segunda-feira, 2 de maio de 2011

CARTA PASTORAL DE 5/10/2007:

"Em Cristo a liberdade, a alegria e a misericórdia",

 1. Novidade e unidade na acção pastoral

Que o Senhor Jesus, presente nesta Assembleia, fortaleça os laços da nossa comunhão e nos ajude a descobrir a beleza da nossa fé e a alegria de colaborarmos na difusão do Evangelho.

Da minha parte uma saudação cordial para todos e um caloroso agradecimento pela vossa presença generosa e interessada.

No início de cada ano, costumo escrever uma Carta Pastoral onde apresento linhas de acção que dêem alguma novidade e unidade à acção pastoral. Como o escriba do evangelho, devemos procurar tirar coisas novas e antigas do tesouro de sabedoria da Igreja. É pedagógico apresentar sempre novas propostas, ou as antigas com linguagem nova, para despertar interesse e vencer a rotina, criar unidade e estimular a formação permanente dos fiéis. Tenho encontrado incentivo e apoio da parte do povo de Deus, designadamente dos colaboradores a quem peço ajuda: Seja-me permitido destacar, entre muitas ajudas, a do Conselho Diocesano Pastoral e do seu Secretariado Permanente. Agradeço este interesse e peço o vosso empenho para que esta Carta seja divulgada, reflectida e levada à prática.



Um fruto da Carta Pastoral, que vários colaboradores referem e esperam, é o crescimento na unidade e o fortalecimento da comunhão eclesial e da identidade diocesana na medida em que propõem critérios e linhas comuns de acção e inspiram acções de formação nas paróquias e vigararias. Dão origem a cartazes com o resumo da proposta e são, portanto, um incentivo para a formação permanente dos fiéis.

Notamos, certamente, a emergência de uma cultura, feita de mentalidades e de hábitos, que cria dificuldade e resistência à fé cristã. Podem ser pequenos grupos ideológicos. Mas contam com a nossa passividade. Temos de nos preparar para nos mantermos firmes e esclarecidos na fé e na esperança. (Nas escolas do ensino básico a tentativa de afastar a presença da educação moral e religiosa; agora a tentativa de afastar a assistência religiosa nos hospitais; o lixo televisivo; a ausência de critérios; o vazio moral; o relativismo e a ausência de critérios; o empobrecimento do humanismo e o aumento do egoísmo, da violência, do tribalismo). Também encontramos sinais de esperança: a procura de espiritualidade, de formação, de voluntariado, de participação. Estamos num mundo diferente que reclama uma fé mais esclarecida, viva e empenhada. Precisamos de responder a estes novos desafios, fortalecendo a união fraterna, a comunhão eclesial e a formação dos fiéis (ordenados, consagrados, leigos).

A primeira responsabilidade de um bispo é anunciar o evangelho a todas as criaturas e em todas as culturas. Se o anúncio do evangelho é dever de todos os féis, esta missão pertence, de modo especial e de forma mais responsável aos bispos, sucessores dos apóstolos, Um bispo é designado "Mestre da fé" na sua diocese. Por isso, para que a pregação chegue a um maior número de pessoas, não posso limitar-me à pregação oral e presencial. Chegaria a pouca gente. Recorro, por isso, à escrita: Carta Pastoral, mensagem quaresmal, mensagem natalícia, artigos nos jornais, etc. Será que alcance muitos destinatários? Procuro, pelo menos, semear o evangelho.

O alcance destas actividades depende também de vós, tanto a respeito da Carta pastoral como de outras formas de comunicação. Depende do envolvimento activo dos principais colaboradores. De entre os colaboradores, destaco os mais próximos, os Presbíteros, alma das comunidades e que têm dado apoio e concretização a estas iniciativas. Logo a seguir, os Diáconos Permanentes, que estão a concluir o ano de estágio e a iniciar uma participação mais responsável e ampla na missão da Igreja. Conto também com os vários carismas e serviços pastorais realizados pelos "Consagrados (as)" que, embora tenham diminuído nas congregações tradicionais, apresentam alguns sinais de reanimação; conto com os Leigos empenhados, a grande maioria da Igreja que, graças a Deus, têm aumentado e esperamos que aumentem ainda mais. Agradeço a atenção e a divulgação e peço que este documento do Magistério do Bispo Diocesano seja lido e inspire, de facto, os planos das paróquias, vigararias, Secretariados Diocesanos e outros organismos eclesiais.

Em vão trabalhamos se Deus não constrói a casa que é a Sua Igreja, como diz o salmo: em vão trabalham os construtores se Deus não edifica cidade. A edificação da Igreja não é empresa nossa. Somos apenas servos da vinha do Senhor e, por isso, devemos, antes de mais, escutar e falar ao Senhor da vinha. Os nossos planos pastorais têm força na medida em que são sustentados pela Palavra do Senhor. Na Palavra de Deus está a referência normativa da edificação da Igreja, bem como a luz que orienta os nossos planos e também o alimento que a fortalece.

Vamos, portanto, continuar a recomendar o exercício da "lectio divina" em pequenos grupos já existentes, a apoiar a formação de novos grupos e a incentivar esta prática em comunidade ou em assembleia. Este ano teremos subsídios a propósito da preparação do Sínodo sobre a "Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja" a realizar em Outubro de 2008.

Aconselhamos, também, este ano, algumas propostas que podem contribuir para o crescimento na unidade, na partilha e na renovação da Igreja: dias paroquiais; jornadas vicariais e assembleias diocesanas. Já se realizam. Incentivamos e apoiamos para lhes dar mais consistência e enriquecimento.

2 .Celebrar os sacramentos na fé da Igreja

Estava previsto, este ano, passar a uma nova etapa (Igreja como comunhão e missão). Mas a opinião dada em vários Conselhos inclinaram para solidificar as etapas já indicadas nos anos anteriores. Assim vamos dar mais consistência à relação fé – sacramentos. É necessário, com efeito, prestar mais atenção às motivações e à situação religiosa das pessoas que pedem à Igreja os sacramentos. Estão, por vezes, longe da perspectiva da Igreja. Manifestam sentido religioso mas conhecem, geralmente, pouco da fé cristã. Não entendem as normas que a Igreja lhes coloca porque não têm consciência do significado cristão dos sacramentos. Frequentemente prevalecem razões de natureza sociológica, antropológica ou tradicional, como por exemplo, desejar estar integrados na sociedade ou não querer ser menos que os outros. Ou sentem a importância de celebrar as etapas da vida. Ou, por respeito familiar, fazer como os pais sempre fizeram.

São motivos positivos com alguma riqueza humana. Não podemos conotá-los negativamente como "pagãos". São aberturas e criam disposição para os sacramentos. Mas estes, para adquirirem o seu verdadeiro significado de sinais da Graça redentora de Jesus, necessitam de preparação, para que dêem fruto na vida cristã (preparação adequada, qualidade da celebração, continuidade na vida). Por isso, devemos acolher com amabilidade, preparar com eles estes momentos, ajudá-los a descobrir a riqueza destes sinais da Graça e a celebrar de forma participada e consciente os sacramentos.

No ano passado aprofundamos o ministério e os sacramentos da cura na Igreja (Reconciliação e Santa Unção). Este tema mereceu grande acolhimento e interesse pela sua densidade humana e espiritual. Os sacramentos da cura relacionam-se com situações humanas de grande sofrimento e provação. Mas não alcançámos todos os objectivos que nos havíamos proposto. De facto, estes sacramentos precisam de situar-se num contexto pastoral de atenção e alívio do sofrimento, ser apoiados pelo testemunho de misericórdia da Igreja, de serem compreendidos como momentos culminantes do ministério ou serviço de cura Precisamos de continuar a formar nas paróquias animadores de serviços pastorais que ponham em prática a misericórdia e a força curativa da fé, como os "Visitadores dos doentes" e os "Animadores da pastoral das Exéquias".

Ao aprofundar esta relação da fé com os sacramentos, como momentos em que Deus toca a nossa vida para transformar com a Sua graça, foi amadurecendo a necessidade de propor, com mais vigor e eficácia, a conversão De facto a transformação, a regeneração que Deus deseja operar em nós através dos sacramentos, só dá fruto se houver da nossa parte, vontade e esforço de mudar também. A mudança de vida provocada pela fé chama-se conversão.

Os sacramentos, enquanto sinais do encontro com Deus, devem, portanto, ser preparados e vividos como um movimento de conversão que nos leve à vida nova em Cristo. Deste modo, a preparação para os sacramentos é uma boa oportunidade para ajudar os fiéis a tomarem consciência da mudança de vida que Cristo nos pede e a porem-se a caminho da conversão.

O percurso de conversão inspira, aliás, desde o início, o plano de pastoral através do Ícone de Emaús que passa pelas etapas conhecidas: escuta da Palavra de Deus; atitude de Oração; encontro com o Senhor Ressuscitado nos sinais sacramentais; integração na comunidade e participação na missão. Mas a necessidade de um percurso de conversão não está ainda suficientemente adquirida. Vamos, pois, aprofundar resta linha de força. Este será, portanto, o tema central: "Sacramentos sinais do encontro com Cristo celebrados na fé da Igreja" (e não numa crença à medida de cada um). Inicialmente estava pensado até este título.

O trabalho de fundo ao longo do ano será a definição de itinerários de preparação para os sacramentos, continuando e concluindo o trabalho de anos anteriores: catecumenado para o baptismo de jovens adultos; itinerário de preparação para o Crisma, em pedagogia catecumenal; de crianças em idade de catequese ou escolar para o baptismo e primeira comunhão, de pais para o baptismo de seus filhos em tenra idade; de noivos para o matrimónio.

Como se chegou então a este título: "Em Cristo a liberdade, a alegria e a misericórdia"?

3. conversão ao evangelho

A necessidade de conversão faz parte da vida cristã, é fundamental na mensagem de Jesus. Na verdade, Ele inicia a sua pregação na Galileia com o apelo à conversão: "Convertei-vos e acreditai na Boa Nova". Sem conversão não alcançamos a novidade e a alegria do evangelho. Na verdade, o evangelho é como o fermento de um mundo novo destinado a transformar os corações e a transformar o mundo. A transformação do mundo começa no coração de cada um, pela conversão. É como vinho novo que precisa de odres novos. Ser discípulo de Jesus é colocar-se num itinerário de conversão. Todos somos chamados a convertermo-nos e todos precisamos de conversão. Encontramos muitos fiéis instalados e convencidos que já são bons e apenas os outros é que precisam de mudar. Necessitam de descobrir este apelo à conversão.

Converter-se é mudar, é apresentar novidade. A Igreja precisa de se converter, de apresentar um rosto renovado, de converter a acção pastoral ou seja de encontrar novos caminhos de evangelização. Conversão tem, portanto, um sentido positivo. Mas a atitude de conversão é difícil. Todos sentem que muita coisa tem de mudar, todos estão de acordo que o mundo tem de mudar. Porém cada um pensa que a mudança deve vir dos outros, ou da sociedade. No evangelho, Jesus propõe a mudança no interior do coração de cada um. O exemplo de David e Natan ilustra bem esta dificuldade.

A dificuldade e complexidade da conversão têm a ver também com a noção de pessoa humana que lhe está subjacente, ou seja, é uma questão de antropologia e não só de teologia. Quem é o homem? Um ser quase divino, afirma o salmo. Mas pecador. Capaz de gestos admiráveis, grandes, belos; e, igualmente, tentado para a mesquinhez, para a baixeza. Inclinado ao pecado e simultaneamente atraído e com capacidade para a virtude. A grandeza e a mesquinhez não estão só no mundo. Estão no coração de todos. Também dos discípulos de Cristo. Todos precisamos de conversão. Não só os grandes pecadores ou ateus. Também os justos necessitam de se converter. Uma conversão laboriosa, permanente, de toda a vida.

Como propor a conversão numa cultura de desculpabilização e auto aprovação pessoais?

Para que alguém se convença de que precisa de se converter precisa de escutar o chamamento de Deus e descobrir a face positiva da conversão: os que se convertem alcançam a liberdade, a alegria e a misericórdia. Tornam-se, por outro lado, como Francisco, reparadores da comunidade, fermentos de uma humanidade misericordiosa, portadores de paz e da alegria para os outros. A conversão conduz a uma vida bela, grande e irradiante. A apresentação de exemplos concretos pode ser um meio para concretizarmos a proposta de conversão.

Como se dá o primeiro passo? Como é que alguém se convence e decide dar uma volta à vida? Como se prossegue no caminho? Como se fazer o Primeiro Anúncio?

Exemplo de São Francisco, de Santo Agostinho, de Edite Stein e de Simone Weil. Esta filósofa descobriu que na cruz de Cristo está o sentido e o significado do sofrimento humana. Como descobriu? Numa procissão no Norte de Portugal. A primeira luz de Edite Stein: a convivência com a viúva de um colega (Reinach) em que descobriu serenidade e aceitação. Escreveu" Foi que eu encontrei pela primeira vez a cruz e o poder divino que ela inspira aos que a carregam. Pela primeira vez vi, diante de mim, a igreja nascida do sofrimento redentor de Cristo, vitoriosa sobre o aguilhão da morte. Foi nesse momento que a minha descrença foi abalada, o judaísmo empalideceu e Cristo derramou-se sobre mim. Cristo no mistério da cruz". Foi o primeiro passo que teve continuidade. Ela própria escreve: " A minha alma, embora eu não o admitisse, era como terra sem água, sedenta das águas vivas da verdade. Não tinha ainda começado a rezar mas esta ânsia pela verdade era em si uma oração". Outro passo decisivo aconteceu também em casa de um casal amigo. Ao ficar só, imprevistamente, pegou no livro de Santa Teresa de Ávila, a sua autobiografia, e deixou-se prender àquela leitura absorvente, como conta: "Ao fechar o livro disse a mim mesma: "Esta é a Verdade". A verdade não é um sistema de pensamento, uma interpretação da realidade. A Verdade é uma pessoa viva, presente e interpelante. Encontrou um tesouro escondido. Foi uma reviravolta: De agnóstica passou a acreditar. Depois do impacto desta experiência, a primeira coisa que fez na manhã seguinte foi ir à cidade comprar um catecismo católico e um missal. Terminada a leitura foi a uma Igreja pedir o Baptismo. Havia uma preparação interior para o momento do encontro com Deus.

4. A conversão vivida no itinerário catecumenal

Na pedagogia da Igreja criou-se uma pedagogia própria para despertar e educar a conversão ao evangelho: a pedagogia catecumenal de preparação dos adultos para o Baptismo. Hoje é proposta como modelo que deve inspirar toda a pastoral da fé. Intuições válidas que oferece para a nossa situação:

Pedagogia do caminho  O catecumenado organiza-se como um caminho ou itinerário de conversão. A vida cristã é como um caminho que se faz, precisa de vários passos, de tempo, de maturação, de exercitação, de assimilação progressiva e continuidade. Tornamo-nos cristãos gradualmente e não de um momento para o outro. Isto implica que, na preparação dos sacramentos, se realizem um número razoável de encontros com conteúdos determinados e progressivos, onde haja uma proposta clara de conversão à vida nova em Cristo.

O percurso é marcado com etapas em que há níveis diferentes até chegar à vida cristã adulta e responsável na comunidade cristã. Parece claro e praticável quando se trata do "itinerário catecumenal" para preparar o baptismo de adultos. Ou no projecto de dez anos de catequese. Mas como pôr em prática a pedagogia catecumenal na preparação dos sacramentos? Por exemplo, na preparação do matrimónio de modo que tenha "antes" e "depois" do sacramento? "Antes" já alcançámos com a publicação de encontros. Precisamos de melhorar. Para que sejam encontros que levem a acolher a Palavra Viva que é Jesus Cristo na escuta e na oração. E "depois"?

Formação global.  Não basta esclarecimento doutrinal. È indispensável despertar e aprofundar a experiência de fé. A formação não pode dirigir-se apenas à inteligência em ordem à compreensão e à aquisição de conhecimentos. Precisa de se dirigir aos afectos, ao coração, a todas as faculdades. São, por isso, importantes, os exercícios de oração, o canto, a partilha e o convívio, a celebração da fé na liturgia ou na piedade popular, bem como a participação num retiro espiritual.

A oração pessoal, a dimensão orante da vida cristã, decisiva na vivência da fé, está quase ausente na vida dos jovens e das crianças. Não se notam adquiridos nem ritmos de oração nem atitude orante. No entanto é essencial para que o cristianismo seja vivido como uma relação de amizade, confiança e obediência com Deus.

Valorização da liturgia. No itinerário catecumenal, os ritos e símbolos da liturgia desempenham, na educação da fé, uma função de grande importância. A liturgia abre ao mistério de Deus e leva-nos a viver o que a catequese ensina. A beleza e solenidade da linguagem litúrgica, hoje muito pouco conhecida, devem estar presentes na preparação e na celebração dos sacramentos, tanto a nível de esclarecimento como de participação activa.  

Dimensão comunitária.   A formação transmite e fé da Igreja, vivida na comunidade e conduz à fé da Igreja. Por isso a preparação não conclui com a celebração dos sacramentos mas com a integração na comunidade.

A dimensão comunitária precisa de ser experimentada através do acolhimento e da amizade da equipa que orienta a preparação. Nesse sentido, é aconselhável que não seja apenas uma pessoa a fazer a preparação dos sacramentos mas sim uma equipa.

A Igreja precisa de ser descoberta também no contacto com a comunidade local, tanto na celebração como nas outras várias iniciativas e actividades pastorais. É uma boa oportunidade para os candidatos descobrirem que a comunidade os acolhe, os acompanha e precisa deles.

Continuidade.A preparação não pode terminar nos sacramentos mas na vida cristã adulta, vivida na comunidade de forma participativa e irradiante. Deste modo, devem apresentar-se, aos que preparam a celebração dos sacramentos, propostas diversificadas de continuação da formação e motivá-los para nelas participarem (Grupos Bíblicos; Equipas de Casais; Curso Alpha; Escola Diocesana de Teologia; colaboração em actividades pastorais, etc.).

Testemunho. A participação na vida e na missão da Igreja não se confina ao interior da comunidade. A missão pastoral, na continuidade do bom pastor do evangelho, vai à procura dos que andam dispersos e afastados do caminho de Deus. Não podemos gastar as energias apenas a preparar os sacramentos. Temos de ir ao encontro dos não vêm e anunciar-lhes o evangelho da salvação. "Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tim 2,4). Não podemos guardar a luz do evangelho no interior da Igreja. Como despertar a fé? Como fazer o Primeiro Anúncio? A primeira evangelização é uma preocupação que deve estar sempre presente na pastoral.

5. A misericórdia, fruto da conversão

Ao meditar sobre a conversão de São Francisco de Assis, Bento XVI comentou que "a conversão levou São Francisco a exercer misericórdia e alcançou-lhe também misericórdia". A misericórdia é assim o teste da conversão. De facto, Francisco passou a ver a realidade na luz de Deus e a assumir uma atitude positiva para com as pessoas e as criaturas. Vê para além dos limites e defeito humanos, descobre a bondade e a beleza da vida e do universo, torna-se um irmão universal. O cântico das criaturas é uma expressão da misericórdia. Encontramos, assim, em São Francisco um convite e um guia para alcançarmos misericórdia e exercermos misericórdia.

As pessoas hoje esperam com grande atenção que a Igreja seja um sinal e um instrumento da misericórdia de Deus neste mundo marcado pela intolerância, pela incompreensão e pelos conflitos. Esperam de nós, ministros sagrados, uma mensagem de misericórdia. É uma meta que, ao longo do ano, nos deve orientar no percurso de conversão.

Em que consiste a misericórdia? Em mostrar um coração atento e acolhedor do débil e do desvalido, do mísero aos olhos do mundo. Para alcançar esta virtude não podemos fixar-nos nas debilidades e incapacidades dos que nos rodeiam. Devemos ver para além das debilidades, ver segundo o coração de Deus que não julga pelas aparências mas compreende e aceita-nos com a nossa fragilidade e com as nossas divisões interiores sem diminuir por isso o amor que nos tem. Para alcançar misericórdia devemos aprender a ver a vida e os outros com o olhar e o coração de Deus que, após a criação, viu que o mundo era bom e o homem muito bom.

A conversão, a misericórdia e a alegria caminham de mãos dadas. As parábolas da misericórdia, em São Lucas, capítulo XV, são parábolas da conversão. Deus faz-se humilde, procura o Filho, a dracma, a ovelha perdida; mostra-se compreensivo com o que anda perdido e se porta mal. Não o censura mas dá-lhe a mão para o levantar. Não se queixa deles ou da vida, como temos a tentação de fazer. Levanta do pó o indigente, procura recuperar o débil.

A misericórdia gera alegria que é partilhada, irradia à volta como um perfume. As parábolas da misericórdia estão associadas à alegria: A alegria da mulher que encontra a dracma; do pastor que encontra a ovelha perdida; do pai que encontra o filho pródigo e convida o irmão mais velho a partilhar a alegria. Para participar na alegria de Deus temos de nos associar também à Sua Misericórdia. È a alegria de quem perdoa, de quem se aproxima dos afastados, de quem dá sem esperar recompensa, de quem põe em prática a recomendação de Paulo: "É preciso recordar-se das palavras que o próprio Senhor Jesus disse: A felicidade está mais em dar do que em receber" (Act 20, 35).

A conversão conduz à liberdade, ao desprendimento de si mesmo, à alegria e à esperança. Como diz São Pedro na sua primeira carta: "A esperança vos enche de alegria embora talvez vos seja preciso ainda passar por diversas provações, para que a prova a que é sujeita a vossa fé seja digna de louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo se manifestar. Sem O terdes visto vós O amais; sem O ver ainda acreditais nele. E isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque conseguis o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas" (1 Pedro 1, 6-9.

Vamos dedicar-nos com a ajuda e o exemplo de São Francisco a crescer na virtude da misericórdia. É a fonte que alimenta e enriquece o ministério e os sacramentos da cura, que são sacramentos da misericórdia; é o fruto da conversão ao evangelho.

Rezemos com Santa Faustina Kowalska, testemunha e mensageira da misericórdia de Deus para a nossa época:"Ajudai-me Senhor para que os meus olhos sejam misericordiosos: Que não suspeite de ninguém e não julgue segundo as aparências exteriores. Que eu apenas observe o que é belo na alma do próximo e que vá em seu socorro.

Ajudai-me Senhor para que os meus ouvidos sejam misericordiosos: que eu esteja sempre atenta às necessidades dos outros e os meus ouvidos não sejam indiferentes às dores e aos gemidos do próximo.

Ajudai-me Senhor para que a minha língua seja misericordiosa: que eu nunca diga mal dos outros mas tenha para cada um palavras de consolação e de perdão.

Ajudai-me Senhor para que as minhas mãos sejam misericordiosas e cheias de boas obras: que só possa fazer bem ao próximo, reservando-me os trabalhos mais duros e difíceis.

Ajudai-me Senhor para que os meus pés sejam misericordiosos: que eu esteja sempre pronta a ir ajudar o meu próximo, dominando o próprio cansaço e fadiga. Que o meu descanso seja servir os outros.

Ajudai-me Senhor para que o meu coração seja misericordioso: que eu sinta todos os sofrimentos dos outros. A ninguém negarei o meu coração. Que eu conviva sinceramente mesmo com os que sei que hão-de abusar da minha bondade. Que, por mim mesma, me encerrarei no misericordioso coração de Jesus e guardarei silêncio sobre os meus próprios sofrimentos.

Ó meu Senhor que habite em mim a vossa misericórdia"

6. Igreja, antes de tudo, orante

"Recomendo antes de tudo que se façam preces, orações, súplicas, acções de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade" (1 Tim 2,1).

Esta recomendação de São Paulo ao seu continuador e discípulo Timóteo, indica uma prioridade na vida e na missão da comunidade cristã: Antes de tudo que se façam preces. Depois, no capítulo III, vêm indicadas, então, algumas recomendações sobre o governo da comunidade.

A recomendação sobre a prioridade da oração é oportuna na altura em que esboçamos os nossos planos de actividades. Nós, de facto, sonhamos com uma comunidade cristã operativa, dinâmica, em renovação permanente, atenta a novos caminhos de evangelização; uma comunidade que seja uma casa de família fraterna onde todos se sintam acolhidos e amados. É importante que seja assim. Mas podemos cair na tentação da Marta do evangelho: contar sobretudo com a nossa acção. São Paulo diz-nos que a Igreja deve ser, antes de tudo, uma comunidade orante. Como Maria, irmã de Marta. Sem deixar de fazer as tarefas como esta última.

A pedagogia catecumenal destaca a atitude orante. Uma Igreja orante como nas pinturas da Igreja Primitiva. Uma Igreja que escuta a Palavra com ouvidos de discípulo e acredita na força da oração, que reza por todos os homens; uma Igreja que ergue as mãos santas para o céu, sem ira nem contenda, porque confia na misericórdia do Senhor; uma Igreja que reza, em primeiro lugar, pelo mundo, pelos homens, pelo conjunto da sociedade terrena: por todos os homens, pelos governantes mesmo quando perseguida por eles (na altura reinava Nero). A Igreja é luz para todo o mundo, para todos os homens. Ainda que seja perseguida, como no caso, reza para que o mundo receba a luz, a salvação e se converta.

A conversão de São Francisco parte da oração, começa pelo diálogo com O Cristo de São Damião. Os nossos planos de pastoral, a nossa actividade apostólica encontram na oração a base da sua solidez. Na Carta deste ano, no final de cada número, vem proposta uma oração como convite a pôr em prática esta prioridade. Como realçar a atitude orante?

Ultimamente dediquei-me a recolher algumas orações de pessoas com reconhecida vida interior e tenho descoberto verdadeiras pérolas de grande beleza espiritual. Parece que na oração se revelam os anseios mais profundos e mais elevados do coração humano. São retratos de almas que se abrem à luz do Espírito Santo e com Ele aprendem a rezar. Peçamos também ao Senhor que nos ensine a rezar.

D. Manuel Pelino, Bispo de Santarém

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