terça-feira, 26 de abril de 2011

Agostinho a procura de Deus

Outra das preocupações de Agostinho no âmbito epistemológico foi de saber quem é Deus. Quis conhecê-lo a partir das suas faculdades sensitivas. Por isso vai interrogar aos seres, sob o aspecto estético em ordem a um fim metafísico: “ Quem é Deus? Perguntei-o à terra e disse-me: eu não sou Deus. E tudo o que nela existe me respondeu o mesmo. Interroguei o mar, os abismos e os répteis animados e vivos e responderam-me: - não somos o teu Deus; busca-o acima de nós. Perguntei aos ventos que sopram; e o ar, com os seus habitantes respondeu-me: Anaxímenes está enganado; eu não sou o teu Deus. Interroguei o Céu, o Sol, a Lua, as Estrelas e disseram-me: - nós também não somos o teu Deus que procuras. Disse a todos os seres que me rodeiam as portas da carne. Já que não sois o meu Deus, falai-me do meu Deus, dizei-me ao menos alguma coisa d´Ele. E exclamaram com alaridos: foi ele Quem nos criou” (Idem, X, p. 245), vemos assim, Agostinho imerso nas criaturas a procura de Deus, porque queria conhecê-lo. Como todas elas não eram Deus, Agostinho ficou triste por não encontrar o que procurava. Para compreendermos a angústia do nosso bispo basta imaginarmos alguém esfomeado que na hora do almoço entra no refeitório e não encontra a comida! Agostinho tinha fome e sede de Deus e as confissões provam isso a partir da sua vida.

Este homem que procura Deus fora dele, estará no paraíso ou no inferno? No inferno porque cada vez mais longe de si, mais longe de Deus está. Por isso, gnoseologicamente, está num caminho errado, que não é mais nem menos que um exílio, um homem degredado num vale de lágrimas. Trata-se de uma situação que não se difere muito com a nossa: vivemos como se Deus não existisse, tudo é permitido. Os ladrões multiplicam-se cada vez mais, as guerras nunca acabam, doenças incuráveis vitimam muita gente e o dinheiro tornou-se nosso deus! Uma situação que em nada se difere com a condição de um exilado, desterrado, degredado, agrilhoado, decaido, vencido, desordenado, tramado, necessitado, etc. Agostinho, numa situação dessa questiona-se; “ que farei ó meu Deus, ó minha verdade? Transporei esta potência que se chama memória. Transpo – la-ei para chegar até vós ó minha doce Luz que me dizeis? (…). Quero alcançar-vos por onde podeis ser atingido e prender-me a vós por onde for possível” (Idem, p. 258). Expressa assim este tom de suspiro, de clamor e de desejo, porque quer encontrar Deus, a quem sempre procurou, quer prender-se a Ele por onde for possível. Isto custou-lhe, se assim podemos dizer, a vida inteira e ele próprio veio a reconhecer este atraso e o tempo perdido nas coisas mundanas: “ Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim e eu lá fora a procurar-vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava convosco! Retinha-me longe de vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Porém chamastes-me com uma voz tão forte que rompestes a minha surdez! Brilhastes, cintilastes, e logo afugentastes a minha cegueira” exalastes perfume: respirei-o suspi9rando por vós. Saboreei-vos e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e ardi no desejo da vossa paz” (Idem, pp. 266-267).

Um filho pródigo
Estamos perante o clamor de um filho pródigo, um filho que se deixa levar pelas coisas terrenas, mergulhado nos sentidos, cujo Pai misericordioso o chama de volta, rompe sua surdez. Deste modo, longe do Pai queria ouvir mas não ouvia porque era surdo; queria ver mas não via porque era cego; queria sentir o perfume mas não sentia porque não tinha olfacto; queria saborear, sentir o gosto das coisas mas não saboreava porque não tinha paladar; queria tactear mas não tacteava porque este sentido lhe faltava. Isto porque ficava perdido nas criaturas, via-se na incontinência. Nada de relevância conseguia fazer porque estava completamente retido longe de Deus. Agostinho é alguém que por muito tempo da sua vida, viveu longe de Deus. Apesar disso, sempre manifestou a semente de esperança. Ele esperou, no entanto, encontrar a felicidade em Deus, daí a razão da sua famosa frase que é a síntese de todo o livro das confissões: “(…) porque nos criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós” (Idem,  I, 27).

O drama interior de Agostinho provoca-o a sedução da formosura que o afasta da Beleza Suprema. Por isso, quanto ao conhecimento e quanto a vida, vislumbra em Agostinho um certo pessimismo. Porém, este não é fechado. É aberto porque não encontrando satisfação na vida terrena, deposita sua confiança, dizendo: “ só na grandeza da vossa misericórdia coloco toda a minha esperança, dai-me o que me ordenais, e ordenai-me o que quiserdes. Mandais-me, sem dúvida, que me abstenha da concupiscência da carne, dos olhos e da ambição do mundo. Quanto ao matrimónio, apesar de o permitirdes, ensinastes-me que havia outro estado melhor. E, porque mo concedestes, abracei-o antes de ser nomeado dispensador do Vosso Sacramento” (Idem, X, p. 268). Aqui está a esperança de Agostinho na misericórdia de Deus.

Um peregrino pelo labirinto do mal.
O nosso bispo é levado, muitas vezes pelas caricaturas da mentira, geme sob o peso das tendências pecaminosas. Pudemos já acompanhar que sua vida, antes da conversão, foi uma viagem errante através dos mares de pensamento e da moral. É assim obrigado a erguer a cidade da sua santificação sobre os escombros, ainda fumegantes, das paixões desregradas. Sentia-se tentado pela gula. Fora ensinado a tomar os alimentos só como remédio. Sendo a saúde o motivo de comer e beber, junta-se a esta necessidade o prazer como um companheiro perigoso, pois o que basta a saúde é insuficiente para o prazer. Nesta ordem de ideia, a embriaguez está, no entanto, longe de Deus. Porém, ele vê-se arrastado pela intemperança. Assim fica com medo de comer; se come, teme empanturrar ficando em dilema. Outra tentação é a dos olhos que não é mais do que uma concupiscência da carne. Trata-se da luz corporal que prende os seus pés para não ver a luz verdadeira. Sabe-se que não há gosto nenhum em ver um cadáver mas onde quer que esteja, toda a gente lá acorre, ainda que vendo-o se entristeça. Até temem vê-lo em sonhos como se alguém os tivesse obrigado a vê-lo. Esta curiosidade ligada a concupiscência dos olhos é doença para o nosso Bispo, Agostinho.

Vê-se ainda, tendente ao orgulho que consiste em querer ser temido e amado pelos homens, uma vida miserável. A vanglória é outra tentação muito perigosa, originada da estima do louvor. Também o amor-próprio que vem dentro dele mesmo é mal dos que se comprazem em si mesmos, desagradando a Deus: gloria-se dos males como se fossem bem e, pior ainda, dos bens de Deus como se fossem seus ou atribuem aos méritos próprios.

No meio de toda esta angústia de tentações, uma situação até certo ponto dilemática, Agostinho sente o Senhor mais diligente em curar-lhe do que ele em não infringir novas feridas. Sua angústia, longe de Deus é inultrapassável. Ele, por si mesmo, não consegue subir até Ele por ser arrastado pela semente da concupiscência. Ele próprio, confessa na sua obra: “algumas vezes, submergis-me em devoção interior deveras extraordinária, que me transporta a uma inexplicável doçura, a qual, se atingisse em mim o fastígio, alcançaria uma nota misteriosa que já não pertence a esta vida. Mas caio em baixezas cujo peso me acabrunha. Deixo-me absorver e dominar pelas imperfeições habituais. Choro muito por isso, mas sinto-me ainda muito preso. Tão pesado é o fardo do costume! Não quero estar onde posso, nem posso estar onde quero, de ambos os modos sou miserável!” (Idem, p. 286). Este é um tom de alguém que está feliz com a vida ou de um decaído, dominado pelas vicissitudes da mesma?

Para responder a essa questão, basta fazer uma análise atenciosa à citação anterior; ele reconhece ser assistido por Deus na sua devoção interior, o que nos leva a crer que teve graças místicas de oração. Se a tal graça atingisse nele o grau supremo, alcançaria algo já doutro mundo, a felicidade suma que não pertence a esta vida. Porém, por causa da semente da concupiscência que o consome, é arrastado a baixezas, cujo peso lhe apoquenta. Humanamente falando, o homem que vive nesta situação é alguém dominado, vencido pelas vicissitudes da vida. Pela sua fragilidade, deixa-se levar por tudo e por nada. Para ele, a melhor forma de condizer com a vida é chorar, chorar muito. Apesar de tanto chorar, sente-se ainda agrilhoado, porque sente pesado o fardo do costume. Ele quer estar onde não pode e não pode estar onde quer. Tanto no primeiro caso como no segundo, é miserável!

Agostinho é um génio que enveredou pelo labirinto do mal, na persuasão de que seguia pelas veredas da verdade. É por isso que dissemos antes que a sua vida, antes da conversão, foi uma viagem errante através dos mares de pensamento e da moral. Foi pecador tanto nos pensamentos como nos actos, levando deste modo uma vida péssima. Porém, sente o alívio de, apesar do coração ferido, poder ver o esplendor de Deus, que para Agostinho, é a Verdade. A mentira é no pensamento de Agostinho o ponto mais longínquo de Deus, tal como ele próprio afirma: “Vós sois a Verdade que preside a tudo, e eu, na minha avareza, não Vos queria perder. Nisto parecia-me com aqueles que não querem mentir muito, com receio de perder a noção de verdade. Foi assim que Vos perdi, porque Vós não permitis que Vos possuamos juntamente com a mentira” (Idem, p. 287).

Quando falamos do drama da existência humana, referimo-nos, fundamentalmente, à vida de sofrimento e, o nosso padroeiro padeceu esta vida. As «Confissões» tomadas sob o aspecto de luta interior são uma obra cheia de dramatismo tal com nos diz a introdução do livro que leva este nome. Nesta obra, essencialmente autobiográfica, Agostinho lamenta o problema dos falsos mediadores, porque para ele, o verdadeiro mediador tinha que ter semelhança com Deus e com os homens: “eles eram mortais e pecadores e Vós Senhor, com quem soberbamente procuravam reconciliar-se sois imortal e sem pecado. Convinha que o mediador entre Deus e os homens tivesse semelhança com Deus e os homens; pois se parecesse com os homens, estaria longe de Deus e se fosse semelhante só a Deus, estaria longe dos homens. Assim não haveria mediador!” (Idem, pp.287-288). Os falsos mediadores, dos quais o Agostinho faz alusão, são os apresentados pelos neoplatónicos nos seus ritos religiosos. Por exemplo, Porfírio e Apuleio interpunham entre os deuses e os homens, os Demónios que habitavam na região do ar. Estes levavam as petições dos mortais às divindades e traziam favores.

O Bispo de Hipona teve de enfrentar todos esses problemas que, em última análise, caracterizaram a sua vida, sua miséria manifestou-se em coisas concretas: no prazer carnal, no vício, na desordem, e estendeu-se até a morte: viu a cidade eterna a ser saqueada pelos visigodos de Alarico em 410. Essas situações provocaram em Agostinho problemas existenciais. Agostinho, portanto, viveu o drama da existência durante a vida toda, mas com a esperança de encontrar a beata vita, vida feliz, quando repousar em Deus.

Concedei-me o que amo porque estou inebriado de amor. Fostes vós que me concedestes. Não abandoneis os vossos dons e nem deixeis regar esta erva sequiosa. Posso eu embriagar-me de vós e considerar as maravilhas da vossa lei desde o princípio em que criastes o céu a terra, até o tempo em que partilharemos no reino perpétuo da vossa Santa cidade” (Idem, XI, pp.293-294). O repousar em Deus é o estar com a graça de Deus que deve caracterizar a vida do homem, no presente momento, mas fazendo uma reminiscência do que foi a sua vida com uma esperança no seu criador. Santo Agostinho se coloca no tempo e, é neste tempo que ele se considera como um homem existente. Santo Agostinho se reconhece como um existente mas que a sua existência está limitada num tempo determinado com a vida embriagada nos vícios, tendendo sempre para o mal. Mesmo assim, ele se reconhece como um ser chamado à existência quando afirma no seu dizer: existimos porque fomos criados. Portanto, não existiríamos antes de existir, para que pudéssemos criar. Agostinho confessa da sua pequenez como um ser limitado em relação a um ser superior. Agostinho põe tudo numa razão última que ultrapassa a capacidade humana. Ele mesmo nos diz: “limito-me a dizer que quando tudo começa a existir, ou deixa de existir, só principia ou acaba quando se conhece na vossa razão eternal que tudo isso deve ter começado ou terminado ainda que nela nada começa e nada desaparece.” (Idem, p.299).

O Doutor da Graça, procura colocar-se no tempo presente do qual não tem começo nem fim. Para ele, o existir em relação ao tempo é o existir no presente. Quanto ao tempo, Santo Agostinho nos apresenta uma nova terminologia da seguinte maneira: “presente das coisas passadas, presente das coisas presentes e presente das coisas futuras. Existe pois estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte. Lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.” (Idem, p. 309). Assim, para Santo Agostinho a existência é um drama no tempo presente onde ele se coloca perante a Deus. Faz de tudo aquilo que foi da sua infância e juventude como uma lembrança, retendo tudo na sua memória neste tempo presente. Ele põe tudo no presente, isto é, deve-se viver neste tempo presente e que o passado deve servir de luz para a vida. “Contudo a atenção perdura e através dela continua a retirar-se o que era presente. Portanto o futuro não é um tempo longo porque ele não existe. O futuro longo é apenas a longa expectação do futuro. Nem é longo o tempo passado porque não existe, mas o pretérito longo, outra coisa não é, senão a longa lembrança do passado” (Idem, p.319). Portanto, o viver ou o existir do homem de Santo Agostinho é o recordar do passado, pois, nisso consistem as confissões.

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