segunda-feira, 2 de maio de 2011

“UNIÕES DE FATO”

 
Apresentação
Um dos fenômenos mais extensos que interpelam vivamente a consciência da comunidade cristã, hoje em dia, é o número crescente que as uniões de fato estão alcançando no conjunto da sociedade, com a conseqüente desafeição pela estabilidade do matrimônio que isto comporta. A Igreja, no seu discernimento dos “sinais dos tempos”, não pode deixar de iluminar esta realidade.
O Conselho Pontifício para a Família, consciente das graves repercussões desta situação social e pastoral, organizou uma série de reuniões de estudo durante o ano de 1999 e os primeiros meses do ano 2000, com a participação de importantes personalidades e prestigiosos expertos de todo o mundo, com o objetivo de analisar devidamente este problema delicado, de tanta transcendência para a Igreja e para o mundo.
Fruto disso tudo é o presente documento, em cujas páginas se aborda uma problemática atual e difícil, que toca de perto o próprio cerne das relações humanas, a parte mais delicada da íntima união entre a família e a vida, as zonas mais sensíveis do coração humano. Ao mesmo tempo, a inegável transcendência pública da atual conjuntura política internacional torna conveniente e urgente uma palavra de orientação, dirigida, sobretudo, aqueles que têm responsabilidades nessa matéria. São eles que em suas tarefas legislativas podem dar consistência jurídica à instituição matrimonial, ou pelo contrário, debilitar a consistência do bem comum que esta instituição natural protege, partindo de uma compreensão irreal dos problemas pessoais.
Essas reflexões orientam também os Pastores, que devem acolher e guiar tantos cristãos contemporâneos e acompanhá-los no itinerário do apreço do valor natural protegido pela instituição matrimonial e ratificado pelo sacramento cristão. A família fundada no matrimônio corresponde ao desígnio do Criador “desde o princípio” (Mt 19,4). No Reino de Deus, no qual não pode ser semeada outra semente senão a da verdade já inscrita no coração humano, a única capaz de “dar fruto com perseverança” (Lc 8, 15); esta verdade se faz misericórdia, compreensão e chamado a reconhecer em Jesus a “luz do mundo” (Jo 8, 12) e a força que libera dos laços do mal.
Este documento se propõe também a contribuir de modo positivo para um diálogo que elucide a verdade das coisas e das exigências que procedem da mesma ordem natural, participando no debate sócio-político e na responsabilidade pelo bem comum.

Introdução

As chamadas “uniões de fato” têm adquirido na sociedade nestes últimos anos um especial relevo. Certas iniciativas insistem no seu reconhecimento institucional e inclusive na equiparação com as famílias nascidas do compromisso matrimonial. Diante de uma questão de tanta importância e de tantas repercussões futuras para a comunidade humana toda, este Conselho Pontifício para a Família se propõe, mediante as presentes reflexões, a chamar a atenção para o perigo que um tal reconhecimento e equiparação representariam para a identidade da união matrimonial e a grave deterioração que isto acarretaria para a família e para o bem comum da sociedade.
No presente documento, ademais de se considerar o aspecto social das uniões de fato, os seus elementos constitutivos e motivações existenciais, aborda-se o problema do seu reconhecimento e equiparação jurídica, em primeiro lugar em relação à família fundada no matrimônio e, depois, em relação ao conjunto da sociedade. Trata posteriormente da família como bem social, dos valores objetivos a fomentar e do dever em justiça por parte da sociedade, de proteger e promover a família, cuja raiz é o matrimônio. Aprofunda-se, na seqüência, em alguns aspectos que esta reivindicação apresenta acerca do matrimônio cristão. Expõem-se, ademais, alguns critérios gerais de discernimento pastoral, necessários para uma orientação das comunidades cristãs.
As considerações aqui expostas dirigem-se não só àqueles que reconhecem explicitamente na Igreja Católica “a Igreja de Deus vivo, coluna e firmamento da verdade” (1Tim 3,15), como também a todos os cristãos das diversas Igrejas e comunidades cristãs, bem como a todos os sinceramente comprometidos com o bem precioso da família, célula fundamental da sociedade. Como ensina o Concílio Vaticano II, “a salvação da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao bem-estar da comunidade conjugal e familiar. Por isso, juntamente com todos aqueles que têm em grande estima essa comunidade, os cristãos alegram-se sinceramente com os vários meios pelos quais os homens progridem hoje na promoção dessa comunidade de amor e no cultivo da vida, e são auxiliados os cônjuges e pais na sua alta função”

1.      As “Uniões de fato”
Aspecto social das “uniões de fato”
A expressão “união de fato” abrange um conjunto de realidades humanas múltiplas e heterogêneas, cujo elemento comum é o de serem convivências (de tipo sexual) que não são matrimônios. As uniões de fato se caracterizam precisamente, por ignorar, postergar ou até mesmo rejeitar o compromisso conjugal. Disto derivam-se graves conseqüências.
Com o matrimônio se assumem publicamente, mediante o pacto de amor conjugal, todas as responsabilidades do vínculo estabelecido. Desta assunção pública de responsabilidades resulta um bem não só para os próprios cônjuges e filhos no seu crescimento afetivo e formativo, como também para os outros membros da família. Desta forma, a família que tem por base o matrimônio é um bem fundamental e precioso para a sociedade inteira, cujos entrelaces mais firmes estão sob os valores que se manifestam nas relações familiares que encontram sua garantia no matrimônio estável. O bem gerado pelo matrimônio é básico para
a própria Igreja, que reconhece na família a “Igreja doméstica”. Tudo isto se vê comprometido com o abandono da instituição matrimonial implícito nas uniões de fato.
Pode acontecer que alguém deseje e faça um uso da sexualidade diferente do inscrito por Deus na natureza humana mesma e da finalidade especificamente humana de seus atos. Destarte contraria a linguagem interpessoal do amor e compromete gravemente, com uma desordem objetiva, o verdadeiro diálogo de vida disposto pelo Criador e Redentor do gênero humano. A doutrina da Igreja Católica é bem conhecida pela opinião pública e não é necessário repeti-la aqui. É a dimensão social do problema que requer um maior esforço de reflexão que permita, especialmente àqueles que têm responsabilidades públicas, advertir a improcedência de elevar estas situações privadas à categoria de interesse público. Com o pretexto de estabelecer um marco de convivência social e jurídica, tenta-se justificar o reconhecimento institucional das uniões de fato. Destarte, elas se convertem em instituição e se sancionam legislativamente direitos e deveres em detrimento da família fundada no matrimônio. As uniões de fato ficam num nível jurídico similar ao do matrimônio. Qualifica-se publicamente de “bem” dita convivência, elevando-a a uma condição similar, ou inclusive equiparando-a ao matrimônio em prejuízo da verdade e da justiça. Com isto contribui-se de maneira muito clara à deterioração desta instituição natural, completamente vital, básica e necessária para a todo o corpo social, que é o matrimônio.

Elementos constitutivos das uniões de fato
Nem todas as uniões de fato têm o mesmo alcance social, nem as mesmas motivações. Na hora de descrever suas características positivas, além do seu traço comum negativo, que consiste em postergar, ignorar ou rejeitar a união matrimonial, sobressaem outros elementos. Primeiramente o caráter puramente fático da relação. Convém salientar que supõem uma coabitação acompanhada de relação sexual (o que as distinguem de outros tipos de convivência) e de uma relativa tendência à estabilidade, (o que as distinguem das uniões de coabitação esporádicas ou ocasionais). As uniões de fato não comportam direitos e deveres matrimoniais, nem pretendem uma estabilidade baseada no vínculo matrimonial. Têm como característica a firme reivindicação de não ter assumido vínculo algum. A instabilidade constante, decorrente da possibilidade de interrupção da convivência em comum é, de conseqüência, característica comum das uniões de fato. Há também um certo “compromisso”, mais ou menos explícito de “fidelidade” recíproca, se é possível assim chamá-la, enquanto durar a relação.
Algumas uniões de fato são clara conseqüência de uma escolha decidida. A união de fato “à experiência” é freqüente entre aqueles que têm o projeto de casar-se no futuro, porém condicionam à experiência de uma união sem vínculo matrimonial. É uma espécie de “etapa condicionada” para o matrimônio, semelhante ao matrimônio “à experiência” que, à diferença deste, pretendem um certo reconhecimento social.
Outras vezes, as pessoas que convivem justificam esta escolha por razões econômicas ou para esquivar as dificuldades legais. Muitas vezes, os verdadeiros motivos são mais profundos. Freqüentemente por debaixo desta série de pretextos, há uma mentalidade que dá pouco valor à sexualidade, influenciada em maior ou menor medida pelo pragmatismo e pelo hedonismo, bem como por uma concepção do amor desligada da responsabilidade. Esquiva-se o compromisso de estabilidade, das responsabilidades, e dos direitos e deveres que o verdadeiro amor conjugal comporta.
Em outras ocasiões, as uniões de fato se estabelecem entre pessoas divorciadas anteriormente. São então uma alternativa ao matrimônio. Com legislação divorcista o matrimônio tende amiúde a perder a sua identidade na consciência das pessoas. Neste sentido, há que se ressaltar a desconfiança em relação à instituição matrimonial que nasce, às vezes, da experiência negativa de pessoas traumatizadas por um divórcio anterior, ou pelo divórcio dos pais. Este fenômeno preocupante começa a ser socialmente relevante nos países economicamente mais desenvolvidos.
Não é raro que as pessoas que convivem em união de fato afirmem rejeitar explicitamente o matrimônio por motivos ideológicos. Trata-se então da escolha de uma alternativa, de um modo determinado de viver a própria sexualidade. O matrimônio é visto por estas pessoas como algo inadmissível para elas, como algo que se opõe à própria ideologia, uma “forma inaceitável de violentar o bem-estar pessoal” ou inclusive o “túmulo do amor selvagem”, expressões estas que demonstram o desconhecimento da verdadeira natureza do amor humano, da doação, nobreza e beleza na constância e fidelidade das relações humanas.



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