sábado, 16 de abril de 2011

O PAPEL DA IGREJA NO PROCESSO MIGRATÓRIO EM MOÇAMBIQUE

1. INTRÓITO

As sociedades de hoje são cada vez mais multiculturais e diversificadas. Este facto empresta o colorido da diferença, sempre benéfico para uma construção mais rica da pessoa e da comunidade, por uma cosmovisão alargada, no desenvolvimento de uma atitude de compreensão empática pelo outro, qualquer que seja o seu credo, a sua cor ou o seu status social. E constitui um desafio porque a diferença também se revela nas problemáticas inerentes ao êxodo das populações, pela sobrelotação de uns espaços geográficos a custo da desertificação de outros e consequente diminuição das condições de vida, do emprego qualificado e justamente remunerado, da habitação condigna, da igualdade de oportunidades e acréscimo da violência, da pobreza, do défice educacional e da desordem social e política. Aumentam os desfavorecidos, os dependentes e os delinquentes. E cresce o desafio. A todos os que se encontram em situação de olhar com olhos de ver e sentir com o coração, que se dispõem a estender uma mão sem considerar o que vai trazer no regresso, que pensam que têm uma palavra a dizer, coloca-se uma escolha: a escolha de agir. Face a esta realidade, a Igreja tem uma acção a tomar.

Outrossim, a multiculturalização a par com a disseminação da tolerância que exige uma sociedade democrática, aberta a pensares diferentes sobre a crença, a vida e a moral mais do que como costume, como princípio, conduz a uma liberalização dos valores, ou deveria dizer, lassidão que faz perigar o equilíbrio da própria sociedade e coloca em causa o futuro saudável da sua existência, uma vez que dessa mesma existência fazem parte integrante os valores.

Aqui se encontra outro desafio. A Igreja tem uma palavra a dizer.



2. O PANO DE FUNDO

O problema da imigração ilegal em Moçambique tem vindo a aumentar grandemente com imigrantes vindos da região do Corno de África, dos Grandes lagos e ainda da Ásia. Em finais de Janeiro do ano corrente (2011), apenas numa semana, as autoridades policiais moçambicanas detiveram mais de 400 imigrantes ilegais, maioritariamente somalis, paquistaneses, etíopes e bengalis. Os imigrantes ilegais de nacionalidade somali já começaram a mudar de tácticas para entrar clandestinamente em Moçambique, segundo revelou à AIM, o porta-voz do Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Pedro Cossa. Nos últimos tempos, os imigrantes ilegais começaram a entrar no país via mar e contam com a cooperação de pescadores moçambicanos e tanzanianos, considerados desonestos, para chegar à terra, disse a fonte.



2.1 Factores adjacentes

As reais razões da entrada dos imigrantes no país não são bem conhecidas, portanto, são ainda obscuras. Os próprios imigrantes abonam que procuram refúgio em Moçambique devido a crise tanto política assim como socio-económica que os remete à extrema pobreza nas suas zonas de origem, buscando assim melhores oportunidades em outros pontos do mundo, sobretudo em Moçambique. No entanto, as autoridades policiais moçambicanas afincam que estes argumentos não são muito convincentes porque a maior parte deles chega a pagar cerca de três mil dólares (106.5 mil meticais) para chegar a Moçambique. Uma vez chegados a Moçambique, muitos deles se estabelecem temporariamente numa determinada zona, abrindo empreendimentos comerciais e depois partem para a África do Sul sob a capa de empresários.

Muitos desses imigrantes dizem que procuram refugio e abrigo em Nampula (onde se encontra o maior centro de refugiados de Moçambique - Centro de Maratane) por causa da guerra na Somália. Entretanto, sabe-se que, em Joanesburgo, há uma zona de concentração de somalis e porque não se dirigem para lá? O que está por detrás deste fenómeno migratório em grande massa? Pode ser que eles estejam a fugir em seus países devido a problemas de segurança, mas não se deixa de lado a possibilidade de eles estarem a usar Moçambique para chegarem a África do Sul.



2.2 É possível desvelar movimentos tendentes à corrupção neste processo?

Será que a imigração ilegal deve-se ao facto de sermos um país em franco desenvolvimento? Ao facto de Moçambique ser o paraíso, ter paz e clima favorável para o investimento? O certo é que a imigração ilegal alimenta, por um lado a corrupção, e beneficia a um grupo da elite político-empresarial que se associa ao crime organizado internacional, sem qualquer problema de consciência patriótica. Para nós, não interessam as estatísticas, mas sim a facilidade e rapidez com que, os imigrantes ilegais tornam-se cidadãos moçambicanos. É mais elucidativo o facto de encontrarmos os chamados refugiados mas que desposam cidadãs moçambicanas e consequente exigência da cidadania moçambicana.

Ora, nos últimos tempos “a vida vai ficando cada vez mais difícil, no Centro de Refugiados de Maratane, em Nampula. A fome, as deficientes condições de saneamento e a falta de medicamentos podem estar a concorrer para as mortes que estão a ser anunciadas, numa média de dois a três óbitos diariamente» (Maputo, Sábado, 26 de Março de 2011:Notícias). Porquê é que a Igreja deve calar-se?



3. A IGREJA RECLAMA MAIOR JUSTIÇA NO TRATAMENTO AOS IMIGRANTES CLANDESTINOS

Nos dias que correm temos estado a ser confrontados com uma dura e tremenda realidade que se traduz na entrada massiva de imigrantes ilegais no país, na sua maioria de origem asiática e outros africanos vindos de todos os lados. Sucessivamente, por terra, mar ou pelo ar. Entram também, o que é estranho, por tudo o que é fronteira: do Rovuma, de Manica e dos aeroportos. O pretexto é que demandam o país e a região em busca de pretensas melhores condições de vida que não as encontram nos seus pontos de origem. Ante um problema real e sério para a segurança e estabilidade social, com todas as suas nuances, nem sempre fáceis de esclarecer, as autoridades moçambicanas já vieram a público advogar que a sua solução terá que passar, necessariamente, por uma concertação regional, no lugar de uma saída isolada de cada um dos Estados.



3.1 A voz da Igreja

A Igreja, perita em humanidade, propõe uma visão global do homem e da humanidade. Daí que na sua evangelização empenha-se na promoção humana, na humanização integral e na transformação profunda das pessoas e do seu ambiente de vida. Assim se percebe o quanto urge garantir aos imigrantes condições humanas favoráveis para a sua realização pessoal entanto seres humanos.

Aliás, as culturas do povo moçambicano, e de muitos outros povos, expressam com sensibilidade afincada o sentido da pessoa humana como mistério de comunhão com os outros e de solidariedade. A pessoa existe sempre com os outros e para os outros.

A Igreja não pode ficar calada quando assiste ao desmoronar do valor do indivíduo em si mesmo e pela perca dos seus valores. A Igreja tem de elevar a sua voz e gritar de todas as formas que a técnica já inventou, dar sua mensagem, que é afinal, a mensagem de esperança e de amor que a sociedade necessita.

Na sociedade deste século do expansionismo tecnológico, os sofrimentos emocionais e espirituais crescem em virtude das expectativas não alcançadas e do ritmo alucinante da vida. E há pessoas que sofrem. Sofrem por relacionamentos quebrados, por não se encontrarem, não se realizarem, não serem tão bem sucedidas nem tão competitivas. Precisam da Igreja. É também essa a sua vocação. Oferecer um ouvido que ouve em empatia e compreensão e que não julga mas ajuda a encontrar caminhos para fora do sofrimento.

Maior justiça no tratamento dos imigrantes furtivos e uma aposta clara no reagrupamento das famílias são algumas das prioridades para os imigrantes defendidas pela Igreja na Pastoral Social. Pois notamos que os sem-papéis não são sem-direitos, nem são criminosos, pelo que "devem ser tratados com humanidade e não se lhes deve aplicar a lei de forma inexorável", pois o desenvolvimento de todos e em proveito de todos. Assim, a solidariedade é um benefício e um dever para todos. Trata-se de humanizar a imigração porque todos somos filhos do mesmo Pai celeste e irmãos em Cristo que se encarnou para nos reconduzir ao Pai. Devemos começar a ver o outro como pessoa e não como instrumento por explorar. Com efeito, é necessário «…acolher, tanto quanto possível, o estrangeiro em busca de segurança e dos recursos vitais que não consegue encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos devem velar pelo respeito do direito natural que coloca o hóspede sob a protecção daqueles que o recebem» (Catecismo da Igreja Católica, Gráfica de Coimbra, Lisboa 1999, n 2241).

As autoridades políticas podem, em vista do bem comum de que têm responsabilidade, subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, nomeadamente no respeitante aos deveres que os imigrantes contraem para com o país de adopção. O imigrado tem a obrigação de respeitar com reconhecimento o património material e espiritual do país que o acolheu, de obedecer às suas leis e de contribuir para o seu bem.

A voz da Igreja é um poderoso antídoto contra a marginalização e discriminação dos imigrantes ilegais. Do poder político, esperamos maior rapidez na regulamentação legislativa no combate às organizações criminosas que exploram os fluxos de imigrantes e aos empregadores que não utilizem as pessoas. Por hora julga-se imperioso que uma palavra da hierarquia se faça ouvir em relação a esta matéria de incontornável aporia.

A nossa tarefa como cristãos é de:

  • Esforçarmo-nos por humanizar as formas de vida, as relações entre as pessoas, o trabalho;

  • Restaurar e edificar a comunidade humana tal como Deus a quis, no respeito e dignidade de cada homem e mulher, na fraternidade, amizade e amor, na justiça sem a qual não há paz (Igreja e promoção humana em África hoje (IPH), SCEAM, 1984, 84).

Hoje, todos juntos, tomamos consciência de que a nossa Igreja deve ser fermento e sal dentro desta mesma sociedade. A Igreja não existe para si mesma mas para servir o projecto de Deus. este projecto não está fechado dentro dos limites da Igreja, mas abrange toda a humanidade. Neste sentido ela se torna verdadeiramente serva da humanidade. A Igreja não está acima do mundo, nem fora, nem ao lado: está dentro do mundo. Por isso mesmo, cada situação decorrente no mundo afecta a ela também. Porque “não há nada de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração” (GS 1).

O homem de hoje encontra-se num abismo de desarmonia dos contrários e contrariedade de anseios humanos. Estamos numa sociedade que procura a liberdade e ao mesmo tempo escraviza muitos povos; uma sociedade construída pela obra humana e que, porém, cria desigualdade, guerra, xenofobia, fome, etc. e é neste mundo onde a Igreja deve erguer a sua voz e bradar em alta voz a luta na busca incansável do bem comum colaborando nos projectos que favorecem o crescimento de todos e a edificação da cidade humana digna.

Aqui nota-se a necessidade de viver e fazer a política duma forma cristã, para ter um estilo de serviço a todo o homem, que terá como fruto a paz e a justiça e fará com que estejam já desfeitas as desigualdades sociais que condicionam a emergência de fenómenos migratórios desusados.



4. EPÍLOGO

Cada homem deve ser considerado o próximo, sem excepção, como um “outro eu”, tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a levar dignamente. Sobretudo em nossos dias, urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem e mulher, e de o servir efectivamente quando vem ao nosso encontro, recordando a palavra do Senhor «Todas as vezes que o fizeste a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste» (cf. Mt 25,40). Olhando as aspirações constantes destes nossos irmãos, a Igreja sabe muito bem que só Deus, a quem serve, pode responder às aspirações mais profundas do coração humano, que nunca plenamente se satisfaz com os alimentos terrestres. (Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 41).

De facto, a consciência mais aguda das desigualdades existentes no mundo, geram ou aumentam contradições e desequilíbrios entre os homens e consequentes êxodos a destinos aquém dos ensejos humanos. Assim, podemos, de forma sucinta, considerar que estes movimentos desusados de imigrantes devem-se em grande parte às tensões familiares, às discrepâncias tribais entre diversos grupos sociais e a injusta distribuição do bem comum.

De facto, o homem está mergulhado numa armadilha que ele próprio minou. «Ele é a vítima e causa de infindas desconfianças e inimizades mútuas, conflitos e desgraças crescentes» (Idem, 9). Pois, ao mesmo tempo que o mundo experimenta intensamente a própria unidade e a interdependência mútua (…) ei-lo gravemente dilacerado por forças antagónicas; persistem ainda, com efeito, grandes conflitos políticos, sociais, económicos, raciais e ideológicos, nem está eliminado o perigo duma guerra que tudo subverta (Idem, 4).

Enfim, deve ficar bem claro que o centro de convergência e o fim de toda a história humana se encontram em Jesus Cristo, a pergunta e a resposta de todos os anseios humanos.



Reflectindo sobre o tema:

Porque motivo a Igreja deve estar ao serviço de toda a humanidade e de todo o homem?

Em que campos de actividade a Igreja está comprometida a favor do homem e dos imigrantes?

Qual deve ser o envolvimento do cristão na defesa dum tratamento legítimo aos imigrantes?

Será que não há indiferença por parte dos cristãos na tramitação dos processos dos imigrantes?

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