terça-feira, 26 de abril de 2011

O HOMEM INFELIZ SEM DEUS

Para S. Agostinho todo o homem submetido à concupiscência, ao mal, aos prazeres e as riquezas é um infeliz, tal como ele próprio mostra ao falar da alegoria dos três viajantes, ele reporta um percurso cheio de dificuldades que o homem percorre sem Deus. “Porém nem sequer me faltaram as névoas a perturbar a minha viagem e durante muito tempo confesso, contemplei os astros que se afundavam no oceano e me conduziam ao erro (…), cai assim no meio de uns homens que veneram a luz que os olhos vêem como se fosse realidade suprema e divina. Compreendi muitas vezes de facto, quer pelo sacerdote, que por algumas conversas que tive contigo, que não se deve de forma alguma, conceber Deus como corpóreo, nem a alma, que é a realidade mais próxima de Deus (…), a tudo renunciei e conduzi a minha barca, agitada e fendida, para a tão desejada tranquilidade». (AGOSTINHO, S., Op. Cit. pp. 27-29)

S. Agostinho conta a sua própria experiência de vida, mostrando assim que o homem que se preocupa com as coisas materiais depara-se com os grandes obstáculos que impedem alcançar a tranquilidade. A própria personalidade e a vida de Agostinho foram de um «homem bipolar, pensamento dramático, profundamente insatisfeito, sedento do absoluto, vivendo na adolescência, juventude experiências traumatizantes e depois convertido à fé e ao ideal de vida cristã». (Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo XLIV, pp. 17-37, 1988).

É verdade que S. Agostinho no capítulo IV fala da ideia de moderação relativamente às coisas materiais, aconselhando deste modo, a justa medida, onde não está a mais ou a menos (Ubi autem modus est atque temperies, nec plus et quicquam nec minus). Mas depois diz nas Retractationes que a ideia de moderação é válida para a existência humana terrena, dado que a verdadeira felicidade consiste em possuir Deus, isto é, “É feliz quem possui Deus”, (AGOSTINHO, S., Op. Cit., p. 85). O homem infeliz que S. Agostinho refere não diz respeito ao homem universal e abstracto, mas sim ao homem concreto, vivente, conhecido a partir da sua própria pessoa e experiência de vida que com o tempo foi se informando da sua miséria existencial. Nesse caso, trata-se do homem doente, decaído, miserável, um homem desajustado de si próprio e em conflito interior, portanto homem dramático, eis a condição humana. Por isso na Beata Vita S. Agostinho procura apresentar o homem miserável e que anseia viver feliz.

Este homem vive inquieto, nostálgico, insatisfeito porque o seu coração se sente infeliz, ainda que o encontro imperfeito com Deus o apazigue em certa medida, ele continua mover-se na busca duma paz tranquila que é Deus. “O homem de hoje parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou seja, pelo resultado do trabalho das suas mãos e, ainda mais, pelo resultado do trabalho da sua inteligência e das tendências da sua vontade (...), tais frutos voltam-se para o próprio homem. Eles são de facto dirigidos, ou podem sê-lo, contra o homem. Nisto parece consistir o acto principal do drama da existência humana contemporânea, na sua dimensão mais ampla e universal. Assim, o homem vive mergulhado cada vez mais no medo. Teme que os seus produtos, naturalmente não todos, nem a maior parte, mas alguns e precisamente aqueles que encerram uma especial porção da sua genialidade e da sua iniciativa, possam ser voltados de maneira radical contra si mesmo. A infelicidade consiste no permanente desencontro consigo mesmo, perdido em si mesmo, a procura da salvação de si mesmo”, (PAULO II, J., 1979, P. 286).

A existência humana é dramática na medida em que o homem na procura do sentido de vida lança-se fora de si mesmo e encontra caminhos viciosos, depravação ou tendências carnais da alma que induzem ao homem às situações cada vez mais infelizes. Agostinho propõe como solução do problema uma introversão como verdadeira conversão do exterior para o interior, onde o homem encontra-se com Deus e acaba por se encontrar a si mesmo, eis a verdadeira felicidade; é feliz o homem que vive com Deus.

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