terça-feira, 26 de abril de 2011

O INDIVÍDUO ESGOTA TODAS AS POSSIBILIDADES NA MORTE
A existência inautêntica é existência anónima no sentido de que a pessoa se contenta do que “se diz” e que “se faz”. É salutar que tenhamos bem presente na memória que para Heidegger existência implica poder-ser. E é no poder-ser em que se basea o projectar e o transcender-se do homem. Mas, todo o projectar leva o homem ao nível das coisas e do mundo. Posso ser homem escolhendo seja uma possibilidade como outra. As escolhas do homem são equivalentes.
Entre as várias possibilidades há a que não se pode escapar: a morte. Na vida posso dedicar-me a ser isto ou aquilo, a escolher, mas não posso deixar de morrer. E então, quando a morte torna-se realidade, não há mais existência. Isso, porém, nos faz entender que enquanto há o existente, a morte é a possibilidade permanente e essa é a possibilidade de que todas as outras possibilidades tornam-se impossíveis:
 «A morte é uma possibilidade ontológica que a própria pre-sença sempre tem de assumir. Com a morte, a própria pre-sença é impendente em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a pre-sença é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais estar pre-sente. Se, enquanto essa possibilidade, a pre-sença é, para si mesma, impendente, é porque depende plenamente de seu poder-ser mais próprio. Sendo impendente para si, nela se desfazem todas as remissões para outra pre-sença. Essa possibilidade mais própria e irremissível é, ao mesmo tempo, a extrema. Enquanto poder-ser, a pre-sença não é capaz de superar a possibilidade de morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade absoluta de pre-sença. Desse modo, a morte desentranha-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável. Como tal, ela é um impendente privilegiado» (HEIDEGGER, M., 1927: 32).
Diz Heidegger: “enquanto possibilidade a morte não dá ao homem nada a realizar” (HEIDEGGER, M., 1927: 32). Ela é neste caso a possibilidade da impossibilidade de todo o projecto e, com isso, de toda a existência: com efeito, com a morte não há outras possibilidades  a escolher nem novos projectos a realizar.
A existência inautêntica é um ser-para-morte, o morrer-se...insuperabilidade (Cfr. Ibidem: 35). Somente compreende da morte como possibilidade de existência e somente assumindo essa possibilidade com decisão antecipadora é que o homem encontra o seu ser autêntico.
Deve ter ficado muito claro porque Martin Heidegger decididamente afirma que vivemos para a morte. Esta é a última possibilidade da qual não se pode escapar independentemente do status social a que pertence o indivíduo. Faz alguma razão o facto de Heidegger apelar a que não tememos a morte enquanto uma sempre vindoura possibilidade do Dasein, deve viver consciente que há-de um dia morrer, quer queira ou não nesse momento, o certo é que chegado o momento da morte outra possibilidade não há senão a morte.
Julgue-se de que forma morreremos, discuta-se arduamente aonde se vai após a morte ou então o que lá se fará ( para os crentes, nesse caso), o certo é que para Heidegger não existe outra possibilidade a escolher ou a realizar para o Dasein. Com a morte, como entende  Heidegger, cessa de existir o homem, pois existência é a essência do ser-aí (Cfr. HEIDEGGER, M., 1945: 45-46) que deixa de ser com a morte.

CADA INDIVÍDUO MORRE PARA SI, PASSA PELA ANGÚSTIA
E DEVE ADMITIR A SUA TEMPORALIDADE
A morte é a possbilidade mais própria, já que diz respeito à essência da existência, vale dizer, o poder-ser do homem. É a essência intransponível, no sentido de que a morte é a última possibilidade da existência, mas que aniquila a própria existência.
A morte é uma possibilidade incondicionada, enquanto pertence exclusivamente ao indivíduo (pre-sença):
«Ninguém pode assumir a morte do outro. De certo, pode-se ‘morrer por outrem’. No entanto, isso quer dizer sempre: sacrificar-se pelo outro ‘numa coisa e causa determinada’. Esse morrer por..., no entanto, jamais pode significar que a morte do outro lhe tenha sido, de alguma maneira, retirada. Cada pre-sença deve, ela mesma e cada vez, assumir a sua própria morte. Na medida em que ‘é’, a morte é essencialmente e cada vez, minha. E de facto, significa uma possibilidade ontológica singular, na medida em que coloca totalmente em jogo ser próprio de cada pre-sença. (...) A morte se constitui pela existência e por ser, cada vez minha» (HEIDEGGER, M., 1927: 20).    
“O viver para a morte”, portanto, constitui o autêntico sentido da existência. O “viver para a morte” nos afasta de estar submerso nos factos e nas circunstâncias. A antecipação da morte (como por exemplo o suicídio) dá sentido ao ser dos entes, mediante a experiência do seu nada possível. Essa experiência, no entanto, não se tem por obra de acto intelectivo, e sim, muito mais por meio do sentimento específico que é a angústia: “O ser-para-a-morte é essencialmente angústia”.
A morte é o horizonte do homem e esse horizonte em que ele se encontra limitado que faz da angústia uma realidade da qual ele só pode fugir refugindo-se na inautenticidade de uma vida ordenada segundo a banalidade, segundo o quotidiano ou ainda segundo aquilo a que Heidegger chama a “inquietude”.
A angústia põe o homem diante do nada de sentido, isto é, o contra-senso dos projectos humanos e da própria existência ‘a situação afectiva pode manter aberta a constante e radical ameaça em torno de si mesmo, ameaça nascente do mais próprio e isolado do Ser-aí, é a angústia. Nela, o ser-aí se encontra diante do nada da possivel impossibilidade da própria existência’.
Existir autenticamente implica ter a coragem de olhar de frente a possibilidade do próprio não-ser, de sentir a angústia do ser-para-a-morte. A existência autêntica, por conseguinte, significa a aceitação da própria finitude. E é essa a aceitação que nos conclama a voz da consciência: a aceitação da nossa própria finitude e negatividade.
A existência inautêntica e anónima, ao contrário, tem medo de angústia diante da morte, de modo que, para escapar à angústia a existência anónima se ocupa muito com as coisas e aprofunda no reino do se (man): “ a existência anónima e banal não tem a coragem da angústia diante da morte”. E isso pode ser visto no facto de que a existência anónima banaliza a angústia no medo: “o medo é a angústia que decaiu ao nível do mundo, inautêntica e oculta para si mesmo como a angústia”.
Sempre se tem medo de alguma coisa, ao passo que nos angustiamos por nada: na angústia está presente o nada com o seu poder de aniquilamento.
Diz Heidegger: “Na angústia em relação à morte, o ser-aí é levado a ficar diante de si mesmo, como que entregue à sua possibilidade insuperável. A existência banal se encarrega de transformar essa angústia em medo, a angústia é apresentada como fraqueza que um ser-aí seguro de si não deve conhecer. Aquilo que se acrescenta, segundo o tácito decreto da existência banalizada, é a tranquilidade indiferente diante do ‘facto’ de que se morre” (Cfr. REALE, G.; ANTISERI, D., 2001: 588).
Este drama da existência humana que Heidegger apresenta, dá-se em torno da definição e compreensão daquilo que seja o humanismo: “Pensar a verdade do ser significa, ao mesmo tempo: pensar a humanitas do homem humanus. Importa a humanitas ao serviço da verdade do ser, mesmo sem o humanismo no sentido metafísico”.
O homem está perturbado e angustiado devido aos acontecimentos do passado que não vislumbram e nem lhe dão a possibilidade de que possa ele encontrar o verdadeiro sentido para o qual se dirige a sua existência. E essência do homem, no entanto, consiste em ele ser mais do que simples homem, na medida em que este é apresentado como um ser vivo racional... O homem é, em sua essência ontológico-historial, o ente cujo ser como ex-sistência consiste no facto de morar na vizinhança do ser. “O homem é o vizinho do ser” (HEIDEGGER, M.,1945: 66).
O verdadeiro sentido daquilo que era o humanismo estava perturbado. O homem está afastado e se encontra afundado e entregue à sua sorte. O seu destino estava nas suas mãos e não em Deus. O homem parte em busca do verdadeiro humanismo que nos é dado pela humanitas que ao longo do tempo foi atrofiado e defendido pela lógica e metafísica. «O homem é e é homem enquanto é ex-sistente. Ele está postado, num processo de ultrapassagem, na abertura do ser, que é o modo como o próprio ser é; este projectou a essência do homem como um lance, no ‘cuidado’ de si. Projectado desta maneira o homem está postado ‘na abertura do ser» (Ibidem: 76).
O homem sendo um ex-sistente, um ser-no-mundo, resolve e encarra todos os seus problemas decorrentes da sua condição e possibilidades neste mundo. “O mundo é a clareira do ser na qual o homem penetrou a partir da condição de ser-projectado de sua essência” (Ibidem: 76).
O homem de Heidegger, é um homem que busca restaurar a humanitas do homo humanus.
O homem é temporalidade, isto é, ek-sistência, julga de si para o que já não é ou ainda não é.
À luz da Carta sobre o Humanismo e ainda em consideração do que acabamos de analisar vejamos a imagem do homem e no momento em que for necessário citaremos notas de alguns manuais e obras que ajudam para o entendimento do pensamento do grande filósofo. Mas antes, percebamos o conteúdo do referido ensaio Sobre o Humanismo para depois, mais uma vez, continuaremos a considerar o pensamento de Heidegger a respeito do homem, ou melhor, da existência.

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