terça-feira, 26 de abril de 2011

KARL JASPERS (1883-1969)

1. VIDA OBRA E INFLUÊNCIA

1.1 Vida

Nasceu de pais protestantes em Oldenburg, Alemanha aos 23 de Fevereiro de 1883. Tendo estudado direito e medicina, dedicou-se aos estudos filosóficos e veio a doutorar-se em 1909. Em 1921, depois de se ter dedicado inicialmente à psiquiatria, área, segundo ele, “incapaz de satisfazer às grandes verdades da humanidade: a existência da humanidade e a sua própria existência” (GIORDANI, M. C. 1976.: 51); foi professor de filosofia em Heidelberg onde veio a afirmar que a “filosofia e a ciência não são possíveis uma sem a outra” (REALE, G., 1991: 598). Demitido por razões políticas em 1937, foi recolocado, após o fim do nazismo, em 1945. Morreu em Basileia, Suíça em 1969.
 
1.2 Obras

As principais são:
  • Filosofia, escrita em 1932 consta de três volumes (Orientação Filosófica do Mundo, Explicação da Existência e Metafísica;);
  • Razão e Existência  escrita em 1935
  • A Fé Filosófica escrita em 1948.

Também escreveu bastante sobre a ameaça que as ciências e as instituições políticas e económicas associavam à consecução da liberdade humana. Ei-las em lista: - Psicopatologia Geral (1913); - Psicologia das Intuições do Mundo (1919). ­ A Situação espiritual do nosso tempo (1931); ­ Max Weber (1932); ­ Nietzsche (1936); ­ Descartes e a Filosofia (1937); ­ Filosofia da existência (1938); - A culpa da Alemanha (obra profundamente política 1946) ­ O   Vivo da universidade (1946); ­ Sobre a Verdade (1947); ­ A origem e o fim da história (1950); ­ Guia de filosofia (1950); ­ Razão e Contra-Razão no nosso tempo (1950); ­ Discursos e ensaios (1951); ­ O problema da desmistificação (1954); ­ Os grandes filósofos (1957); ­ A bomba atómica e o futuro dos homens (1958); ­ Filosofia e Mundo (1958); ­ Razão e Liberdade (1959); ­ A ideia da universidade (1961); ­ Os vários aspectos da fé filosófica na revelação (1962); etc.

1.3 Influência

Karl Jaspers sofreu influência  de vários filósofos. Quando se laureou em medicina considerava Max Weber como seu mestre; mas destacam-se Kierkegaard e Kant, este último tinha-o por filósofo em absoluto, um mestre na formulação das questões fundamentais tais como: Que é a ciência? Como é possível a comunicação? Que é a verdade? Que é o homem? Que é a transcendência? Que foram reformuladas por Jaspers.

Graças a Kierkegaard, Karl Jaspers despertou definitivamente para a filosofia como um pensar consciente fundado num método em si mesmo; e ensinou-lhe que para ser verdadeiro filósofo deve caminhar em volta da existência e da transcendência.

2. O HOMEM É UM SER DO MUNDO E NO MUNDO

Na sua reflexão filosófica, Jaspers dedicou-se primordialmente a estabelecer a distinção entre “ser-em-situação” (Dasein) e “existência” (Existenz). Se ser-em-situação é a realidade empírica que se mostra e se impõe a toda realidade, humana ou mundana, física ou psíquica; a existência seria o transcender, estar fora ou para além da situação.

O ser-em-situação do homem pertence à mesma ordem do ser-em-situação universal, isto é, está no mesmo nível das coisas no mundo, mas o ser-em-situação não é  o seu verdadeiro ser; o homem se encontra sistematicamente fora de si, além de si mesmo (MONDIN, op. cit.:194).

Do mesmo modo que para Heidegger, também para Jaspers o aspecto relevante, característico da existência é ser sempre uma existência no mundo; ou seja, ligado a uma situação de facto que a delimita e caracteriza de uma maneira específica. A existência não se apresenta como algo acabado; “Ela ainda não é, mas pode e deve ser; se ela atinge o ser ou falha, é resultado da escolha, da decisão, não se dá existência senão como liberdade” (Ibidem). A existência é busca do ser. Nós podemos procurar o ser ou no mundo das coisas que nos circulam ou em nós próprios. Porém, o primeiro momento da filosofia é constituída pela orientação em face do mundo, como mero estar-ai, (dasein) como um elemento ou coisa do mundo juntamente com outras coisas do mundo.

Deste modo, a investigação do ser é “orientação no mundo”, que só se pode realizar no mundo; pretender sair dele, corre-se ao risco de cair no vazio. É uma investigação que não tem fim, que passa de uma coisa a outra, de um termo a outro, até ao infinito, mas que não encontra nem pode encontrar mais do que coisas no mundo. Escreve Jaspers: “Chama-se orientação porque, continuamente inconclusa permanece como processo infinito. E se chama orientação no mundo porque se constitui como o saber acerca de determinado ser, e precisamente aquele que está no mundo”, e continua: “nenhum ser conhecido é O Ser; Se eu quiser captar o ser enquanto Ser, estou irremediavelmente destinado ao naufrágio” (GIOVANNI, Idem:597).

Ao ser autêntico Jaspers chama de o todo abrangente, que é portanto, o que sempre e continuamente se anuncia a nós, mas que nunca se anuncia dando-se ele próprio, acabado; senão sendo a fonte de toda outra coisa, outro ser.

(Com efeito, homem algum sente-se plenamente realizado, mas ao contrário, todas totalidades são aparentes, mínimas, devendo ser ultrapassadas em extensões sempre novas; até os “donos de seu nariz, senhores de si mesmos” sentem falta de algo e continuam arrastando-se em busca de mais posses).

Nesta investigação ou busca do ser, segundo Jaspers, o homem corre dois “perigos mortais” para a existência: o primeiro é o perigo de “dissolver-se, identificar-se em absoluto com o ser-em-situação como se ele fosse o verdadeiro ser” – é o caso dos que amam excessivamente as coisas sensíveis, assumindo-as como sua própria vida ou como única fonte da força vital. O segundo perigo é “comportar-se como se o ser-em-situação não existisse”, como se as coisas do mundo não significassem absolutamente nada – é o caso dos extremamente fundamentalistas em matéria de fé que, por exemplo nas passagens Bíblicas sobre a Pobreza, o convite de deixar tudo e seguir a Jesus garante de uma vida, depois da morte, totalmente desprovida de necessidades materiais... encontram razões para minimizarem tudo que seja do mundo, material (MONDIN, Idem:195).

Só se pode sair desta “prisão” desvinculando-nos da consideração objectivante, para a qual eu mesmo sou uma realidade objectiva do mundo, e colocando-nos no plano da consideração existencial, para a qual eu nunca sou objecto a mim mesmo. A imagem formada neste plano não é acidental, não se pode mudar arbitrariamente; o homem é a própria intuição do mundo; a própria situação do mundo enquanto origem do filosofar.

No plano central do seu filosofar, Jaspers identifica a situação exterior ao próprio homem: “como parte de mim mesmo, a minha situação não pode ser objectivada ou considerada a partir do exterior, é idêntica a mim mesmo” (ABAGNANO, Idem.:70).

À primeira vista a filosofia de Jaspers é uma filosofia de liberdade, pois afirma que o homem é o que ele mesmo escolhe ser; a sua escolha é que constitui o seu ser e ele não é senão enquanto escolhe. “A escolha de mim mesmo é a liberdade originária, aquela liberdade sem a qual eu não sou eu mesmo”. Mas o eu que se escolhe é a própria situação no mundo, situação historicamente determinada, objectiva, particular, e a sua escolha autoconstitutiva não é mais do que tomar consciência desta situação do mundo. Isto significa que a escolha, radicando numa situação determinada, não pode escolher senão o que já foi escolhido e constituído numa situação de facto. Como escreve Jaspers: ‘Eu não posso refazer-me radicalmente e escolher entre ser eu mesmo e não ser eu mesmo, como se a liberdade estivesse diante de mim apenas como um instrumento. Mas enquanto escolho eu sou, se não sou não escolho (Idim:71). O que quer dizer que perante a escolha nunca se oferecem alternativas diferentes.
A escolha do ser nunca é um comparar, um separar, um seleccionar mas é sempre e unicamente o reconhecimento e aceitação daquela única possibilidade implícita na situação de facto que constitui o meu eu. “Eu estou numa situação histórica se me identifico com uma realidade e com a sua tarefa imensa... eu somente posso pertencer a um único povo, posso ter apenas estes pais e não outros, posso amar somente uma única mulher; mas eu posso, em todo caso, trair”. Admitir que podemos recorrer àquelas possibilidades sempre novas de que a vida está repleta, significa para Jaspers trairmo-nos a nós mesmos já que somos a nossa situação e essa é a realidade intranscendível. O único modo de se ser si mesmo, a única escolha autêntica é a que aceita incondicionalmente a situação de facto à qual se pertence; ‘O meu eu é idêntico ao lugar da realidade em que me encontro’. E dado que a escolha é originariamente comunicativa e a escolha de si é sempre, ao mesmo tempo, escolha dos outros, nem mesmo a escolha dos outros é um seleccionar, mas apenas a decisão originária de uma comunicação incondicionada com aqueles com que me encontro como comigo mesmo (Ibidem).

A identificação do Eu com a Situação aparece, para Jaspers, como a culpa originária e inevitável, que é o fundamento de toda a culpa particular.

(Como disse o músico “Zico”; “eu não sou culpado, eu nasci assim...” dizem também muitos homens e até intelectuais diante de realidades criticas que possam “manchar” sua personalidade, atribuindo a culpa a um certo destino ao qual se dizem inocentes).

O reconhecimento e a aceitação da situação, elimina da realidade as culpas evitáveis, a traição para consigo mesmo, mas permite reconhecer, na sua verdadeira natureza, a culpa originária e inevitável, o não poder não estar em situação (Ibidem).

A culpa inevitável é a limitação necessária do eu na situação; a culpa evitável é o desconhecimento, a inexistente ou débil aceitação da própria situação e, por conseguinte, a renúncia de si mesmo mas, mesmo assim, a identidade do eu com a situação acontece, mesmo sem ser reconhecida e aceite. A escolha só oferece ao homem a alternativa do reconhecimento; da aceitação apaixonada da situação originária, de maneira que mesmo que o homem possa escolher o seu ser, só é possível “chegar a ser o que se é” (ABAGNANO, op. cit.:72).

3. A EXISTÊNCIA CONSCIENTE

Atente a impossibilidade de atingir o ser através da orientação no mundo, convêm procurar capta-lo em nós mesmos por meio de um processo de clarificação da existência por obra da razão.

Na sua obra “Existência e razão”, Jaspers determina os “pólos do nosso ser”. Diz ele que a razão é presente como intelecto à consciência em geral, como vida ou totalidade de ideias ao espírito e como razão esclarecedora à própria existência. Não a razão abstracta das ciências ou a idealista senão a razão existentiva, individualizada, pessoal e polarmente ligada a existência; pois, “se a existência atinge a clareza só pela razão, a razão tem um conteúdo só através da existência”.(LUMIA G.,1964:52)

É à razão que Jaspers confia aquela iluminação da existência em que consiste a filosofia. Ela “cria e determina para mim o fundo claro da minha autoconsciência”. A existência é sempre a minha existência, singular e inconfundível; como afirmaram Kierkegaard (em nome da fé) e Nietzsche (em nome de um homem novo); para os quais “compreender a si mesmo (...) é o caminho para a verdadeira existência” (Cf. REALE, op. cit.:600).

A existência é inobjectivável, é “uma questão pessoal”, ou melhor, não é algo que  possamos colocar diante de nós como um objecto e com o qual possamos pôr-nos em relação. Diz Jaspers: “Eu sou existência enquanto não me torno objecto. Nela, eu me sei independente, sem poder intuir o que sou. Vivo de sua possibilidade, mas só no realizá-la sou eu” (Idem.:601).

Sendo assim, que dizer dos tolos, os doentes mentais vulgo malucos, que vagueiam desnorteados buscando pura e simplesmente satisfazer necessidades imediatas; pode-se destes afirmar que existem? Claro que sim, esta gente existe porque “na existência, a razão é a própria acção de existir”; os tolos existem sim, no entanto, a sua é uma existência diferente mas a única possível; dada a sua natureza é uma “existência cega e violenta”, típica dos impulsos dos sentimentos, vividos sem iluminação racional  (ABAGNANO, op. cit.: 94).

Existência e razão devem, pois, se interpenetrar para construir a “razão autêntica ou a existência autêntica”; e só com a sua penetração recíproca é que a existência se abre à verdade, isto é, à comunicação com os outros. A tentativa de surpreender todo o ser no ser que nós somos está destinada ao fracasso, vemo-nos sempre longe de o alcançar. Como escreve Jaspers: “A existência torna-se manifesta a si mesma e, portanto, real se com uma outra existência e através dela, se alcança a si própria” (REALE, op. cit.:603).

No plano da existência, a razão atinge o absoluto. Mas a existência não é todo o ser; podemos alargar o horizonte de nossas experiências de forma coerente e unitária mas, jamais atingiremos a absoluta unidade do ser, a sua totalidade (LUMIA, op. cit. 53).

Com efeito, se o alcançasse destruir-se-ia a justificação do homem, na medida em que este se torna ele próprio sempre e apenas na comunicação. Substancialmente a existência alheia não é oposta à minha, mas uma outra única e singular que, juntamente com a minha, procura aquela Única Existência que está além de todas existências.

No pensamento de Jaspers o conceito de comunicação tem uma importância central. Segundo ele a razão só pode explicar-se através da linguagem e, esta pressupõe a comunicação entre os homens. A comunicação é constitutiva do nosso ser e indispensável na pesquisa da verdade; “uma pessoa singular não pode nunca, por si só, tornar-se homem ” (Idem:54).

Jaspers reconhece a necessidade e o valor positivo da vida social – “fora da sociedade não há existência; ao indivíduo não resta outra escolha: Ou reduz-se a nada, fechando-se na sua subjectividade, ou desenvolve-se na objectividade, entrando nela” (Idem: 55). A sociedade assegura a cada homem o espaço da sua existência. Ela torna-se necessária pela vocação própria do homem como dasein, para o domínio, propriedade e ordem.

A vontade de domínio é consequência da sua imperfeição, da sua incapacidade de amar, e constitui o único modo de estar-aí. Por virtude da vontade de domínio, sem a sociedade a existência não seria possível. É ainda a sociedade que garante, a cada homem, um certo poder de disposição e estabilidade à vida humana – a propriedade; sem a qual os homens viveriam o dia-a-dia, mas graças a ela, vivem uma perspectiva histórica; isto porque ela consente aos filhos herdarem os frutos do trabalho dos pais e assim por todas gerações. Por sua vez a propriedade requer a existência de uma ordem que a garanta. E não pode haver ordem fora de uma sociedade que assegure a observância das leis e o respeito mútuo dos homens e das instituições. (Idem:55-56).

“Na comunicação cada um, manifestando-se aos outros, revela-se a si próprio, pois que esta revelação não se realiza totalmente em uma existência isolada, mas só em conjunto com outros. Uma comunicação autêntica exige uma pergunta e um responder sem fim – uma verdadeira luta em comum para a conquista do ser. Na comunicação existencial, e através dela, o eu, revelando-se ao outro, toma consciência de si próprio; pondo-se a disponibilidade de outros, dilata a sua própria personalidade.” (Idem:60). A comunicação é concriação das existências em busca do ser e a relação deve ser um diálogo sempre aberto; a ninguém é lícito assumir como absoluto o seu ponto de vista.

Há, portanto, na concepção de Jaspers, diferentes existências: uma existência instintiva típica dos homens inconscientes da sua própria existência e que vivem ao sabor do “deus dará” – este tipo de existência é um desvio. A outra existência é aquela cujos homens estão conscientes dela e pelo uso da razão perspectivam o seu destino e comunicam sua existência com outras existências e juntos buscam  afirmar uma existência histórica – é a existência autêntica.

Como disse o Santo padre Bento XVI; “O homem de hoje deve procurar viver a sua existência de modo sábio e previdente, numa constante propensão para o alto”[1].


[1] De uma mensagem do Papa aos Jovens; em um postal de La Grafica – Boves (CN) – Printed in Italy.

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