sábado, 30 de abril de 2011

RELAÇÕES DA VIDA

Tinha acabado de voltar da minha viagem de férias. Meu padrasto alugou uma casa na praia. Fomos ele, eu, minha mãe, minha irmã e minha sobrinha. Apesar de adorar o mar, estava meio envergonhada. Triste por ter acabado um namoro, eu havia engordado. O maiô agora me apertava. Mesmo assim, me diverti. Quer dizer, tentei me divertir. Poxa! Uma relação de três anos acabara de ir para o espaço, mas estava me conformando. Ele era casado, com filhos. Eu não podia ter esperanças mesmo. A praia me distraía. Ficava tomando sol e, à noite, ia para a roda de samba. Cada moreno lindo! Se minha sobrinha não ficasse na cola, tinha arranjado até uma paquerinha. Fiz tantas fotos! A família inteira posou e minha irmã tirou várias de mim também. Disse que era para levantar o astral. "Você ficou ótima nesse maiô", ela falava. Na volta, antes de seguir para o trabalho, resolvi levar o filme para revelar. Era uma loja nova. Ficava no shopping, próximo ao consultório do meu chefe. Entrei e esperei o balconista.

Tinha um monte de molduras e retratos de casais na entrada. Gente feliz, que se deixou fotografar e agora estava ali, só para me deixar com inveja. Casais, casais, casais. Por um momento, criei ódio da palavra. "Pode deixar o filme aqui", resmungou um senhor, interrompendo meu rancor. Quando perguntei se dava para fazer umas cópias a mais, ele pediu um minuto e se dirigiu a uma sala de vidro. "Egídio, tem como duplicar essas daqui para amanhã?", gritou. Seguindo-o com os olhos, senti uma tontura. O laboratorista era o homem mais lindo que já tinha visto em toda a minha vida! Apesar de baixinho, ele era um charme. Com umas covinhas sem igual no rosto. Logicamente, ele percebeu que eu o fitava. "Para amanhã de manhã", sussurrou ao velho, dando uma piscadela pra mim. Peguei o recibo trêmula. Parecia que estava andando na corda bamba. Nem na época que conheci o Luiz, meu ex, tinha sentido aquilo. Como pode um homem que você nunca viu antes te deixar num estado desses?", pensei. Fui para o trabalho atordoada.

Mal conseguia marcar as consultas na clínica. As outras recepcionistas ficavam me olhando. "Nilva, preste atenção, parece que viu lobisomem!", brincavam. Mas eu sabia que o que tinha visto não era do outro mundo, não. O que passei era real. Amor à primeira vista. Não consegui dormir naquela noite. Fiquei acordada a madrugada inteira esperando o amanhecer. Na cabeceira da cama, o protocolo da loja. O nome dele, Egídio, parecia uma caixinha de música ecoando uma canção bem bonita. Um lado meu dizia: "sua boba, você nem sabe quem ele é...". Outro contestava: "Você é solteira, livre e desimpedida, vá atrás!". Mas, e se ele não fosse assim, livre como eu?
Ele estava de costas quando entrei na loja. O mesmo senhor do outro dia se aproximou e pegou o protocolo. Meu coração pulsava tão acelerado que pareciam as últimas batidas de minha vida. Fiz uma prece íntima para que, nos poucos segundos em que o atendente procurava as fotos, Egídio percebesse que eu estava ali. Santa Terezinha, que nunca me falta, deve ter escutado a oração. Ele se virou no exato momento em que eu recebia as fotos reveladas! Como não sou boba nem nada, resolvi checar o material ali mesmo. Conforme espalhava minhas fotos pelo balcão, notei que ele sorria com malícia. Como uma raposa, me fitava. Aquelas covinhas eram matadoras. E seus lábios, do outro mundo... Grossos, de cor avermelhada, prontos para beijar. Imaginei-os colados em meu ouvido. Aquela boca subindo e descendo pela minha nuca. O hálito quente dele aquecendo meu pescoço. Uma mordidinha ali, outra acolá. Quanta coisa seus lábios poderiam fazer por mim...

Viajando nesses pensamentos, mal conseguia concentrar-me nos retratos. "Só faltou uma. Queimou!", ele gritou de repente de dentro da sua sala de vidro. Foi a primeira vez que Egídio disse algo para mim. Trêmula, soltei um "tudo bem", e só. Não consegui pronunciar mais nada. Eu o olhei por um breve instante. Mas não deu para encará-lo de verdade. Parecia que estava diante de um gigantesco farol e, por causa do brilho, não conseguia contemplar sua luz. Paguei e saí da loja rapidamente. Não tive coragem sequer de olhar para trás. Será que o atendente havia percebido alguma coisa? Quem sabe os dois não estivessem fazendo comentários ruins a respeito do meu corpo ou tirando sarro das fotos na praia? Mas algo me dizia que não era o caso. Egídio havia se dirigido a mim. Sabia de minha existência. Talvez, conhecesse meu nome. À noitinha, finalmente me senti à vontade para ver as fotos. Deitada na cama, observei uma a uma. Férias felizes. Apesar de tudo, estava ótima nos cliques.

E não parecia tão gordinha assim. Nada que uns dias sem comer bobagens ou tomar refrigerantes não resolvessem. Mas qual delas teria queimado? Fui olhar os negativos. Tive medo, porque uma das imagens era especial. Havia feito um retrato de um pôr-do-sol maravilhoso. Mas esse estava lá. Continuei olhando, um a um, os negativos. Todos os revelados tinham uma marca de OK na cartela. Só não encontrei o sinal num deles. Justamente de uma foto minha experimentando um biquíni minúsculo. Olhando com mais cuidado, notei uma letra "E" escrita com caneta vermelha. "E"? Hum... poderia ser a inicial de Egídio. Sim, era isso! Meu coração me dizia. Agora, ele me possuía. A princípio, apenas na foto. Por enquanto...
Agora que sabia do desejo de Egídio por mim, não havia motivos para inibições. Eram duas possibilidades: ou fingia que não tinha percebido a falta do negativo ou partia para o ataque. Gostei mais da segunda.

Na noite seguinte, me tranquei no quarto e comecei a colocar meu plano em prática. Experimentei os vestidos, calças, biquínis e camisetas mais bonitos. Fiz um coque bem sexy. Depois, me enfeitei com uma tiara, inventei uma maquiagem provocante com batom vermelho, olhos chamativos... E me fotografei pelo reflexo do espelho! Gastei um filme só com isso. Eram essas as poses que meu amado iria revelar no laboratório. Registrei também minha família, usando outro rolo. Ninguém entendeu bem o que eu estava aprontando. Simplesmente apareci na sala e fui clicando todos eles. "É para um álbum que quero montar", falei. Até o cachorro, Sansão, foi obrigado a sentar quietinho para a fotografia. Mostrei uma vida inteira naqueles retratos. Assim, Egídio iria me conhecer, saber de minha intimidade e das pessoas que vivem ao meu redor.

Na manhã seguinte, entrei na loja com uma blusa mais justa do que as que costumo usar.

A calça também era apertada. Há tempos não vestia algo tão sensual. O atendente estranhou que eu aparecesse de novo, com mais filmes. "Essa menina teve férias longas, não?", devia estar imaginando. Egídio me cumprimentou com a cabeça e um olhar safado. Parecia mais bonito que da última vez. Cabelo aparado, barba bem feitinha e uma camisa aberta no peito, mostrando aqueles pêlos todos... Assim como eu, usava uma calça mais reveladora. Que bumbum lindo! Por sorte, quando olhei para sua mão, não encontrei aquilo que poderia destruir todos os meus planos de conquista: uma maldita aliança no dedo. "Bem, são dois filmes. Um é só de fotos minhas, que vou mandar para parentes do interior. O outro tem familiares, cachorro, essas coisas...", disse, desnecessariamente alto, ao balconista, como se fosse comum justificar essas coisas. Egídio ouviu. Pelo olhar maroto que lançou em minha direção, percebi que o gato havia sacado tudo. Quando saí da loja, distraída, pensando nele, quase bati a cabeça num poste. Rebolei, fiz anha, dei um sorrisinho, parecia uma adolescente indo para o baile. Estava excitada e feliz com tudo aquilo.
Meu dia de trabalho demorou para passar. À noite, depois da novela, fui para o quarto. Deitei, tentei dormir, mas não conseguia. Na manhã seguinte ia buscar as fotos e estava confusa. Não pensava em outra coisa. Agarrava-me ao travesseiro imaginando o corpo forte de Egídio.

"Você é linda, gatinha", ele sussurrava em meus ouvidos, enquanto levantava minha blusa. Sentia aquela boca me mordiscando o pescoço, me beijando a nuca. Seus dedos me tocavam por baixo da camisola, com movimentos suaves e outros mais fortes.

Os lábios dele tocando meus lábios, me deixando arrepiada. Enquanto ele abria minhas coxas, eu arranhava suas costas fortes. Minhas mãos, desesperadas, alisavam suas pernas. Apertava-as com força, eram minhas! Sua virilidade era impressionante.

Eu mal conseguia respirar cada vez que ele forçava o corpo contra o meu. Egídio alternava movimentos mais bruscos com algumas paradinhas.

Apertava meus seios com vigor, e por pouco não causava dor. Ficava no limite do prazer, o que me dava ainda mais tesão. Eu gemia baixinho. Feliz. Ele não falava nada. O único som que ouvia era uma sinfonia ofegante. Seu coração batia cada vez mais descompassado. Senti que ia gozar, e mordi com tamanha força seus ombros que ele gritou.

Mas o que eu ouvi nessa hora foi uma voz feminina: "Acorde, já são 7h15 da manhã, minha filha!". Quase não acreditei quando despertei.

Minha mãe estava na porta, me chamando para o café. Que sonho maravilhoso eu tive! Agora queria fazer qualquer coisa para torná-lo real. Acho que fui a primeira cliente do dia. Entrei na loja e não havia ninguém no balcão. Esperei por um tempo, até que ele surgiu. Não o velhinho, mas o próprio Egídio, que eu acabara de ver em meus sonhos. "Ele vem mais tarde hoje.

Foi resolver algum problema...", disse, sem tirar os olhos dos meus. Senti uma tremedeira e não consegui articular uma frase mais inteligente do que: "Ah, é mesmo?". Egídio sorriu e foi buscar meus envelopes. Tirou todas as fotos e as colocou sobre o balcão. Eu mal conseguia enxergá-las. Suas mãos tocavam os retratos com tamanha delicadeza, que eu sentia arrepios. Aquele jeito me deixava louca. E ele sabia. Fez questão de deixar as minhas imagens de biquíni por cima das outras. "Estão boas?", sussurrou, exatamente como em meus sonhos. "Acho que sim. Você notou algo diferente nelas?", perguntei, sabe lá Deus com que coragem.

Ele deu um sorrisinho, passou a língua nos lábios e expôs suas covinhas: "Você é muito bonita, sabia?". Aquelas palavras foram demais para mim. Comecei a suar, suar. Mas não enfraqueci. "Obrigada, eu também tenho reparado em você!", falei, bem baixinho.
Recolhi as fotos lentamente. "Seus pais?", perguntou Egídio, segurando uma delas. "Sim, eles fizeram bodas", respondi, guardando a imagem no envelope. Nessa hora, o atendente velhinho chegou e ele se despediu apressado. Acho que não queria parecer o galinha que dá em cima das clientes.

O dia foi longo. Eu não tinha o telefone dele e não podia passar no laboratório, pois já estava dando bandeira. Com muito esforço, resolvi me controlar. "Vou esperar uma semana. Daí eu apareço", pensei. Os dias passavam e eu grudada no envelope. Não pensava em outra coisa a não ser na voz e no jeito do Egídio. Estava tão ansiosa que comecei a ter insônia. Minhas colegas da clínica me davam a maior força. Só não entendiam porque eu não voltava. "Não quero que ele enjoe de mim", dizia.

Esperei sete dias. Marquei num calendário. Acordei, tomei banho e me produzi. Mesmo sabendo que não iria fazer nada demais vesti uma calcinha e um sutiã novos. Imaginava ele dizendo: "Puxa, achei que você não voltasse nunca mais....", com aquele sorriso todo perolado. Caprichei no batom vermelho e no perfume. No caminho um monte de homens me olharam. Também, carreguei no perfume como só fazia quando encontrava o Adálio, meu ex-namorado.

Cheguei e o velho, com uma cara meio desconfiada, perguntou: "Pois, não?" Olhei o aquário de vidro. Estava vazio. Bem, agora não podia voltar atrás. "O senhor pode me chamar o Egídio?", disse, sem muita firmeza na voz. O atendente foi rápido, como se soubesse de antemão o que eu ia falar: "Ele viajou. Foi para Crato. A mãe dele está nas últimas...". Fiquei paralisada. "Mas...mas...quando ele volta?", disse. O senhor fez um gesto negativo com a cabeça: "Partiu de mala e cuia. O irmão mais velho que cuidava da mãe embuchou uma menina e fugiu. Agora, ele resolveu ficar lá, cuidando da véia dele." Não sabia por qual motivo estava mais triste. Se porque a mãe do homem que eu amava estava doente, ou, porque ele tinha ido embora.

Saí da loja com os olhos cheios d' água. Sem rumo. Não sabia o que fazer. Voltei para a casa e disse que estava ruim do estômago. Ouvi quando minha mãe atendeu o telefone e explicou que eu estava de cama. Chorei tanto, tanto, que até adormeci. Não sonhei nada. Ficou um vazio em mim, parecia que não tinha mais alegria para ver coisas nos sonhos. Os dias se passaram. No trabalho, ficava quieta. Em casa, mal comia. Todos estranharam, mas não me incomoravam perguntando o que era. Eles já sabiam. Foi numa quinta-feira, no final do expediente, que caiu a ficha. Gritei pra minha amiga da mesa ao lado: "Se ele foi pra Crato, eu vou também".
Consegui uma semana de licença. Disse à minha chefe que precisava visitar uma parente adoentada. Ela achou estranho, mas deixou. Em casa, estanquei. O que falaria para minha mãe? Vou embora para o Nordeste atrás do homem que amo? Ela ia achar que eu tinha enlouquecido de vez... E será que não era verdade? Não podia pensar muito.

- Estão me devendo férias e resolveram me dar uma folguinha, contei a mamãe. Se não fosse pelo fato de dizer isso já arrumando minhas malas, com passagem comprada, talvez ela nem estranhasse tanto.

- Oxe! Mas pra onde você vai, menina? Você nem teve tempo de planejar nada!", disse, desconfiada.

- Ah, mãe, consegui um pacote barato para Fortaleza. Comprei logo que soube da folga. É de uma semana. Vou depois de amanhã.

Zonza com minha explicação duvidosa, fez que concordou. Poxa, se o que as mães mais querem é ver os filhos felizes, ela não ia ligar muito para essa mentirinha. Afinal, corria atrás da felicidade.

Na rodoviária, todo mundo estava acompanhado. Sabia que, além do desconforto de dias dentro do ônibus, seria uma tortura ver aqueles rapazes e moças namorando de madrugadinha na estrada. Milhões de coisas passaram pela minha cabeça. A primeira, era a minha maluquice: ir para um lugar que nunca tinha ouvido falar, atrás de um homem de quem só sabia o primeiro nome. Na minha mala, além das roupas básicas, uma lingerie novinha. Queria muito voltar de lá com meus sonhos realizados. Quem sabe uma aliança no dedo... Lindo, né? Mas, e se não achasse o Egídio? O que, aliás, era bem provável... O que faria se ele não quisesse nada comigo? Ou, quem sabe, ele já não tivesse uma namoradinha por lá? Mas eu precisava arriscar! Nunca havia feito isso na vida. E já era hora de tomar uma atitude para ser feliz.

Logo na primeira noite, o casal ao lado se empolgou nos beijos. Ainda bem que não sentou ninguém na poltrona junto à minha, senão o constrangimento seria maior. Por baixo da manta, espiei os dois. Não tinham a mínima vergonha, achavam que eu já havia dormido. Mas como poderia, com tamanha ansiedade? Quando vi que a moça começava a subir no colo dele, achei melhor virar para o outro lado e ignorar. Adormeci com os gemidos abafados. Os mesmos que ouvi no meu sonho com Egídio... E assim foi a viagem. Muitas paradas, rostos desconhecidos e paisagens. Como tudo era novo pra mim! Viajar sozinha (disse à minha mãe que iria com uma amiga), ver Estados novos. Fiquei encantada. Quando avistei a placa "Bem-vindo ao Crato", meu coração começou a bater descompassadamente. Suando frio, nem lembrei que estava morta de dor nas costas. Deus seria justo e faria com que todo aquele sacrifício valesse a pena!
Depois de me instalar num hotelzinho, tinha que começar a procurar por Egídio. Sozinha naquela cidade, me senti um pouco assustada. Devia ser raro uma mulher de fora procurando por um homem. Mas, já que tinha vindo, não dava para desistir. Desci até a recepção e perguntei: "O senhor conhece algum Egídio?", como se fosse a questão mais óbvia do universo. "Conheço, não!", foi tudo o que ouvi. Fazia um calor danado. Já que estava de férias, resolvi sair mais à vontade. Mas foi só andar uns poucos quarteirões para notar vários homens me olhando. Rezava para que entre aqueles rapazes parados nas portas dos bares e das casas estivesse o meu amor.

Depois de alguns minutos, cheguei ao centro. Caso existisse algum laboratório fotográfico na cidade, ficaria ali. Encontrei uma lojinha. Se ele estiver trabalhando, só pode ser aqui, pensei toda esperançosa. Entrei com o coração saltando pela boca: "Bom dia, por acaso tem algum Egídio na loja?" Quatro homens se viraram. Ninguém falou, mas deram umas risadas maliciosas. Saí dali quase chorando.

Começava a me dar conta de como havia sido estúpida. Passei três dias viajando de ônibus para entrar num laboratório fotográfico, receber um não e ficar triste! Gastei minhas férias atrás de uma loucura. Sim, porque eu só podia estar maluca, me metendo naquela cidade desconhecida. De qualquer modo, consegui uma lista telefônica num bar e comecei a procurar por lojas de foto. Havia várias. Resolvi visitar uma a uma. Provavelmente, quando terminasse minha viagem ao Crato, uma destas duas coisas ia acontecer: ficaria famosa como a louca paulista que anda atrás de um tal Egídio ou como a louca paulista que, com tanta insistência, encontrou o tal Egídio e com ele foi feliz. Só Deus sabe como eu queria que fosse a segunda alternativa!

Conferi em lojas, bares, restaurantes, hotéis... Estava a ponto de bater de porta em porta! Mas a cena era sempre a mesma. Olhares assustados, gente desconfiada. Só não podia desistir. Estava na chuva e me molharia até a alma para achar o meu gato. Quando sai da última loja, sentei na calçada e desabei a chorar. Todo o sacrifício fora em vão... Ao erguer a cabeça, vi uma capelinha do outro lado da rua. Resolvi entrar. Sentei-me diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Estava só. Quer dizer, eu e a santa. "Minha mãe protetora, peço mais um favor. Meu amor se foi, minhas esperanças também. Sinto-me abandonada como um cãozinho doente jogado na rua....", murmurei. Doente? Essa palavra soou como um trovão dentro de mim. Se a mãe dele está muito enferma, preciso ir ao hospital! Com certeza vou encontrar Egídio lá. Agradeci a santinha e saí perguntando o caminho. Quem sabe agora não encontraria o remédio que mais precisava para o meu coração?
Quando entrei no maior hospital da cidade, senti medo. Havia um silêncio estranho no ar. Poucos idosos e crianças esperavam nuns bancos de madeira. Sofridos e quietos. Na frente do corredor principal, havia uma recepção. Não podia dizer à moça quem estava visitando, porque sequer sabia se a mãe de Egídio estava ali. Aliás, não sabia nem o nome dela! "Sou filha da dona Maria, do quarto 14. Vim trazer umas coisas...", arrisquei. Dei sorte: não faltavam Marias internadas. Segui pelo imenso corredor de piso branco. Um cheiro de éter e lisofórmio contaminava o ambiente. Do corredor, saíam outras passagens, era um labirinto. Meu coração batia tão forte quanto as pás ruidosas dos ventiladores dos quartos. Resolvi dar uma espiadela numa porta entreaberta. Uma mulher segurava um bebê, e um rapaz chorava ao lado dela. Aquele recém-nascido mexeu comigo. Queria o mesmo, queria uma família. Em qualquer maternidade, em qualquer cidade do mundo, eu queria me ver naquela cena.

Sem que percebessem, voltei ao corredor e caminhei a esmo. Cruzei com pessoas carregando soro, esbarrei em macas. Soluços. Sim, eu ouvi soluços! Por um momento, reconheci aquele tom de voz grave, triste. Virei para a direita e, de longe, vi um homem sentado, curvado e com as mãos cobrindo os olhos. Era Egídio!

Trêmula, fui me aproximando devagarinho. Ele chorava. Parecia o homem no quarto com seu bebê recém-nascido. Mas Egídio não chorava como ele.

Um mau pressentimento tomou conta de mim. Fiquei em pé na sua frente, durante um minuto. Ele não levantou a cabeça. Me ajoelhei e pus minhas mãos sobre as dele. Vagarosamente, ele as tirou de seu rosto e me encarou. Por alguns segundos, me olhou como se estivesse delirando, como se eu fosse um anjo anunciando alguma coisa. "Você?", disse confuso. Antes que eu pudesse falar alguma coisa, me abraçou e chorou. "Mainha se foi... mainha se foi...", murmurava. Ficamos ali por quinze minutos, na mesma posição. Chorei junto. Nunca consegui segurar fortes emoções, não nasci pra isso. "Você cuida de mim?", ele me perguntou enxugando as lágrimas. "Cuido. Para sempre", respondi beijando-o no rosto.

Passado o enterro da sogra que nem conheci em vida, contei-lhe toda minha saga. A cada episódio, sentia que se não estivesse abalado pela morte da mãe, Egídio riria como um louco. Fiquei na casa dele o resto da semana. Voltei para São Paulo sozinha. Passaram-se seis anos desde aquela viagem. Eu, Egídio e Bento, nosso filho de 5 anos, trabalhamos juntos num laboratório fotográfico que ele montou em Crato, com o dinheiro da herança da mãe.

Desde então, venho fazendo retratos de minha família mensalmente. Eu os envio para minha mãe, em São Paulo. São coloridas, sempre com a gente sorrindo. Essas imagens são as melhores revelações de minha vida.

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