terça-feira, 26 de abril de 2011

A CONDIÇÃO HUMANA E A DIFICULDADE DE ALCANÇAR A FELICIDADE

O ser humano, por sua natureza é inquieto daí que procura com todo esforço realizar as suas aspirações. Nesta perspectiva, pensa encontrar a felicidade nas mesmas aspirações, por isso há no homem uma busca constante dos meios para alcançar a felicidade. Uma das questões que S. Agostinho coloca é a seguinte: «todos querem ser felizes? Mal disse essas palavras fez-se ouvir uma voz de unanimidade, parece-vos – perguntei – ser feliz quem não tem o que quer? A nossa mãe disse então: - quer bens e os tem é feliz; se por outro lado quer coisas mais ainda que as tenha é infeliz (...) eis que aqueles que precisamente não são filósofos mas que no entanto se enclinam para as discussões afirmam que quem vive conforme quer é feliz. Mas isto é seguramente falso; querer o que não convém, isso mesmo é que é a maior infelicidade. Quem não alcança o que quer não é tal infeliz como quem quer alcançar o que não convém. De facto a perversidade da vontade ocasiona mais males…», (AGOSTINHO, S. Op. Cit., pp.39-41).

Durante vários e longos séculos o homem julgava que com o uso da razão, da ciência e da técnica poderia alcançar a felicidade. O exemplo disso é a proposta materialista que prometeu uma felicidade perfeita que consistiria no fim do antagonismo histórico da luta de classes e que levaria ao comunismo. Marx acreditava que o comunismo seria uma sociedade justa e sem classes. Nesta linha, Marx quis acordar os que andavam drogados com o ópio da religião para se deliciarem da felicidade que o progresso económico prometia através da luta do proletariado, razão pela qual considerou que «a religião é ópio do povo». Em torno disso residia, o grande optimismo da salvação pelo domínio das técnicas, isto é, com o desenvolvimento da economia, da tecnologia e da ciência alcançaria a tranquilidade. Mas isto parece ter gerado uma profunda infelicidade que colocou a existência humana vazia de sentido.

Para o doutor da graça essa é uma evidência clara que o homem se preocupa pelas coisas corporais, porque considera a felicidade como a posse de bens materiais. No contexto da nossa actualidade parece ser objectivo do governo moçambicano acabar com a pobreza absoluta, com a criação das condições mínimas de sobrevivência para todos e assim espera-se que o povo alcance a felicidade. Na visão Agostiniana este tipo de felicidade é ilusório porque visa a satisfação do corpo e não da alma.

Foi este mesmo ideal que levou muitos sistemas económicos e políticos à desilusão como nos referimos anteriormente. No nosso país por exemplo, parece existir uma pobreza espiritual, não basta criar meios para que o povo tenha o suficiente para a vida que nunca chega a se concretizar, mas é preciso primeiro acabar com a riqueza absoluta de uma minoria para que o povo tenha ideias claras do que é a pobreza no verdadeiro sentido e para se envolver com os recursos disponíveis sem esperar a intervenção duma força externa.

Na óptica de Brazão Mazula, no meio desta sociedade pobre existem indivíduos que ostentando fortunas pretendem transmitir um modelo de felicidade parasita que se alimenta do sistema de corrupção. Este cita, o que no Jornal Savana do dia 06 de Julho de 2001 apresenta esses indivíduos como sendo aqueles que ´se valem das suas posições políticas no Aparelho do Estado para distribuir favores a seus amigos e familiares, estando a si confiada a gestão da coisa pública, fazem uma gestão ruinosa que apenas a eles se beneficia; se apropriam ilicitamente dos recursos públicos para benefício individual; quando há eventos de carácter internacional convidam discretamente seus familiares e amigos para prestação de serviços, ganhando numa semana, o que outros empresários precisam de trabalhar dois anos para obter (...) estando em posição de direcção no Aparelho do Estado convidam suas próprias empresas para prestar serviços nas mesmas instituições públicas onde eles exercem actividades, sem abertura de nenhum contrato público para apuramento da melhor empresa`, (Semana Filosófica II, 2001,p. 31).  

Em contrapartida, a grande maioria do nosso povo vive na extrema miséria sem comida, água potável e cuidados médicos e medicamentosos, o caso dos infectados e afectados pelo vírus do HIV/SIDA. Para estas e outras situações dramáticas parece vivermos diante de um modelo de felicidade selectivo em que alguns são cumulados de bens e outros de grandes males. Neste dualismo, poderíamos colocar uma questão que fez parte do argumento racional de Severino Boécio sobre a Providência Divina, na sua célebre obra Consolação da Filosofia: “Como admitir a providência divina se os maus são premiados e os bons punidos? Boécio explica que é necessário estabelecer antes a diferença entre o que é o bem e o que é o mal. Nesta ordem de ideias o bem considera-se felicidade e não consiste na riqueza, mas no Sumo Bem (Deus) e o mal é o que afasta o homem de Deus. Portanto o facto dos maus serem cumulados de prazeres, riquezas e honras não é um argumento contra a providência, mas sim a favor dela. O facto de tudo estar sujeito a providência não inibe a liberdade do homem, porque Deus em sua eternidade pode prever tudo, sem predeterminar a liberdade humana”, (MONDIN, B. 2005, p. 166).

Existe uma relação entre Santo Agostinho e Severino Boécio na concepção da felicidade, todos estão unânimes em afirmar que não são as riquezas, honras e prazeres que conduzem a felicidade. Santo Agostinho apresenta essa posição dizendo: “... Deve ser algo sempre permanente, não dependendo das incertezas da fortuna e nem sujeito as circunstâncias. Porque o que é mortal e caduco não pode ser por nós possuído, quando queremos ou durante tanto tempo quando queremos. Existem muitas pessoas afortunadas que possuem essas coisas perecíveis e sujeitas as circunstâncias mas muito agradáveis para esta vida, e a nada renunciam. Estes não são felizes, visto que as coisas que dependem das circunstâncias do acaso podem perder-se, daí que quem as ama e as possuí não pode de modo nenhum ser feliz (...), -mesmo que se esteja de não perder todas essas coisas, ninguém pode saciar-se com elas. Por conseguinte, pelo facto de sempre sentir necessidade delas será infeliz”, (AGOSTINHO, S., Op. Cit. P. 43)

Quando todos os dias assistimos homens a matarem outros para roubar dinheiro, carros e outros bens, alegando encontrar satisfação para posteriormente alcançar a felicidade. Quando vemos casos de pedofilia, raptos e venda de órgãos humanos como o pão de cada dia dum canto para outro, tudo isto na tentativa de procurar a solução dos problemas do quotidiano, da existência humana e da falta de sentido da vida, mas o homem moçambicano não se deu conta de que a base da felicidade não são os bens materiais. Escutamos quase todos os dias a palavra de ordem “acabar a pobreza absoluta ” mas afinal a fomentar e aumentar cada vez mais o índice de pobreza nas nossas comunidades. A existência humana é dramática porque a própria condição humana parece obrigar o homem a buscar a felicidade nos caminhos ilusórios e erróneos que nunca levam a felicidade se não a autodestruição. Face a tudo isto a felicidade da sociedade moçambicana parece fundamentar-se na corrupção assim como nos vícios, o que na óptica do Bispo de Hipona não constitui felicidade.

A infelicidade humana consiste em querer aquilo que não convém. Para o nosso pensador “querer o que não convém é a grande desgraça e não é tanta infelicidade o não conseguir o que desejas como desejar alcançar o que não te convém” (cf. AGOSTINHO, S., Trindade 13, Cap. V).
Neste contexto é preciso obter só o que é justo, o que dificulta o homem de obter o que é justo é a consequência da depravação do género humano, porque o ser humano deveria desejar uma vontade recta, mesmo não alcançando o objectivo do seu desejo

Para Santo Agostinho é claro que todos querem ser felizes “mas como a carne combate contra o espírito e o espírito contra a carne muitos não fazem o que querem, mas entregam àquilo que podem fazer. Com isso se contentam porque aquilo que não podem realizar, não o querem com a vontade quanta é necessária para o poderem fazer”. (AGOSTINHO, S., X, 1988, p. 240). Por exemplo uma criança que deseja ser médico, mas os parentes são pobres e desprovidos de meios financeiros para pô-lo a estudar. O rapaz cresce naquele ambiente de miséria e não alcançando o que deseja deixa-se marginalizar ou levar pela delinquência, drogas e outros fenómenos ilícitos, por fim fica desviado do seu ideal, podendo deste modo fazer o que poder.

Em todas estas situações da condição humana, o homem não alcança a felicidade porque confia só nas suas próprias faculdades daí que se engana, pensando que trilha no caminho rumo a felicidade. S. Bernardo de Claraval nas suas contemplações místicas mostra claramente que a condição humana é depravada, bastando olhar para a oração de Salve Rainha que passamos a citar: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida doçura e esperança nossa, salve. A vós bradamos, os degradados filhos de Eva; a vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei. E depois deste desterro nos mostrai Jesus bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre virgem Maria”. (Dia Santificado, secretariado nacional do apostolado da oração, 1996, p. 4).

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