fundamental é a de que, a não ser quando se consiga mostrar certas contribuições distintivamente africanas para a civilização humana, a Mitologia não é Filosofia. A Filosofia começa onde a opinião e a sabedoria popular terminam, já que ambas são uma concepção acrítica da tradição e da autoridade dos costumes. A Filosofia supõe a emergência do ‘logos’ e da escrita a partir da oralidade e do mito. A Filosofia é a empresa de um sujeito autónomo que não está totalmente imerso no grupo ou no mundo.

Duma ou doutra maneira, não resta dúvida de que, enraizadas no solo fértil da tradição e da história, estes enfoques nos proporcionam uma rica análise descritiva da sabedoria do povo. Na medida em que há muitos povos em África, em consequência disso, há mais de um tipo de concepção africana do mundo.



b) Filosofia Cultural Africana: (Filosofia da autenticidade africana, a Identidade africana e a Negritude): os sábios africanos da antiguidade definiam as bases culturais para uma Filosofia africana. O seu esforço na actividade sapiencial chegava a ser Filosofia, porque faltava-lhe o enfoque sistemático e crítico da Filosofia propriamente dita, e, simultaneamente, era mais que Filosofia, uma vez que não apontava simplesmente ao intelecto humano, mas à Pessoa inteira.

Esta particularidade cultural de África, juntamente com o impacto sócio- político do racismo, da escravatura e do colonialismo ocidentais, criaram uma situação sócio- cultural e existencial muito peculiar aos africanos de hoje, na medida em que forem alienados da sua identidade cultural colectiva. Numerosos filósofos africanos dedicaram-se a investigar este mistério da identidade africana e descrever o significado de ‘ser negro no mundo’.

A primeira forma de rebelião contra a alienação cultural tomou a forma de ‘Filosofia da Negritude’. Leopold Senghor observa que houve, verdadeiramente, no começo da elaboração desta filosofia, um “racismo anti- racista”. Esta atitude negativa centrou as suas energias na tentativa de repulsar o racionalismo frio e deshumano do Ocidente, contrapondo-lhe o calor, o ritmo, o alento humano e a emoção do africano. A Negritude apareceu numa época historicamente propícia, pois na Europa também Bergson desafiava o intelectualismo puro à luz de uma luta que mais tarde foi continuada por Blondel e pelos existencialistas.

A Negritude é a totalidade dos valores da civilização- culturais, económicos, sociais e políticos- que caracterizam o povo negro, ou mais exactamente, o mundo negro africano. É uma razão intuitiva, que penetra todos estes valores, porque é a razão das impressões, razão “capturada”. Expressa-se nas expressões, emoções, através do abandono do Eu e da identificação com o objecto, através do mito, ou seja, por imagens – arquétipos da alma colectiva, especialmente pelo mito primordial, em harmonia com o universo. Noutros termos, o sentido da comunhão, o dom da imaginação, o dom do ritmo, etc., essas são as marcas da Negritude que encontramos como selo indelével em todas as obras e actividades do homem negro.

Assim, Senghor atribui ao homem negro as qualidades mentais que a Filosofia contemporânea, pelo menos na Europa, começou a exaltar em oposição à ênfase exagerada nos empenhos nacionalistas e científicos. Entretanto, o movimento da Negritude não esteve isento de críticas, e vozes discordantes. A oposição surgiu destes três pontos: 1) O racismo inerente à negritude; 2) o romanticismo que vê a “idade de ouro” no passado e não quer viver o presente; 3) A índole alheia à prática que é própria da negritude, pois chega aos africanos perante os problemas sócio- políticos de hoje e os afasta da luta pela independência e do progresso económico.



As diversas reacções dos escritores africanos a favor ou contra o conceito de Negritude são um condimento útil para um importante debate filosófico que ainda continua. Por válidas que possam ser estas críticas, não diminuem praticamente nada a significação filosófica empresa de Senghor, nomeadamente a afirmação da concepção distintivamente africana do universo. Em todo o caso, um importante grupo de autores da África de hoje, trata de construir, sob as bases das tradições do passado e da experiência colonial mais recente, uma identidade africana para o presente e uma ideologia para o futuro. Estes autores compartilham a ideologia comum, ainda que se expresse de diversas maneiras. Essa ideologia se resume de no esforço para descobrir os elementos típicos que constituem a personalidade africana, sua africanidade e sua autenticidade.



c)Filosofia Política Africana – o outro grupo de pensadores africanos não estavam preocupados com a busca de identidade africana, mas sim por serem figuras políticas, com a criação de um fórum socio-económico e político para África, centram-se na filosofia política e é relativamente pouco o que dizem acerca dos problemas filosóficos mais amplos.

Esta é por excelência a orientação africana na filosofia defendida por Wiredu, não de uma maneira peculiarmente africana, mas sobre os problemas correntes africanos. A sociedade africana esta comprometida num impulso determinado, embora difícil, face a modernização e as mudanças sociais. Mas os seus recursos são limitados. Refere-se a políticos escritores, tais como: Kwame Nkruma, Julius Nyerere, Kheneth Kaunda e Albert Lithuli. Uma vez mais, excepção deve ser feita a Senghor, que além de política, é poeta e filosofo por direito próprio. Nos seus discursos, seus artigos e ocasionalmente nos seus livros, estes políticos africanos contemporâneos têm reflectido sobre o futuro do seu próprio povo e tem dado expressão as aspirações das nações.

Por outro lado, estes escritores encontram-se numa situação politicamente privilegiada, pois no meio do povo predominante analfabeto ou sem educação, tem um horizonte muito mais amplo para a criatividade dos políticos-sábios (“filósofos- reis”) de Platão. Posto que uma análise e uma crítica da filosofia política de qualquer um dos políticos escritores mencionados cairia fora dos limites e do alcance deste capítulo, pois os seus pontos de referencia são, simplesmente, o socialigismo.

Talvez o elemento mais típico da teoria política e económica de grande validade e pertinência para os estados africanos de recente vida independente, é, e deve ser, alguma forma de socialismo. Esta afirmação tem duas razões fundamentais; por um lado: o socialismo esta esraizado no próprio passado africano, na sociedade que nos produz; o socialismo africano moderno pode extrair da sua herança tradicional o reconhecimento da sociedade como uma extensão de unidade familiar.

Por outro lado: há nas tradições africanas uma concepção de riqueza como algo ao serviço da comunidade, mais do que em proveito do indivíduo.

Nenhum indivíduo deverá explorar o seu próximo sob o argumento de ser detentor de maior riqueza. O capitalismo nunca predominou verdadeiramente na sociedade tradicional africana. Nos tempos antigos os africanos jamais tinha aspirado à posse da riqueza pessoal a fim de dominar os seus próximos. Portanto, cabe ao africano, o dever de reeducar-se e reconquistar a actividade mental anterior.



d)Negritude: a negritude é um conceito que passa a ser utilizado pêlos critérios africanos a partir dos anos 30 , como reacção à rigorosa tentativa de assimilação de poder da colonização francesa.

Para Jean Paul Sartre, a negritude aparece como tempo fraco duma progressão dialéctica, contra a afirmação teórica e pratica da supremacia do branco. E, ainda, a negritude não é um objecto final, mas um princípio para atingir um objecto.

A negritude surge entre os negros americanos de diversas formas e tomando variados nomes: Regresso à África (Marcus Garvey); Desenvolvimento Sagrado (Booker T. Washington); movimento do Renascimento Negro (W.E.B. du Bois).

Em 1913 um grupo de antilhanos em Paris, sob a orientação de Etiene Lero, editava a revista “Légitime Défense” , que era um manifesto contra a assimilação (literária, cultural, religiosa e política) de que sofria o mundo colonial. Dois anos depois, era publicado um jornal “L’étudiant Noir” que seria o princípio da Negritude. Todo o espírito de movimento é- nos dado na poesia de Aimé Cesaire “Cahier dún Retour au Pays Natal”, que se considera o hino da Negritude e do homem negro.



Quanto a questão da sua significação, de acordo com os seus objectivos, e organizado cronologicamente, a Negritude pode resumir-se em:



i) Negritude: Sofrimento e Revolta = neste contexto, está preconizado o desafio do processo de resistência, bem como a questão da identidade. Pelo que, restituir à África o orgulho do seu passado, afirmar o valor das suas culturas, rejeitar a assimilação que tanto contribui para sufocara sua personalidade, são algumas das questões principais. Além disso, também se pode resumir em: ‘identidade’, ‘fidelidade’ e ‘solidariedade’.



ii) Negritude: Política e Independência Nacional = aqui a sua significação é susceptível de se enquadrar no contexto das lutas de libertação nacional, da aspiração pela conquista da independência dos povos que estavam sob o jugo colonial. Pelo que, a criação do poema e outras manifestações artístico- culturais tornou-se, em última instância, um acto político, enquanto expressão de revolta contra a ordem colonial, imperialista e racista.



iii) Negritude: Cultura e Humanismo = nesta esfera, a problemática reside no repúdio ao ódio e busca de soluções através do diálogo com as outras culturas. O negro não tem a intenção nenhuma de isolar-se do resto do mundo, como algumas fontes dizem. Pelo contrário, destaca-se o objectivo de contribuir para a construção de uma sociedade pluralista. Enfatizando tal sentimento, urge citar a famosa frase de Sartre que sustenta que: «... a Negritude tende a preparar a síntese ou realização do humano numa sociedade sem raças.»



iv) Negritude Antropológica: Revolução Socialista = depois da famosa Revolução Socialista, muitos países africanos ascenderam a independência e optaram por se desenvolver segundo a orientação socialista. Procedimento que se tornou um erro porque a transposição de modelos de desenvolvimento da Europa para a África constitui um fenómeno que não só veio a criar contradições no seio das próprias sociedades africanas como também contribuiu para a fragilidade das suas estruturas, cujas consequências se sentem até aos presentes dias.



v) Negritude: Motor de desenvolvimento humanitário = a Negritude é também vista como um novo desafio em busca da africanidade. Isto é, um convite à mudança gradual consciente das atitudes do africano de modo a imprimir uma nova dinâmica de pensamento e entendimento. Nisto é preciso recordar que o problema reside, em parte, nos próprios africanos pelo que nada vale a política acusatória da colonização e outros sistemas nocivos à digna evolução da história humana. Os africanos devem voltar-se a eles mesmos, partido do conceito de terem sido colonizados, aculturados, desprezados, pilhados, não se afigura tarefa fácil, em virtude de termos assimilado o que foram ensinados (a fuga de si mesmo). Assim, impõe-se à Negritude o dever de buscar na reflexão objectiva o discurso filosófico político capaz de apresentar um novo desafio em busca da africanidade, onde a exaltação da condição de ser negro actua como uma possibilidade de o negro encontrar-se consigo mesmo, de valorizar-se e de impor-se para ser valorizado por outras comunidades. A Negritude nunca deve ser entendida como uma arma de luta contra o branco e muito menos contra o Ocidente (pois tal ideia reflectiria numa auto- negação, ou uma autossufocação), mas sim, tem de surgir alternativa para que o negro volte a encontrar-se consigo mesmo, pelo que deve ser concebida como um contributo na mudança de atitudes, devendo proporcionar a busca de caminhos para a saída do negro da situação em que se encontra, caracterizada por esperar que tudo venha de fora. A Negritude deve encorajar o negro a não ter medo de ser negro, porque ser negro não é nenhum castigo. É porem um novo desafio para a busca da africanidade, não deve contemplar as posições racistas e nem superpontualização do negro em relação a outras raças.



d) Pan- Africanismo: o seu seguimento coincide com o final de um período histórico muito triste para os africanos, o do comércio da escravos, e com o começo de uma nova época não menos lamentável, o colonialismo. Que foram grandes óbices para o desenvolvimento da África. A medida que as contradições coloniais se iam agravando, crescia a certeza da queda do sistema em vigor. Com efeito, o edifício sobre o qual ele assentava começou a tremer na segunda metade do séc. XX. Em 1900, nos EUA realizou-se o primeiro encontro de africanos, o qual marcou o começo do fim do sistema colonial. Neste encontro histórico, foi estruturada a ideologia necessária para reunir os africanos oprimidos e escravizados num movimento mundial de revolta contra os opressores (colonialismo, capitalismo, imperialismo, neocolonialismo, etc. ). a evolução histórica do Pan- Africanismo começou em 1900, atingindo o seu auge durante a 1ª GM , a qual foi acompanhada de uma nova redivisão da África entre as potências colonialistas. A situação político- económica vigente na altura tornou possível a divisão da ideologia pan- africanista a uma escala mundial, o que permitiu os africanos a lutar pelas terras perdidas, pela independência e pela livre difusão dos seu destino.





11.4. A Filosofia profissional ou académica



Em África, a Filosofia é vista como uma disciplina académica e profissional. É também vista como uma ideologia importada, ou mesmo como um assunto subversivo, isto é, perturbador. É tida como um pensamento crítico, fruto de longos anos de história, mas não como crítica de pensamento.

De acordo com Christian Neugebaur (filósofo que escreve sobre a África): «... existem três lugares possíveis para os Filósofos e a Filosofia em África: estar no Governo (defender a política governamental); estar no estrangeiro (como um grande mítico) e estar no túmulo (como um morto) ».

Num continente onde o deserto se alastra, onde os homens morrem de fome e subnutrição, é justo perguntar qual é o papel do Filósofo???

Muitos advogam que a Filosofia é algo que se estuda em livros, que se aprende através de discursos e não tem nenhuma ligação com a realidade; África não precisa de discursos, precisa antes de prática, que é o mesmo que dizer, técnicos, engenheiros, geólogos, etc.

A Filosofia como disciplina académica é relativamente nova em muitas partes da África. Neste continente, como em qualquer parte do mundo, o ser humano ou o grupo dos seres humanos, deve possuir a sua visão do mundo, isto é, ter alguma percepção geral acerca do mundo, acerca dele próprio e dos diversos membros da sociedade.

Implicitamente, existe um contraste entre os dois sentidos do termo “Filosofia”, um restrito e outro amplo. Em relação ao primeiro sentido, o restrito, a Filosofia é tida como uma técnica através da qual a visão humana do mundo é submetida a um escrutínio sistemático por rigorosos métodos nacionalistas. No segundo sentido, o amplo, a Filosofia é uma análise do mundo que resulta dessa concepção do mundo.

A distinção entre os dois sentidos da Filosofia, não deve ser tomado rigorosamente, porque tais sentidos estão contidos um no outro por graus insensíveis. Contudo, é muito importante conceber a Filosofia exclusivamente no sentido restrito, promover um cepticismo em relação a existência da Filosofia verdadeiramente africana. Por outro lado, uma resposta positiva não analítica tende a descobrir a dominação do sentido amplo da Filosofia.



Mas as questões ainda persistem: existe verdadeiramente a Filosofia Africana???; qual será necessariamente o papel do Filósofo em África???







12. OS HORIZONTES DA FILOSOFIA (Textos)



Texto 1: O que é a Filosofia hoje?

Mas o que é a Filosofia hoje? Se ele não for um trabalho crítico de pensamento sobre si próprio? Se em vez de procurar legitimar o que já sabemos, ela não consistir em procurar saber como e até onde será possível pensar de outro modo? (...) O ‘ensaio’ filosófico que é preciso entender como uma provação modificadora de si próprio (...) e não como simples apropriação do pensamento de outrém [...], é o corpo vivo da Filosofia, pelo menos no caso de ela continuar a ser o que foi outrora, isto é, uma ‘ascese’, um exercício de si no pensamento.



M. Foucault, ‘L’usage des Plaisirs’.



Texto 2: Qual é a utilidade da Filosofia?

Tenho a certeza, Lucílio, que para ti é uma verdade evidente que ninguém pode alcançar uma vida, já não digo feliz, mas nem sequer aceitável, sem praticar o estudo da Filosofia. Além disso, uma vida feliz é resultado de uma sabedoria totalmente realizada, ao passo que para ter uma vida aceitável basta a iniciação filosófica. Uma verdade evidente, todavia, deve ser confirmada e interiorizada bem no íntimo através da meditação quotidiana: é mais trabalhoso, de facto, manter firmes os nossos propósitos do que fazer propósitos honestos. É imprescindível persistir, é preciso robustecer num esforço permanente as nossas ideias, se queremos que transforme em sabedoria o que apenas era boa vontade. (...)Observa-te a ti mesmo, analisa-te de vários ângulos, estuda-te. Acima de tudo verifica se progrediste no estudo da Filosofia ou no teu próprio modo de vida. A Filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espectáculo, a Filosofia não consiste em palavras, mas em acções. O objectivo da Filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo para vida, em orientar os nossos actos, em apontar-nos o que devemos pôr de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre os obstáculos. A toda a hora nos vemos em inúmeras situações em que carecemos de um conselho: pois é a Filosofia que no-lo pode dar.



Séneca, ‘Cartas à Lucílio’.



Texto 3: Qual o momento apropriado para estudar Filosofia?

Que ninguém, porque é novo, se atrase a filosofar, ou porque é velho, desista de filosofar, pois nunca é demasiado tarde nem demasiado cedo para cuidar da saúde da sua alma. E aquele que diz que o tempo de filosofar ainda não chegou, ou que esse tempo já passou, é semelhante ao que, referindo-se à felicidade, diz que ainda é cedo para ser feliz ou já é demasiado tarde para isso. Por isso tanto o jovem como o velho devem estudar Filosofia, pois o velho manter-se-á jovem através das bênçãos que lhe advêm dos frutos das suas acções, e o jovem terá a sabedoria do velho pois não receia o que há—de vir. É, portanto, meditar sobre as coisas que produzem a felicidade pois, quando ela está presente, temos tudo, quando ela está ausente, fazemos tudo para a conquistar (...) O maior princípio da Filosofia é a Prudência. É por isso que a Filosofia, no sentido mais elevado do termo, é prudência, pois é dela que decorrem todas as virtudes: com efeito, ela ensina-nos que não é possível viver com prazer sem viver com prudência, e que não é possível viver de modo bom e justo sem viver com prazer, pois todas as virtudes são naturalmente associadas ao prazer, e viver com prazer é indissociável dessas virtudes.



Epicuro, ‘Carta a Meneceu’.



Texto 4: O que é a Filosofia?

“O que é a Filosofia” é uma dessas questões que provocam uma multiplicidade de respostas e conhece-se uma quantidade incalculável de respostas. No entanto, nenhuma delas pode ser considerada categoricamente como certa ou errada. Porquê? Porque cada um diz respeito a uma outra questão mais particular. Assim, a definição aristotélica de Filosofia não é, no fundo, mais do que a definição de Aristóteles. Mas esta, aliás como no ensino de qualquer outra Filosofia, em que medida pode ser considerada como a expressão autêntica da filosofia universal, a qual, como se sabe, evolui na história? Ora a história da Filosofia mostra que quase todos os filósofos estavam convencidos de que a sua doutrina exprimia, de maneira adequada, a essência invariável da filosofia. Portanto, se nos encontrarmos face a respostas múltiplas, a solução não pode reduzir-se à escolha daquela que pareça ser mais válida. É preciso estudar ainda essa multiplicidade específica, o que ao fazê- lo nos levará a compreender que a questão “O que é a Filosofia”, bem como as variadas respostas que ela provoca, nos obrigam a debruçarmo-nos sobre a realidade, infinitamente variada, que a Filosofia procura apreender. (...) O sentido da pergunta “ O que é a Filosofia” é solidário do sentido de todas as questões filosóficas, em geral, da situação que a filosofia conheceu durante milénios e, em grande parte, a tomada de consciência da justificação necessária da filosofia, da sua razão e ser.



T. Oizerman, ‘Problemas da História da Filosofia’.



Texto 5: Qual é a especificidade da Filosofia?

Parece-me muito razoável a afirmação de que o filósofo deve ocupar-se do conhecimento, dos valores, do homem e da linguagem. Mas por que razão somente desses objectos? Acaso já foi demonstrado por algum filósofo que não existem outros objectos para a Filosofia? ( ...) E se olharmos ao nosso redor, o mundo parece estar cheio de questões não resolvidas, questões importantes e decisivas, que pertencem a todos os campos acima referidos, mas que não são tratadas, não podem ser tratadas, por qualquer ciência particular. (...) Tudo parece indicar que a Filosofia não pode ser identificada com as ciências particulares, nem ser restrita a um campo ou objecto único. Ela é, num certo sentido, a ciência universal; o seu campo de pesquisa não é, como noutras ciências, restrito a algumas coisa limitada e determinada. Se assim é, pode acontecer, e de facto acontece, que a filosofia se ocupe dos mesmos objectos que outras ciências. Em quê, então, a Filosofia se destingue da ciência de cujo objecto se ocupa? A resposta é que ela se destingue tanto pelo método de investigação como pelo ponto de vista em que se coloca. Pelo método, porque o filósofo não está obrigado a restringir- se a qualquer dos métodos do conhecimento, que são muitos. Assim, por exemplo, não está obrigado, como o físico, a reduzir tudo a fenómenos observáveis pelos sentidos, isto é, ao método de redução empírica: pode também servir-se da intuição da realidade, e de outros métodos ainda. Além disso, a filosofia destingue- se das outras ciências pelo ponto de vista em que se coloca. Quando considera um objecto, ela encara-o, por assim dizer, sob o prisma dos limites, dos aspectos fundamentais. Nesse sentido a Filosofia é a ciência dos fundamentos da realidade. Lá onde as outras ciências param, onde sem mais indagar, aceitam os pressupostos, aí entra o filósofo e começa a investigar. As ciências conhecem – mas o filósofo pergunta o que é o conhecimento; as outras ciências estabelecem leis – o filósofo põe a questão do que seja uma lei; o homem comum e o político falam do fim e da utilidade – o filósofo pergunta o que se deve entender por fim e utilidade. Já se vê que a Filosofia é uma ciência radical - no sentido em que ela vai às raízes das questões muito mais profundamente que qualquer outra ciência; lá onde as outras se dão por satisfeitas, ela continua a indagar e a perscrutar. É, frequentemente, difícil determinar onde, precisamente, se encontram limites entre a Filosofia e uma ciência particular.



J.M. Bochensky, ‘Directrizes do pensamento filosófico’.



Texto 6: Como aprender a Filosofia?

Ao aprendiz de filósofo (ao jovem aprendiz, pretendo eu dizer, e na minha qualidade de aprendiz mais velho) rogo que se não apresse a adoptar soluções, que não leia obras de uma só escola ou tendência, que procure conhecer as argumentações todas, e que queira tomar como primário escopo a singela façanha de compreender os problemas : de compreendê-los bem, de os compreender a fundo, habituando-se a ver as dificuldades reais que se deparam nas coisas que se afiguram fácies ao simplismo, e à superficialidade do que se chama senso- comum (a filosofia é, em não pequena parte, a luta do bom senso contra o ‘senso- comum’). Ora, se o fundamental da Filosofia é de facto a crítica, e se pois a filosofia deve ser estudada, não pelo mérito das respostas precisas sobre um certo número de questões primárias, senão pelo valor que em si mesmo assume, para a cultura do espírito, a mera discussão de tais problemas, - segue-se que é ideia inteiramente absurda a de se dar a alguém uma iniciação filosófica pela pura transmissão das respostas precisas com que pretendeu resolver esses tais problemas um determinado autor ou uma certa escola. Deverá pois a iniciação filosófica assumir um carácter essencialmente crítico, e consistir no debate de problemas básicos que não seja dominado pelo intuito dogmático de cerrar as portas às discussões ulteriores; e um bom professor do lidar filosófico é como um indivíduo que nos lecciona a ginástica procedendo ele próprio como um bom ginasta, e obrigando-nos a nós a fazer ginástica; é quem nos ministra um trabalho crítico, um modelo de faina de elucidação de problemas: e por isso mesmo os problemas platónicos ( que são cantos alternados do pró e do contra, que não nos dão, muitas vezes conclusões positivas )me parecem exemplares para a iniciação cultural. Repito: seja a Filosofia para o aprendiz do filósofo, não uma pilha de conclusões adoptadas, e sim uma actividade de elucidação dos problemas. É esta actividade o que realmente importa, e não o aceitar e propagandear soluções.



António Sérgio, ‘Os problemas da Filosofia’.





Texto 7: Por que vale a pena estudar Filosofia?

O valor d filosofia deve ser buscado na sua mesma incerteza. Quem não tem umas tintas de filosofia é homem que caminha pela vida fora sempre acorrentado a preconceitos que derivam do censo- comum, das crenças habituais do seu tempo e do seu país, das convicções que cresceram no seu espírito sem o consentimento de uma razão deliberada. O mundo tende, para tal homem, a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele, os objectos habituais não erguem problemas, e as possibilidades unifamiliares são desdenhosamente rejeitadas. Quando começamos a filosofar, imediatamente caímos na conta de que até os objectos mais ordinários conduzem o espírito à certas perguntas a que incompletissimamente se dá resposta. A filosofia, , se bem que incapaz de dizer o certo qual venha a ser a verdadeira resposta às várias dúvidas que ela própria evoca, sugere numerosas possibilidades que nos conferem amplidão aos pensamentos, descativando-nos da tirania dos hábitos. Embora diminua, por consequência, o nosso sentimento de certeza no diz respeito ao que as coisas são, aumenta em muitíssimo o conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; varre o dogmatismo, um tudo ou nada arrogante, dos que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões de dúvida libertadora; e vivifica o sentimento de admiração porque mostra as coisas que nos são costumadas num determinado aspecto que o não é. Além desse dom de nos abrir perspectivas de insuspeitas possibilidades, tem a filosofia ademais o mérito – o qual é talvez o seu maior mérito- da grandeza dos objectos a que se consagra e da libertação do nosso espírito em relação aos escopos individuais e estreitos, que resulta da contemplação da tais objectos. Resumindo, agora, a discussão do valor da filosofia: a filosofia deve ser estudada, não por virtude da resposta precisa que faculte aos problemas que ela própria evoca – pois que a resposta alguma precisa pode, por via de regra, ser conhecida como verdadeira,- mas sim por virtude desses próprios problemas; porque estes ampliam as concepções que temos acerca daquilo que é possível; porque opulentam a imaginação intelectual do homem; porque fazem diminuir a arrogância dogmática que cerra à especulação o nosso espírito; e acima de tudo pelo motivo de que, pela grandeza do mundo, que a filosofia contempla, resulta engrandecido e sublimado o espírito, tornando-se capaz dessa união com o universo em que consiste afinal o seu bem supremo.



Bertrand Russell, ‘Os problemas da Filosofia’



Texto 8: Qual é a preocupação fundamental da Filosofia?

A Filosofia é diferente da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, não assenta em experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento. E ao contrário da matemática, não tem métodos formais de prova. A filosofia faz-se colocando questões, argumentando, ensaiando ideias e pensando em argumentos possíveis contra elas e procurando saber como funcionam realmente os nossos conceitos. A preocupação fundamental da filosofia consiste em questionarmos e compreenderem os ideias muito comuns que usamos todos os dias sem pensarmos nelas. Um historiador pode perguntar o que aconteceu em determinado momento do passado, mas um filósofo perguntará: “o que é o tempo?”; um matemático pode investigar as relações entre os números, mas o filósofo perguntará: “o que é um número?”; um físico perguntará de que são constituídos os átomos ou o que explica a gravidade, mas um filósofo irá perguntar como podemos saber que existe qualquer coisa fora das nossas mentes; um psicólogo pode investigar como é que as crianças aprendem uma linguagem, mas um filósofo perguntará: “que faz uma palavra significar qualquer coisa?”; qualquer pessoa pode perguntar se entrar num cinema sem pagar está errado, mas um filósofo perguntará: “o que torna uma situação certa ou errada?”. Não poderíamos viver sem tomarmos como garantias as ideias do tempo, número, conhecimento, linguagem, certo e errado, a maior parte do tempo, mas em filosofia investigamos estas mesmas coisas. O objectivo é levar o conhecimento do mundo e de nós um pouco mais longe. É óbvio que não é fácil. Quanto mais básicas forem as ideias que tentamos investigar, menos instrumentos temos para nos ajudarem. Não há muitas coisas que possamos assumir como verdadeiras ou tomar como garantidas. Por isso, a Filosofia é uma actividade de certa forma vertiginosa, e poucos dos seus resultados ficam por desafiar por muito tempo.



Thomas Nagel, ‘Uma iniciação à Filosofia’



Texto 9: Quando filosofar?

A maior parte das pessoas imagina que a prática da filosofia consiste em discutir ao alto de uma cátedra ou em fazer cursos sobre textos. Contudo a essas pessoas escapa totalmente a filosofia que podemos ver exercida ininterruptamente todos os dias, de uma maneira perfeitamente igual a si própria. Sócrates, por exemplo, não usava bancadas para colocar o seu auditório, não se sentava numa cátedra professoral, nem tinha horário fixo para discutir ou passear com os seus discípulos, pois era ao divertir-se, por vezes, com eles, bebendo uns copos, indo à guerra ou à Ágora (complexo administrativo da cidade) com eles e, finalmente, indo para a prisão e bebendo o veneno, que ele filosofava. Ele foi o primeiro a mostrar que, a propósito de tudo o que nos acontece e de tudo o que fazemos, não importa quando e onde, a vida quotidiana nos dá a possibilidade de filosofar.



Plutarco, ‘Se a Política é um assunto para os velhos’



Texto 10: Filosofar é libertar-se?

O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si próprio sem a orientação de outrem. “Sapere auge! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.



A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também porque a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem em minha vez consciência moral, um médico que por mim decide de dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é esforçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores da boa vontade tomaram o seu cargo, a superintendência deles. Depois de, primeiro terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim muito bem a andar.



É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer uma tal tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos de uso racional ou , antes, do mau uso dos seus dons naturais são as algemas de uma menoridade perpétua. Mesmo que delas se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado a este movimento livre. São, pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação de um espírito arrancar-se à menoridade e iniciar então um andamento seguro.



Mas é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça. Mas ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for dada liberdade. Com efeito, sempre haverá alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos de grande massa que, após terem arrojado de si o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem para por si mesmo pensar. Importante aqui é que o público, o qual fora antes por eles sujeito a este jugo, os obriga doravante a permanecer sob ele quando por alguns dos seus tutores, pessoalmente incapazes de qualquer ilustração, é a isso iniciado. Semear preconceitos é muito pernicioso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só muito lentamente pode chegar à ilustração. Por meio de uma revolução poderá talvez levar-se a cabo a queda do autoritarismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento. Mas para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade. Mas agora ouço gritar de todos os lados: ‘não raciocines’ – diz o oficial: ‘não raciocines mas faz exercícios!’; Diz o funcionário das finanças: ‘não raciocines, paga!’; Diz o clérigo: ‘não raciocines, acredita!’; Diz o senhor mundano: ‘raciocinai tanto quanto quiseres e sobre o que quiseres, mas obedecei!’; por toda a parte se depara com a restrição da liberdade!



Kant, “O que é o Ilumunismo?”, in ‘A paz perpétua e outros opúsculos’



Texto 11: O que é o senso- comum?

Muito antes do advento da ciência moderna, o homem adquiriu, em contacto com a natureza, os mais variados conhecimentos (...), o homem primitivo explicava os fenómenos (trovão, por exp.) como sinais de reprovação que um ser superior manifestava para com os comportamentos individuais e sociais. Ainda hoje são típicas certas explicações por meio de provérbios, crendices e superstições, sobretudo no meio rural.

Por outro lado, o homem aprendeu a tirar proveito da natureza, utilizando por exemplo, o fogo, transformando a matéria-prima em utensílios, vestuário, abrigo, etc. aquelas explicações, contudo, não são científicas. Elas podem encerrar muito de verdade, mas são incapazes de se constituírem em generalizações objectivas, isto é, de explicarem os fenómenos através das suas conexões. Elas fazem parte do que chamamos conhecimento vulgar uma vez que esse conhecimento não científico é fruto da espontaneidade do espírito, não metódico, assistemático e particular. As afirmações fundamentais do senso comum são em geral imprecisas e, frequentemente, aproximam coisas e processos essencialmente diferentes, (...) tendem a ser fragmentárias, (...) mantendo-se em, vigor por força da autoridade conferida por um costume que não se critica. (= Senso- Comum: é o conhecimento imediato, fruto da espontaneidade do espírito.)



L. Hegenberg, ‘Iniciação à Lógica e a Metodologia da Ciência’

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