terça-feira, 26 de abril de 2011

5. O SER HUMANO NA BUSCA DO SENTIDO DE EXISTÊNCIA HOJE

5.1 «Conhece-te a ti mesmo»

Ao longo de séculos a humanidade encontrou-se e confrontou-se progressivamente com grandes verdades do mundo e da vida no âmbito de autoconsciência pessoal na sua unicidade, tornando-se sempre mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência. A recomendação conhece-te a ti mesmo, embora já anciã[1], testemunha ainda hoje a regra mínima na orientação da vida para todo o homem. Aliás, basta olhar na história as questões fundamentais que marcam o percurso da existência naquela exigência de sentido que sempre urge nos homens: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? O que é que existirá depois desta vida? Etc[2]. Da resposta a tais perguntas depende a orientação que se imprime à existência individual assim como à colectiva.

Nisto é indispensável a filosofia cuja tarefa é “permitir ao homem de tornar-se um ser racional, livre (...) o fim é sempre a conquista e afirmação da autonomia do ser humano individual”. Portanto, a filosofia dirige-se ao indivíduo de qualquer parte do mundo, pois na reflexão sobre a vida a filosofia põe o homem em face de si próprio.

5.2 Origem, natureza orientação e fim do homem

Até recentemente, antes da aceitação das teses evolucionistas e existencialistas, entendeu-se que ao homem corresponde uma essência; uma natureza imutável, um ser. Trata-se da concepção essencialista do homem numa base religiosa que admite mudanças em aspectos acidentais e nunca nos essenciais. Mas uma visão agnóstica pode sustentar a mesma imutabilidade baseando-se em experiências desprovidas de ensinamentos divinos.

Estas concepções divergem na origem e fim do homem: a concepção religiosa atribui a Deus a sua criação correspondendo-lhe logicamente um destino transcendente; depois da morte o homem tenderá a uma continuidade de vida no além, dada por Deus como dom, cujo curso dependerá do comportamento havido através da vida terrena (MARTINEZ, S., 1995,:11). Os agnósticos negam a origem divina e consequentemente o fim transcendente do homem, esgotando-se tudo aqui na terra – trata-se de um existencialismo ateu[3] que, defende somente uma imutabilidade da natureza humana em aspectos físicos e comportamentais referentes à conservação da própria vida, ao prazer, à dor, ao amor, ao ódio, à constante inquietação sobre o futuro etc. (situações-limite).

Porém, tal essência não é transcendente mas sim imanente situada no plano de experiências concretas, alheias à revelação. Para tais concepções o homem é, sem se saber porquê; e também não terá senão um destino definido e terreno. “O homem não terá destino. Ou, ao menos, desconhece-se qual seja ” (Idem:12). Contudo, face ao essencialismo do homem sem destino; cabe às sociedades ao governo e ao direito respeitar a natureza, a essência  do homem, experimentalmente fixada. A par dos existencialismos fechados, alheios à essência do homem, está o existencialismo transcendente e o existencialismo cristão de Karl Jaspers e G. Marcel respectivamente[4].

Diferentes categorias existenciais do homem levaram também a diferentes conclusões. Existencialistas na visão de Kierkigaard e Nietzsche, viram no homem um devir de sucessivas vivências na luta pela vida, onde no mundo há lugar só para os fortes. Tal existencialismo é também notável ao nível de dramas individuais característicos  de algumas sociedades contemporâneas. “Sem origem reconhecida, sem destino, sem enquadramento, sem fé em qualquer natureza, perdida a confiança e o respeito das instituições, refugiados, numa fugaz atracção hedonista, talvez mereçam compreensão as atitudes dos que se têm orientado para a destruição. Sem excluir a auto-destruição relativamente lenta através dos excessos, consumo de drogas e suicídio” (Idem:14). É oportuno dizer que tais atitudes suicidas são de sempre e que se manifestam em tempos recentes pela contribuição do nihilismo e de um existencialismo comunicado a grandes massas em termos precipitados e sincopados; foram fortemente combatidas pelas ordens sociais e pelo hedonismo; para os quais o homem, mesmo julgando-se desprovido de essência; cônscio de que a vida lhe reserva dores, sofrimentos, penas, etc. sabe também que dela pode colher satisfações, prazeres; espera dela um saldo benéfico. Em tal caso, esse homem quer viver e reclama que os outros lhe respeitem.

A luta pela vida continua. E considerando o existencialismo  evolucionista e científico, tal luta impõe às espécies, sobretudo à humana, cautelas constantes para a sua sobrevivência e manutenção, implicando um permanente esforço físico, intelectual, científico, técnico. Sem o qual o homem perderá a sua posição e o mundo se degradará. E entre os instrumentos adequados a essa prossecução, contam-se as sociedades e tudo quanto implicam, incluindo o direito e a moral.


[1] Esta recomendação estava esculpida no dintel do templo de Delfos.
[2] Estas perguntas podem encontrar-se nos escritos sagrados de Israel; nos Vedas e nos Avestá; nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, na pregação de Tirtankara e de Buda. Achamo-los ainda nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles, assim como nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles. (Cf. J. Paulo II, Fides et Ratio, 1998, na Introdução.)
[3] Condenado por Pio XII na sua Encíclica Humani Generis, de 12 de Agosto de 1950.
[4] Tais existencialismos, sem negarem a essência do homem, julgam possível dela ganhar melhor, mais perfeita, percepção através das vivências existenciais, sem exclusão da tendência para o infinito. Mas se pode discutir se estes existencialismos que não negam a essência do homem, se terão limitado a utilizar uma metodologia própria dos existencialistas, orientada para os aspectos concretos das vivências humanas. O próprio KIERKIGAARD, que era protestante, esboçou um existencialismo compatível com a essência do homem. Com efeito, é dele a afirmação de que «l’homme religieux est, à mona vis, un sage» na Etaps sur le Chemin de la Vie, trad. franc., Paris, 1948. – pode se conferir em (MARTINEZ, S., 1995,:14).

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