terça-feira, 26 de abril de 2011

II.A CONVERSÃO DE AGOSTINHO DE HIPONA

Desde as páginas precedentes até então, a figura de Agostinho “ O mais Santo entre doutores e o maior entre os santos”, haura em nós um espírito implicitamente remetido à esfera das ondulações pela sua vida instável, uma vida em degeneração, de um homem miserável para homem arrependido, devido ao seu modo de proceder mediante as circunstâncias da vida que lhe são subjacentes em relação ao sentido da vida humana, ao enlace para Deus. Após ter pererecado, tentando buscar a verdade, que só estava em Deus, assume um novo carácter que vislumbra as suas veredas, cuja pretensão é isentar a dor, enfim, todas as vicissitudes que o inebriam de caminhar para Deus – eis o processo da conversão.

O drama epistemológico evidencia o pensamento agostiniano no seu todo, laconizado em Deus e alma (Deum et animam scine cupio). Ora, o doutor da graça é seduzido pela simplicidade e transcendência da natureza divina. Convencionalmente, admitia que é pelos sentidos e pela razão que a alma apreende as noções dos objectos, ou seja, as ideias, mas sempre em referência ao criador, concebido como portador da verdade imutável, razão pela qual O evoca nestes termos: “ Fazei, ó meu Deus que eu recorra e confesse em acção de graças, as vossas misericórdias para comigo! (...). Senhor quem é semelhante a vós? Rompestes os meus grilhões e ofertar-vos-ei um sacrifício de louvor” – (Idem, VIII, p. 183).

O espírito de arrependimento começa a emanar em Agostinho, sente-se agrilhoado, despedaçado face a esta realidade fatigante de assumir a dor, a sua disposição equipara-se a de um desamparado, um ser autenticamente abandonado. Esta é uma atitude de crise, se preferirmos, de fracasso existencial que em última instância se pode emparelhar a um estado de perigo, de limitação da existência, aliás do sentido da vida. Nestes óculos, parece oportuno assemelhar este fenómeno vital ao pensamento de Martin Heidegger, ao afirmar: “ cada um de nós encontra-se sozinho, perante si próprio ao decidir qual é o sentido que vai dar à sua vida”. E mais, é bem verdade o que se diz comummente nalguns provérbios, como é o caso – uma alegria maior é precedida duma dor também maior – logo, Agostinho estava numa situação deste índole, que à sinfonia da razão se pode denominar perequação justa.

O conflito das vontades

A apologia dos vícios manifesta-se através da vontade de fazer, se calhar de forma exacerbada, algo que seja sujeito à satisfação, neste caso podemos acrescentar, à satisfação existencial no seu alto nível dramático. É frequente, por exemplo entre entidades políticas, em várias partes do planeta terra, apelar-se as pazes entre indivíduos, mesmo que sejam inimigos, são exigidos reconciliação aparentemente plena. A par deste raciocínio é lógico alguns pensarem à primeira vista na insinuação moral – religiosa. Ora, o homem em todo o seu ser comporta duas vontades, designadamente: uma carnal e outra espiritual. Para a figura em dissecação tais vontades parecem ter esgoto, como nos ilustra o seguinte fascínio: “ a luxúria antecede a vontade perversa e, simultaneamente contrai-se o hábito; e, se não se resiste o hábito origina-se uma necessidade” (Idem, p.192).

No entanto, a possessão (prática) dualista destas vontades conduz ao pecado, desta vez, entendido como lei que viola o hábito, pela qual a alma, mesmo contrafeita é arrastada e presa pela concupiscência, fenómeno que era dominante no doutor da graça.
Analisando as duas vontades, será que ambas nos remetem escrupulosamente ao mesmo precipício – o prazer? É evidente que não. Os espiritualistas em grosso número aliaram-se à hipótese da apologia espiritual. Os materialistas paradoxalmente validaram a apologia carnal. É bem verdade que ambas discussões hipotéticas podem ter alguma influência de acordo com as circunstâncias mediatas em que forem aplicadas. Não é contingente, aliarmo-nos ao homem mendicante, ao considerar o corpo como sendo pura e simplesmente objecto de atracção cuja consistência desemboca na miséria e no pecado. Eis o motivo primordial que encantou o homem sofredor a se opor aos maniqueístas que sempre observaram deliberadamente a existência de duas naturezas da alma, uma boa e outra má – “ se houvesse portanto, tantas naturezas contrárias, quantas vontades que em nós sem debatem, haveria não duas, mas maior número de naturezas”. (Idem, p. 201).

A plenitude da conversão agostiniana

O drama existencial ainda agrilhoava Agostinho na sua interioridade, porque queria de facto, concretizar o seu sofrimento, ou seja, degenerar a sua vida e encontrar a razão da existência embrulhada de felicidade, alegria, enfim, satisfação do seu ser.
Quando por uma análise, arranquei do mais íntimo toda a minha miséria e a reuni perante a vista do meu coração, levantou-se enorme tempestade que arrastou consigo uma chuva torrencial de lágrimas” (Idem, p. 205), arrebatado pelo espírito retumbante, retorna ao estado de arrependimento no seu ínfimo grau. Uma necessidade imediata o circunda, razão pela qual exige prostradamente com toda a manifestação da dor exteriorizada, a presença de Deus. A mágoa da vida se encarrega por ele e suplica: “ por quanto tempo, andarei a clamar, amanhã, amanhã? Por que não hoje e agora? Porque o termo das minhas torpezas não há-de vir nesta hora?” (Ibidem) Reinou inteiramente, o conflito interior, cansado de esperar!!! Segundo Mexer de Walcherem, antes de se encontrar a alta fé passa-se pelas angústias e dúvidas que torturam o ser do homem de igual modo para todos.

A persistência no seu Senhor, no qual jaz a pérola mais valiosa – a felicidade infinita, permitiu o alcance dos seus propósitos fatigantes em encontrar algo que não estava nele. Lembremos que cada ser racional tem seus moldes de pensar, de agir, de se relacionar com outrem, pelo que o ser humano singular e subjectivamente, na tentativa de se converter a determinada área (arte, religião, política), obedece certos plataformas para a consumação da sua conquista inesquecível., embora nalguns casos não seja com muita perfeição.

Contudo, Santo Agostinho converteu-se. Os seus amigos Antão e Alípio tiveram seus fascínios, apelidados códices, para a sua conversão, a saber, Mt 19,21 e Rm 14, 1, respectivamente. Por sua vez Agostinho, misteriosamente o seu códice continha quase todo o processo pelo qual passara, de vida dissoluta, pecadora e sofredora, ei-la: “ não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e lixas, mas revesti-vos de Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com apetites” –. (Idem, p. 206).

 É evidente que, o homem decaído retratou-se gradualmente até ao apogeu da sua conversão e, assim marcou a história, de um homem miserável, abandonado para um homem glorioso e jubiloso. Foi a partir deste desenrolar que Agostinho tornou-se cristão no seu verdadeiro sentido, facto que não só alegrou à sua mãe Mónica que tanto sofria pelas atitudes do seu filho amado, mas também a outros que estavam a seu redor e viviam o mesmo drama existencial em vista à felicidade. Os adjectivos negativos assimilados por Agostinho, são substituídos pelos positivos que validam a sua personalidade e o paradigma dramático no âmbito da existência. O homem notável considerado em si mesmo, enquanto busca a felicidade fora e dentro de si, com a desilusão, tomba e ergue a sua integridade. Por conseguinte, o que sucedeu em Santo Agostinho, podemos considerar como um erro doentio da acção para a acção (homem para o desconhecido), que o impedia de encontrar momentos alegres, trata-se portanto, de desvios mal orientados duma força interior. Verificamos na vida real que nem toda a acção humana é para a verdadeira felicidade própria, porém, continua presente essa força interior que impulsiona o homem para a actividade, para a transformação, para a busca do melhor. E porque assim acontece, o homem com crise existencial, sente a sua impotência que afirma o ilimitado, o transcendente. Enfim, é pelo esforço, coragem e concessão pessoal que se encontra uma realização cada vez mais plena

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